Acórdão nº 159/19.3T9FAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução05 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 159/19.3T9FAF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Fafe, por sentença proferida a 10.03.2020 e depositada no mesmo dia (fls. 99 a 108 e fls. 110, respetivamente/referências 1676538896 e 167659239, respetivamente), foi decidido: “1) Condenar o arguido H. V., como autor material, e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 155º, nº1 al. a), por referência ao art. 153, nº1 e 131.º do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 900,00 (novecentos euros).

2) Condenar o arguido H. V., como autor material, e na forma consumada, de dois crimes de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, nº1 do Código Penal, na pena, cada um, de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros); 3) Ao abrigo do disposto no art. 77.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal, condeno o arguido H. V., pelos crimes referidos em 1) e 2), na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia total de € 1200,00 (mil e duzentos euros).

4) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P.

5) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido e, consequentemente, condeno H. V. a pagar à demandante civil M. A., a quantia global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa supletiva civil, contados desde a sentença até efectivo e integral pagamento e improcedente na restante quantia peticionada.” ▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido H. V. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 112 a 129/referência 10003822) - transcrição: “1. O arguido/recorrente não pode conformar-se com a douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", porquanto, no seu modesto entender, foi feita uma incorrecta aplicação da Lei; 2. Assim, salvo o devido respeito, que é muito, que a Mm. Juiz que compõe o tribunal aqui recorrido, merece, o recorrente não se pode conformar com a condenação decidida na sentença recorrida, seja na parte criminal seja na parte civil; Dos crimes: 3. Quanto ao crime de ameaça agravada, considerou, erradamente, o tribunal a quo como provado – OS PONTOS 2, 3, 4, 5 e 10 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS – em que sumariamente “o arguido dirigindo-se à assistente e enquanto pontapeava uma porta que também dá acesso à residência daquela, disse-lhe, para além do mais: «hei-de te matar com dois tiros nos cornos»”.

  1. Quanto ao crime de injuria, considerou, erradamente, o tribunal a quo como provado – OS PONTOS 6, 7, 8, 9 e 10 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS – em que sumariamente o arguido proferiu as palavras a saber: no dia 7/09/2018, “bruxa, puta, galinha” e “vai para a puta que te pariu, sua puta, filha da puta”, bem como no dia 16/12/2018, “ela que matou a sua mãe, para ir ao macho, que foi pena não ter morrido ela em vez da mãe”.

  2. Desde logo, os factos provados não têm suporte probatório e que é contrariado pela prova gravada, nos pontos concretos, por referência à ata, que impunha a decisão de não provado.

  3. O depoimento da assistente visa apenas incriminar o arguido com atos que este não praticou, uma vez que há uma má relação de vizinhança por ela não concordar com as obras licenciadas que o arguido realiza na sua casa. Sucede assim que, como não conseguiu os seus intentos com as queixas camarárias, engendrou este processo contra o aqui arguido.

  4. O depoimento das testemunhas de acusação é parcial, combinado e concertado, num discurso totalmente idêntico, conseguindo estranhamente estar todos nos dias e em todos os momentos constantes da acusação.

  5. Desde logo e relativamente aos factos imputados ao arguido do dia 7 de Setembro -crime de ameaça agravada e injurias- o arguido nega os factos e refere que naquele dia, que foi uma sexta-feira à noite, se encontrava a trabalhar, pois trabalha todas as sextas feiras até cerca das 23 horas, o que é corroborado pelas testemunhas por si arroladas, nomeadamente a sua esposa que com ele vive. Havendo assim primeiramente impossibilidade física de estar em dois sítios ao mesmo tempo. Dos factos provados consta que foi em hora concretamente não apurada, no entanto as testemunhas de acusação e a assistente referem que foi por volta das 21 horas 9. O ora recorrente se mostrou cooperante, com um depoimento credível e sólido, evidenciando que efetivamente há uma relação de má-vizinhança, mas que não é por isso que alguma vez praticou atos criminosos, nem nunca pensou em tal, evidenciando que os comportamentos errados são da assistente que não concorda com as suas obras e o que prejudicar.

  6. Relativamente aos demais dias constantes da acusação continua o arguido a negar os factos.

  7. As testemunhas arroladas pelo arguido confirmam que não é postura deste atuar da forma descrita nos autos, achando que é impossível aquilo acontecer. É certo que não estavam presentes e não estavam porque aliás nunca aconteceu. No dia 7, o arguido até estava a trabalhar. Referem essas testemunhas que quem pratica atos criminosos contra o arguido é a aqui assistente… 12. Estes autos são, assim, uma verdadeira cabala contra o arguido.

  8. E as testemunhas H. C. e R. F., vizinhas do arguido, bem como a esposa do arguido não ouviram nada.

  9. Assim pergunta-se o arguido como se poderá o Tribunal a quo crer nesses depoimentos das testemunhas de acusação e valorizá-los.

  10. Aliás, também se denota, e é regra da experiencia comum que se alguém vir uma pessoa a ter um comportamento impróprio reage, não fica apenas parado a ver o que acontece, como aconteceu com todas as testemunhas arroladas pela acusação que dizem ter presenciado os factos.

  11. Ainda, aquelas testemunhas referem ter estado no local a testemunha H. C., mas esta refere não ter visto nada. E, pasmando-nos, o Tribunal a quo não dá credibilidade àquela testemunha. Sendo certo que essa testemunha depôs de forma credível, imparcial, relatando apenas o que sabia, dando-se mais uma vez credibilidade à versão trazida aos autos pelo arguido.

  12. Assim, analisando-se o depoimento das testemunhas, o facto de nessa data e hora, o arguido estar a trabalhar, existindo depoimentos nos autos que demonstram sustentabilidade à versão deste e descredibilizam o depoimento das testemunhas da acusação e, consequentemente, a versão trazida aos autos pela assistente, há que afastar a condenação nestes crimes por subsistir no espírito do julgador dúvida séria sobre as expressões realmente proferidas, ao abrigo do princípio in dúbio pro reo.

  13. Ora, nunca o Tribunal poderia dar o benefício da dúvida em desfavor do arguido, em violação do princípio “in dubio pro reo”. Aliás, baseando-se principalmente em depoimentos parciais, perfeitamente combinados, planeados e concertados.

  14. E, em todo o caso, ao valorizar o depoimento das testemunhas da acusação e desvalorizar toda a prova arrolada pelo arguido, como se os dizeres daqueles sejam todos inatacáveis, o tribunal violou o princípio do “in dubio pro reo” e o art.º 32.º da CRP.

  15. Destarte, analisando-se a prova como um todo o Tribunal teria que não dar o crédito que deu à assistente e testemunhas de acusação, por forma a ficar na dúvida da autoria dos factos pelo arguido, devendo antes beneficiá-lo, por força da presunção de inocência, 21. Assim, analisando-se a prova testemunhal como um todo, bem como o depoimento do arguido, dir-se-á que não podia o arguido ser condenado como foi pelo crime de ameaça agravada e injúrias, como erradamente o foi.

    Sem prescindir, sempre se dirá: 22. Apesar do arguido negar que alguma vez proferiu à assistente a expressão “hei- de te matar”, podem os Venerandos Desembargadores assim não considerar, o que se admite por mera hipótese académica. Mas para além disso, as testemunhas de acusação que alegadamente assistiram ao conflito apenas referem que o arguido terá dito a expressão “Vou-te matar com um tiro nos cornos”. Por isso, certo é que outras considerações temos de relevar quanto ao crime de ameaça agravado.

  16. O crime de ameaça é um crime contra a liberdade pessoal (liberdade de decisão e de ação), que vê na paz jurídica individual uma condição da sua realização.

  17. O conceito de ameaça requer a verificação de três características essenciais: anúncio de um mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.

  18. O mal ameaçado, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial, tem de configurar, em si mesmo, um facto ilícito típico contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor. E tem de ser futuro; não pode, pela sua iminência, confundir-se com uma tentativa de execução do respetivo ato violento. Por último, a concretização futura do mal depende, ou aparece como dependente, da vontade do agente.

  19. O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é objetivo-individual: objetivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das sub-capacidades do ameaçado).

  20. O tipo subjetivo requer o dolo que exige (mas basta-se) com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.

  21. Começando pelas expressões que respeitam à prática de crimes contra a vida ou integridade física “vou...

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