Acórdão nº 501/19.7T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução23 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório X – Comércio de Peças para Automóveis, Lda instaurou, no Juízo Local Cível de Ponte de Lima do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J. F., pedindo a condenação do réu: i) a pagar à autora a quantia global de € 46.601,07; ii) a pagar à autora os juros de mora vincendos, contados à taxa legal comercial, sucessivamente em vigor, até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a respectiva pretensão alegou em resumo que, no exercício da sua actividade comercial, vendeu ao réu, a seu pedido e com destino à actividade comercial deste, diversas peças e acessórios para automóveis, no montante global de € 27.640,95, a que acrescem os respectivos juros de mora, no valor de € 18.960,12, não tendo o réu procedido ao respectivo pagamento.

*Citada, contestou o Réu, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª 33320039).

Invocou a excepção da prescrição presuntiva ínsita no art. 317.º, alínea b), do Código Civil, alegando ter pago integralmente o crédito reclamado pela autora e terem já decorrido mais de dois anos sobre a data dos fornecimentos em questão, mais invocando, por outro lado, a prescrição dos juros igualmente peticionados pela autora.

*Respondeu a autora à matéria de excepção arguida pelo réu, pugnando pela sua improcedência, alegando que actuou o réu no exercício da sua actividade enquanto empresário em nome individual (ref.ª 33445763).

*Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade objetiva e subjetiva da instância; foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª 44396120).

*Procedeu-se a audiência de julgamento (ref.ªs 45149213 e 45802277).

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª 45820587), nos termos da qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

  1. Condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 27.640,95, acrescida dos respectivos juros de mora, contabilizados, à taxa de juro comercial, desde 15.06.2014 e até efectivo e integral pagamento; b) Absolveu o réu do demais peticionado pela autora.

    *Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o Réu (ref.ª 37843152), tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Foi incorrectamente julgado o ponto 21) dos factos provados, mormente, ao considerar ter ficado “ainda em dívida o valor global de €27.640,95 referido em 3), a título de capital”.

    1. A emissão dos documentos denominados “vendas a dinheiro” – que mais não são do que autênticos recibos de quitação – tem inerente o pagamento dos bens neles discriminados, no acto de entrega dos mesmos.

    2. Os denominados “originais” e “duplicados” das “vendas a dinheiro” têm exactamente o mesmo valor: constituem uma declaração de quitação expressa emitida pela Recorrida e entregue ao Recorrente, isto independentemente de qual dos exemplares – “original” ou “duplicado” – fique na posse de cada um.

    3. Uma vez demonstrado que as “vendas a dinheiro” provêm da Recorrida, as declarações de quitação que as mesmas constituem não podem deixar de ser tidas como confissão, com as inerentes consequências, quer no que se refere ao seu valor probatório, quer quanto à valoração da demais prova (ou, melhor dizendo, proibição da sua valoração…).

    4. Perante a declaração confessória inerente à emissão e entrega das “vendas a dinheiro”, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado terem ficado por pagar os valores delas constantes.

    5. Em sede de depoimento de parte, o Recorrido afirmou perentoriamente que todos os materiais que lhe foram entregues pela Recorrida, quando acompanhados de “vendas a dinheiro”, foram por si pagos, no acto de entrega (cfr. minutos 4m44 a 05m04 e 25m03 a 25m33 do seu depoimento) e explicou ainda que, no ano de 2018, porque quis cessar a relação comercial com a Recorrida, foi feita a respectiva conferência de contas, tendo o Recorrente emitido cheques pré-datados, cujo valor global correspondia ao montante em débito que as partes constaram existir naquela data, débito esse não referente a “vendas a dinheiro” emitidas em nome do Recorrente (já que estavam todas pagas), mas às facturas emitidas em nome da sociedade Y, sendo que, com o pagamento desses cheques, ficaram todas as contas liquidadas (cfr. minutos 29m50 a 31m05 do seu depoimento).

    6. O depoimento do Recorrente é ainda corroborado pela testemunha que C. F., trabalhadora da Recorrente que, além do acerto de contas feito no ano de 2018, referiu que todas as contas e pagamentos da empresa passavam e passam por si e que nunca teve conhecimento da existência da alegada dívida aqui reclamada (cfr. minutos 04m27 a 07m34; 01m42 a 2m08; e 02m15 a 2m50 do depoimento da referida testemunha).

      Sem prescindir, acresce que: 8. Perante a manifesta insuficiência de alegação e, em consequência, de prova, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que o Recorrente tivesse ficado a dever à Recorrida o valor de 27.064,95 euros OU qualquer outro valor.

    7. Em 26 e 27 da petição inicial, a A., ora Recorrida, afirma, de forma absolutamente vaga, que, em 2010, existia um débito e, SEM DIZER QUAL O SEU MONTANTE, diz que “ao valor que se encontrava em dívida”: a. Foi abatendo “ALGUNS MONTANTES” resultantes de reparações, revisões e serviços de reboque realizados pelo Recorrente; b. Abateu ainda ao montante em dívida “o valor resultante da devolução, pelo Réu, de materiais que a Autora lhe havia fornecido”, pelo valor do seu fornecimento.

    8. Além de não dizer qual o valor alegadamente em dívida antes dos “abatimentos”, a Recorrida também não concretizou: a. Que reparações, revisões e serviços de reboque foram feitos, quando e qual o valor “abatido” por conta dos mesmos; b. Que materiais foram devolvidos, quais as quantidades e respectivos preços e que valores foram “abatidos” em resultado dessa devolução.

    9. O Tribunal a quo não podia ter considerado suficiente a mera alegação de um juízo conclusivo apresentado pela Recorrida e dar como provado que a diferença resultante de determinada subtração é X ou Y, sem saber qual o valor das parcelas que constituem o aditivo e o subtrativo.

    10. Por tudo quanto se expôs, a matéria constante dos factos provados 19), 20) e 21) deverá ser dada como não provada ou, quando assim não se entenda, ser eliminados dos factos provados os pontos 19), 20) e 21) por se tratar de matéria meramente conclusiva.

    11. Ainda que assim não se entendesse, e ainda que se mantivesse como provada a matéria ínsita em 19) e 20), a mesma não seria suficiente para se concluir existir uma dívida, no valor global de 27.640,95€, nomeadamente pelos fundamentos referidos em 11 14.Em consequência do acima dito, porque tal matéria sai prejudicada, deverão ainda ser dados como não provados os artigos 12), 13), 28) e 29) dos factos provados.

    12. As testemunhas arroladas pela Recorrida – todos trabalhadores desta – embora tivessem ido dizer ao Tribunal que o Recorrente não efectuava, no acto de entrega, o pagamento dos materiais constantes das “vendas a dinheiro”, tentando, assim, dar cobertura à narrativa criada pela Recorrida, quando questionadas, essas mesmas testemunhas revelaram: - Não saber qual o valor que estaria em dívida; - Não saber o valor dos “abatimentos” e em que “conta” foram imputados; - Nunca terem visto qualquer conta corrente do Recorrente, afirmação feita também pela testemunha L. A., que é escriturária da Recorrida, que, além disso, disse pensar que o Recorrido continua a ser cliente da Recorrida na presente data; - Que desconheciam o acerto de contas e os pagamentos feitos no ano de 2018.

      (cfr. min. 08m00 a 08m15 do depoimento da testemunha M. P.; cfr. min.

      04m50 a 05m12; 06m42 a 07m12; 12m40 a 13m15 do depoimento da testemunha Hélder M. L.; cfr. min. 00m08 a 00m32; 04m00 a 05:05; 10m06 a 10m26 do depoimento da testemunha L. A.; cfr. min. 05m22 a 05m48; 06m30 a 07m10 do depoimento da testemunha J. P.) 16.Pelo que, também o depoimento destas testemunhas seria insuficiente para sustentar e fundamentar a decisão da matéria de facto que se deu como provada em 19), 20) e 21) da douta sentença recorrida, nomeadamente quanto a qualquer concreto valor alegadamente em dívida.

    13. A douta sentença violou, nomeadamente, o n.º 5 do artigo 607.º do C.P.C.

      Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, se espera ver provido o presente recurso, tudo para que se faça JUSTIÇA!».

      *Contra-alegou a autora, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 38216168).

      *O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª 46791414).

      *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

      *II. Delimitação do objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(a) recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

      ii) – Da reapreciação da decisão de mérito em resultado da procedência da impugnação da matéria de facto.

      *2.

      Fundamentos 2.1) A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1) A autora exerce a actividade de comércio de peças e acessórios para veículos automóveis, ferramentas e tintas.

      2) No exercício da sua actividade comercial, a autora vendeu ao réu, que comprou, recebeu e aceitou pagar, diversas peças e acessórios para automóveis, a solicitação do próprio.

      3) De...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT