Acórdão nº 4966/19.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução15 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M. S. e marido, M. T..

Recorrido: N. P..

Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Local Cível de Chaves - Juiz 1 N. P., casada, residente na Rua do…, Guimarães, intentou contra M. S. e marido, M. T.

, residentes na Rua …, Guimarães, a presente acção declarativa sob a forma comum de processo visando, pela sua procedência, e a título principal, a condenação dos RR.: - A entregarem-lhe metade do valor das rendas que receberam desde o óbito do pai da R. bem como das que “receberá” na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da respectiva mãe e demais activos que tenha recebido e venha a receber até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver a aludida qualidade de cabeça-de-casal da progenitora, quantificando o valor devido, à data da propositura da acção, em €33.542,60; - A reporem um prédio, que identifica, no estado em que se encontrava antes do derrube da totalidade das ramadas e bardos bem como a pagarem o montante (que relega para incidente de liquidação) relativamente ao lucro que deixou de ser auferido por conta do referido derrube; - A pagarem-lhe a quantia de € 2.000 a título de danos não patrimoniais.

Alternativamente, peticionou a condenação dos RR. no pagamento da quantia necessária quer à reposição de um prédio rústico na situação em que se encontrava antes da realização de determinada intervenção, que descreve, quer no pagamento da quantia necessária à compensação por lucros cessantes, ambas a determinar em sede de incidente de liquidação, e ainda no pagamento de €2.000 a título de danos não patrimoniais.

Alega, para tanto e em síntese, que ela e a R. são as únicas interessadas na herança aberta por óbito dos respectivos progenitores, M. L., falecida em -.07.2014, e M. C., falecido em -.08.2017, tendo sido instaurado processo para partilha de ambas as heranças e sido, no âmbito desse processo, ela, demandante, nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai e a demandada nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da mãe.

Mais alega que 9 dos 18 prédios que integram o património comum do falecido casal encontram-se arrendados, por valores que identifica, recebendo a R., mensalmente, a título de rendas a quantia de €2.580,20, sem que proceda à entrega a ela, demandante, da parte correspondente à administração da herança aberta por óbito do pai.

Aduz ainda que os RR., sem o seu consentimento ou conhecimento, em Julho de 2018 derrubaram todas as ramadas e bardos que ladeavam um determinado prédio rústico, que identifica, tendo transformado o rústico em causa num parque de estacionamento e arrecadando para si os lucros dessa exploração.

Argui ainda que a vinha implantada no prédio em causa ainda produzia, pelo que não só a colocação de novas ramadas e videiras acarretará um gasto como será necessário aguardar cerca de 5 anos para que as novas plantas cheguem a um estado de maturação que lhes permita produzir.

Refere ainda que toda esta factualidade a faz sentir-se humilhada e enxovalhada, desgostosa e triste, acarretando-lhe incómodos, preocupações e canseiras.

Regularmente citados, contestaram os RR., excepcionando quer a impropriedade do meio processual, quer a ineptidão da petição inicial, quer a ilegitimidade activa da A., quer a ilegitimidade passiva do R. marido, quer a litispendência, ante a pendência de acção de prestação de contas que identifica. No mais, ainda que reconhecendo que o acervo hereditário dos falecidos pais é composto pelos 18 imóveis identificados na p.i., impugnou genericamente a factualidade aduzida quanto à recepção das rendas e especificadamente a invocada quanto à intervenção no prédio rústico.

Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se fixou o valor da causa, se indeferiram as excepcionadas impropriedades do meio processual, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade activa da A. e litispendência, se julgou verificada a espionada ilegitimidade passiva do R. marido somente quanto a dois dos pedidos formulados, se identificou o objecto da acção e se enumeraram os temas da prova, que não foram objecto de reclamação.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, que decorreu com observância das legais formalidades, como consta da respectiva acta, tendo em tal sede a A. desistido dos pedidos formulados, com excepção do da entrega de metade do valor das rendas recebidas desde o óbito do pai da R. bem como das que “receberá” na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da respectiva mãe e demais activos que tenha recebido e venha a receber até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver a aludida qualidade de cabeça-de-casal da progenitora.

Foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar a presente acção nos seguintes termos: Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e como tal condena a R. a entregar à A., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de M. C., metade do valor das rendas que recebeu a partir de 08.03.2018 pela administração do património imobiliário identificado supra em 1.1.c) (por ser cabeça-de-casal da herança de M. L.) – e que à data da instauração da presente acção ascendia a €22.906,80 (vinte e dois mil, novecentos e seis euros e oitenta cêntimos) bem como metade do valor das rendas que entretanto recebeu bem como as que receberá no âmbito da administração desse património até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver o cargo de cabeça-de-casal da herança de M. L. e enquanto for cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de M. C. a aqui A.

Inconformado com tal decisão, apelam os Autores, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões: 1º - Na presente acção – que se reconduz processualmente a uma exigência de prestação de contas de cabeça de casal – a Autora N. P., demandou a Ré M. S. pedindo a condenação desta a, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito da mãe de ambas, M. L., lhe entregar, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do pai, M. C., metade das rendas pela Ré recebidas desde o óbito do pai até ao termo do cabeçalato da Ré.

  1. - A sentença recorrida condenou a Ré a entregar à Autora “na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. C., metade do valor das rendas que recebeu a partir de 08.03.2018 pela administração do património imobiliário (…) por ser cabeça de casal da herança de M. L. – e que há data da instauração da presente acção ascendia a euros 22.906,80 (…) bem como metade do valor das rendas que entretanto recebeu, bem como das que receberá no âmbito da administração desse património, até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver o cargo de cabeça de casal da herança de M. L. e enquanto for cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. C. a aqui Autora”, decisão que a Ré reputa de absolutamente ilegal, por mais do que uma razão.

  2. - Com efeito, regendo-se a matéria do ponto de vista do direito material pelo disposto nos artigos 2079º, 2092º e 2093º do Código Civil, e do ponto de vista do direito processual pelo disposto nos artigos 941º e seguintes do Código do Processo Civil, e cabendo a cada uma das heranças o direito a receber metade do saldo a apurar entre rendimentos e despesas, deduzido de um provisão para cobrir os encargos do ano imediato, a herança aberta por óbito de M. C., representada pela Autora, só tem o direito de exigir à Ré metade do saldo que se apurar, contando receitas e despesas, deduzido ano a ano do valor de uma provisão correspondente à quantia necessária para encobrir os encargos do novo ano.

  3. - Na verdade, ainda que se considerasse devido metade do valor global das receitas, ou até, como seria correcto metade do saldo das receitas e despesas, era ainda necessário, sob pena de violação da lei, deduzir a qualquer desses saldos, como provisão, o valor estimado das despesas previstas para o ano imediato (artigo 2093º n.º 3 do Código Civil), tudo porque a cada interessado no saldo assim achado só podia ser atribuído “até metade dos rendimentos que lhe caibam” (artigo 2092º do Código Civil); 5º - De resto, em 31/08/2017, faleceu M. C., de quem a Autora e a Ré foram as únicas e universais herdeiras, e, mercê desse óbito, foi instaurado inventário, em cúmulo e para partilhas dos mesmos bens com outro inventário já então pendente por óbito de M. L., tendo este como cabeça de casal a ré M. S. e aquele como cabeça de casal a autora N. P. (proc. n.º 5059/16 da notária P. S.) – o que significa que a presente instância devia ter sido julgada extinta por impossibilidade, atento que ocorria uma situação de duplo cabeçalato, que implica que ambas as partes sejam simultaneamente credoras e devedoras da mesma obrigação (cfr. o Acórdão do STJ de 29.11.2005, Proc. 05B 334, disponível em dgsi.net e na Colectânea de Jurisprudência de STJ 2005, 3, pag. 149, bem como o Acórdão da Relação de Coimbra de 02.06.2006, Proc.91/14.78SE 1.C1, disponível em www.dgsi.net , de que foi relator Barateiro Martins e que decidiu que “não podem exigir uns dos outros prestação de contas” ( os irmãos) “nas heranças de seus pais por serem devedores e credores da mesma obrigação”.

  4. - Por último, nunca a Ré podia ser condenada nas custas da acção, mesmo que apenas em parte como foi, porque a Autora exerceu um direito potestativo (artigo 535º , n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil) e por isso as custas são inteiramente da sua responsabilidade, porque a Autora foi quem deu causa a acção porque não alega sequer ter exigido à Ré extrajudicialmente quaisquer importâncias, e porque, ainda que a Ré devesse ser condenada em custas, não podia ter sido condenada em mais do que ¼ (foi demandada a Ré e seu marido, tendo este sido totalmente absolvido do pedido, o que implicava, só...

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