Acórdão nº 2/20.0GEBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução05 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

No processo comum singular nº 2/20.0GEBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 2, em que é arguido J. P.

, com os demais sinais nos autos, por sentença proferida e depositada em 11.01.2021, foi decidido, no que para o caso releva, o seguinte (transcrição):

  1. Condenar o arguido J. P.

    pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a) do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão (ofendida C. S.); b) Condenar o arguido J. P.

    pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão (ofendida V. M.); c) Condenar o arguido J. P.

    pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353.º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão; d) Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 4 (quatro) anos de prisão; e) Condenar o arguido J. P. na pena acessória de proibição de contacto com C. S. e V. M., com afastamento da residência destas, pelo período de 3 (três) anos; f) Condenar o arguido J. P.

    a pagar a C. S.

    a quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), a título de reparação pelos prejuízos por si sofridos; g) Condenar o arguido J. P.

    a pagar a V. M.

    a quantia de €2.000 (dois mil euros), a título de reparação pelos prejuízos por si sofridos; h) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C.

    1. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1ª – Entende o aqui recorrente que a Sentença recorrida viola de forma contundente o Princípio do contraditório e o Princípio do Processo Equitativo, assegurados pelo artigo 32º nº1 e nº5 da Constituição da República Portuguesa, pelos artigos 61º nº1 alínea a) e o artigo 283º, nº3 alínea b), ambos do CPP e pelo artigo 3º nº 3 do CPC.

      1. - A norma que prevê e pune o crime de violência doméstica não pode ter-se como dispensando, sem mais, a concretização dos factos.

      2. - Não se pode ter como acusação, no sentido confirmado pela sentença in crise, a imputação de factos genéricos, vagos, que não permita ao acusado localizar, no tempo, as acções que lhe são atribuídas.

      3. – Foi pois profícuo, o Tribunal a quo, na fundamentação de facto o recurso que realizou na imputação de factos genéricos e vagos, sem localização no tempo.

      4. - No entendimento do Recorrente o conteúdo dos pontos 22, 38,39, 40 e 41 da fundamentação de facto da Sentença in crise é meramente conclusivo.

      5. - Na verdade, tanto o despacho de acusação como a sentença in crise não localizaram temporalmente vários factos, não foi apurada a motivação do arguido para essa conduta, mormente através da identificação do veículo e seu proprietário, no cerne dos pontos 22, 38 e 41 dos factos provados.

      6. - Imputações genéricas não são factos e violam os direitos de defesa do arguido violando, por isso, o princípio do processo equitativo, resultando daqui que não podem sustentar uma condenação penal.

      7. - Acresce ainda que in casu, trata-se de violência doméstica, um crime que pela sua gravidade não pode constituir um crime “borracha” que apaga preocupações processuais e dispensa grande rigor na linguagem, investigação, instrução e prova nos autos.

      8. - Entente pois o recorrente que no tipo de crime de violência doméstica é incompatível com uma generalização factual sob pena de futura ineficácia do tipo, para além da presente violação dos mais elementares direitos de defesa, “um intolerável achincalhamento do contraditório”.

      9. – Aliás, o resultado é que seria muito mais fácil acusar e condenar pelo crime de violência doméstica – por dispensar qualquer esforço de concretização e localização -, do que pelos crimes em que o mesmo se decompõe, menos graves do que aquele! 11ª - No crime de violência doméstica, de que o recorrente vem condenado, o bem jurídico tutelado – como é comummente apontado -, seja a pessoa e a sua dignidade humana, compreendendo nesta a saúde, a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a honra, de tal forma que a violência desenvolvida pelo agente sobre a vítima redunde num abuso de poder daquele e numa situação de degradação e humilhação desta.

      10. - Os factos praticados, isolados ou reiterados, integrarão este tipo legal de crime se, apreciados à luz do circunstancialismo concreto da vida familiar e sua repercussão sobre a mesma, transmitirem este quadro de degradação da dignidade de um dos elementos, incompatível com a dignidade e liberdade pessoais inerentes ao ser humano.

      11. - O crime de violência doméstica é integrado por situações que, não fora essa especial ofensa da dignidade humana, seriam tratadas atomisticamente e preencheriam uma multiplicidade de tipos legais, como os de ofensa à integridade física, ameaça, injúria, sendo aquela envolvente que determina que acções susceptíveis de integrar estes crimes sejam tratadas como uma unidade.

      12. – Sendo certo que qualquer crime contra as pessoas atenta contra a sua dignidade, então esta violação que remete aquelas acções para o tipo legal da violência doméstica terá que revelar a especial ofensa à dignidade humana que determinou o surgimento deste tipo especial que a tutela.

      13. - Os factos praticados, isolados ou reiterados, integrarão este tipo legal de crime se, apreciados à luz do circunstancialismo concreto da vida familiar e sua repercussão sobre a mesma, transmitirem este quadro de degradação da dignidade de um dos elementos, incompatível com a dignidade e liberdade pessoais inerentes ao ser humano.

      14. - Daí que o decisivo para a verificação do tipo seja a configuração global de desrespeito pela dignidade da pessoa da vítima que resulta do comportamento do agente, normalmente assente numa posição de domínio e controlo.

      15. - O que no caso subjudice não se verifica: tanto pela situação de independência económica, o número de elementos adultos que viviam na residência (duas mulheres e um homem adultas).

      16. - Note-se que tanto a C. S., como a V. M. (juntamente com o companheiro B. D.), apesar dos rendimentos que auferem, continuaram todos a residir na casa onde alegadamente viviam com medo e com ansiedade.

      17. - Entende pois o Recorrente que eventuais episódios que consubstanciam o crime de injúria ou o crime de ameaça não se transmudam em violência doméstica, apenas por serem dirigidos ao ex cônjuge e filha.

      18. - Adassim, o Tribunal a quo não logrou provar o dolo do tipo legal da violência doméstica, sendo que os factos descritos na sentença recorrida são insuficientes à sua condenação.

      19. - Do conjunto da prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, restem dúvidas sobre o momento em que se verificaram dos factos em análise nos pontos 22, 38,39, 40 e 41, e as circunstâncias que rodearam a conduta do recorrente, essas dúvidas teriam sempre e necessariamente de aproveitar ao recorrente, por aplicação do princípio in dúbio pro reo.

      20. – Ora, esta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada acarreta uma violação do Princípio do in dubio pro reo.

      21. - Do exposto resulta que, do conjunto da prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, restem dúvidas sobre quando se verificaram alguns dos factos em análise, as circunstâncias que os rodearam, essa dúvida teria sempre e necessariamente de aproveitar ao recorrente, por aplicação do princípio in dúbio pro reo.

      22. – Em suma, e face ao exposto, entende o Recorrente que a Sentença in crise viola o preceituado no art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa e o art. 410º n.º 2 alínea a), do C.P.P.

      NESTES TERMOS: menos pelo alegado do que pelo os Venerandos Desembargadores sabiamente suprirão, como é Vosso mister e apanágio, deve ser dado provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta sentença recorrida na parte que condena o recorrente, pela prática de dois crimes de violência doméstica de que vinha acusado.

    2. O M.P. na primeira instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que [transcrição]: 1. No âmbito dos presentes autos foi o arguido J. P. condenado, além do mais, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a) do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão na pessoa da ofendida C. S., pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, na pessoa da ofendida V. M., pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353.º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.

    3. A factualidade imputada ao arguido encontra-se suficientemente balizada no tempo e no espaço.

    4. Pois existem comportamentos em relação aos quais não é possível (nem exigível) a exacta concretização do dia e da hora.

    5. Sendo que o artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal refere que as concretizações aí previstas devem ser feitas “se possível”.

    6. Assim sendo, a sentença recorrida não violou os princípios do contraditório e do processo equitativo.

    7. Atenta a factualidade dada como provada, mostram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime de violência doméstica nas pessoas da ofendida C. S. e V. M..

    8. A conduta do arguido traduz-se na prolacção de insultos e ameaças às ofendidas (sua ex-mulher e filha, que se encontrava grávida e que com ele residia) e ainda na produção de agressões físicas à ofendida C. S., que se prolongaram no tempo, sendo que a reiteração constitui sempre um elemento relevante para se aferir da gravidade dos “maus tratos”.

    9. A factualidade dada como provada é suficientemente...

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