Acórdão nº 619/18.3T8FAF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução15 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório A. R.

e esposa M. C.

, residentes na Rua …, n.º …, Fafe intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra M. F.

, residente na Rua ..., n.º …, Fafe, pedindo seja a Ré condenada a: A.

Reconhecer o direito de propriedade (raiz) dos Autores sobre o prédio identificado em 1; B.

Restituir aos Autores a parcela de terreno de que se apropriou bem como a proceder à reconstrução do muro, recolocar a rede, grades e portão como antes ali existiam e C.

Pagar aos Autores uma indemnização pelos danos causados, em montante que vier a ser fixado em execução de sentença.

Alegam, para tanto e em síntese, que são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, com a área total de 2.386 m2, constituído por casa de habitação de rés-do-chão, com terreno de logradouro, sito na Rua ..., n.º ..., ..., Fafe, o qual lhes foi doado em 21/08/2015, com reserva de usufruto a favor da doadora.

Mais alegam que por si e antepossuidores há mais de 20/30 anos usam o dito prédio, de forma contínua, com o conhecimento de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente da Ré e que o seu prédio se encontrava totalmente delimitado dos terrenos confinantes pois tinha muro de todos os lados, encimado com grades em ferro na frente para a Rua e rede de arame nas outras confrontações, mantendo-se inalterada a configuração do prédio, sem a oposição de quem quer que seja, nos últimos 15, 20 anos.

Alegam ainda que este seu prédio confronta a poente com um terreno inculto de que a Ré se arroga proprietária e esta, desde há alguns meses a esta parte, começou a propalar que o mesmo se prolongava para dentro do prédio dos Autores, tendo depois, invadido o prédio dos Autores e ocupado uma faixa de terreno do logradouro, com cerca de 130 m2, tendo construído um muro novo no interior do prédio dos Autores e pretendendo que este constitua o limite do logradouro.

Que, para tal, a Ré ordenou e procedeu à remoção de um portão e das grades em ferro que encimavam o muro de vedação frente à Rua, numa extensão de cerca de 9 metros; procedeu à remoção da rede de vedação que encimava o muro na confrontação com o terreno inculto, numa extensão de cerca de 24 metros, demoliu o muro de vedação de blocos de cimento, na confrontação poente do prédio dos Autores, com cerca de 24 metros de extensão e 1 metro de altura e construiu um muro novo no interior do logradouro do prédio dos Autores, pretendendo com tal muro deslocar a linha divisória das propriedades cerca de 9 metros para nascente, procedeu à retirada de árvores de fruto, arbustos e de candeeiros de jardim existentes na parcela de terreno de que se apropriou, procedeu ao revolvimento da terra da parcela de terreno que ocupou, de modo a que esta tenha o mesmo aspecto do seu terreno inculto. Por fim, alegam os autores que se sentem ameaçados e muito constrangidos com a espoliação de que foram vítimas.

A Ré contestou, afirmando que a faixa de terreno que ocupou sempre lhe pertenceu, tendo apenas permitido à ora usufrutuária do prédio dos Autores, na altura proprietária, que ocupasse a dita parcela, visto que tinham boas relações de família e foi-lhes dito que a casa seria deixada em testamento aos seus filhos; e que, tendo a usufrutuária doado o prédio aos Autores, não o deixando, portanto, aos seus filhos, decidiu recuperar a dita parcela.

Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, bem como o despacho que definiu o objecto do litígio e fixou os temas de prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Em conformidade com o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, declaro os autores proprietários (da raiz) do prédio descrito em 1.1. da matéria de facto dada como provada, no qual se inclui a parcela identificada em 1.13., determinando-se ainda que a Ré proceda à restituição desta aos autores.

Mais se determina que a Ré proceda à reconstrução do muro demolido, à colocação da respectiva rede, grades e portão, nos termos em que antes ali existiam.

Relega-se para liquidação de sentença o apuramento do concreto valor dos prejuízos causados pela retirada de árvores de fruto, arbustos e de candeeiros de jardim existentes na parcela de terreno supra referida.

No mais, improcede a acção.

*As custas da acção correm a cargo de autores e ré, na proporção de 1/5 para os primeiros e 4/5 para a segunda.

Registe e notifique.” Inconformados, os Autores vieram interpor recurso da sentença, tendo sido proferida Decisão Singular nesta Relação em 19/12/2019 determinando, ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 662º do Código de Processo Civil, a anulação da sentença e repetição do julgamento com vista à ampliação da matéria de facto relativamente aos seguintes factos: “1. A doadora / usufrutuária do prédio melhor identificado no artigo 1.º da Petição Inicial, dona de uma parcela de terreno que confronta do lado poente com um prédio rústico do aludido irmão da aqui Ré, construiu aí uma casa e mais tarde quis vedar o seu espaço? 2. E para não seguir os seus limites, quis e procedeu ao alinhamento do terreno ocupando uma parcela de terreno do falecido irmão e da cunhada, a aqui Ré, com a largura de sensivelmente 6 metros e comprimento de 20 metros? 3. Mas bem sabendo que esse terreno não era sua propriedade e nem estava na sua posse, atendendo ao bom relacionamento existente entre os irmãos e cunhadas, a ré e seu falecido marido toleraram que ocupasse a dita parcela de terreno do seu prédio; 4. Sob a condição da casa, com o terreno da Ré e de seu falecido marido integrado, ficar em testamento para este ou para os seus filhos? 5. Tendo a Ré conhecimento dessa doação, reclamou a parcela de terreno, que é sua propriedade e que deixou aquela ocupar nas aludidas condições? 6. A usufrutuária reconhece e sempre reconheceu que de facto ocupava a dita parcela de terreno referidas condições?” Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Em conformidade com o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, declaro os autores proprietários (da raiz) do prédio descrito em 1.1. da matéria de facto dada como provada, no qual se inclui a parcela identificada em 1.13., determinando-se ainda que a Ré proceda à restituição desta aos autores.

Mais se determina que a Ré proceda à reconstrução do muro demolido, à colocação da respectiva rede, grades e portão, nos termos em que antes ali existiam.

Relega-se para liquidação de sentença o apuramento do concreto valor dos prejuízos causados pela retirada de árvores de fruto, arbustos e de candeeiros de jardim existentes na parcela de terreno supra referida.

No mais, improcede a acção.

*As custas da acção correm a cargo de autores e ré, na proporção de 1/5 para os primeiros e 4/5 para a segunda.

Registe e notifique”.

Inconformados, os Autores vieram interpor recurso da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 28/10/2020 2. Com recurso à reapreciação da prova gravada, a Recorrente impugna a decisão da matéria de facto dos pontos 1.4, 1.8, 1.10, 1.13, 1.14 dos factos julgados provados, e dos pontos 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6 dos factos julgados não provados.

3. Os meios de prova infra descriminados demandam que, sobre aqueles factos, seja proferida a seguinte decisão: 1.4 – Não provado.

1.8 – Não provado.

1.10 – PROVADO APENAS QUE em data não concretamente apurada, a Ré construiu um muro; 1.13 – PROVADO APENAS QUE a Ré demoliu um muro de vedação de blocos de cimento; 1.14 – Não provado.

2.3 – PROVADO QUE a doadora / usufrutuária bem sabia que a parcela de terreno descrita em 1.17 não era sua propriedade e nem estava na sua posse, posto que, atendendo ao bom relacionamento existente entre os irmãos e cunhadas, a Ré e seu falecido marido toleraram que ocupasse a dita parcela de terreno do seu prédio; 2.4. PROVADO QUE o falecido marido da Ré tolerou a ocupação na condição de a doadora / usufrutuária lhe deixar o prédio descrito em 1.1 em testamento, ou para os seus filhos; 2.5 – PROVADO QUE tendo a Ré conhecimento da doação descrita em 1.3, reclamou a parcela de terreno, que é sua propriedade; 2.6 – PROVADO QUE a doadora / usufrutuária reconhece e sempre reconheceu que de facto ocupava a dita parcela de terreno nos termos supra descritos em 2.3 e 2.4.

4. Há discrepância entre o julgado provado e o vertido na motivação da decisão da matéria de facto: a. Julga-se provado no ponto 1.14 que a Recorrente se apoderou dos objecto ali descrito, porém, de acordo com a motivação da decisão da matéria de facto, as testemunhas arroladas pelos AA. apenas descreveram que a Ré retirou as coisas que existiam na dita parcela de terreno, nada tendo dito sobre o facto de aquela se ter apropriado das mesmas ou sobre o local onde elas se encontram actualmente.

  1. Julga-se provado no ponto 1.13 que a Ré pretendeu “deslocar a linha divisória das propriedades cerca de 6 metros para nascente”, porém, de acordo com a motivação da decisão da matéria de facto, as testemunhas inquiridas mencionaram “valores” tão dispares como 4, 5 e 6 metros, sendo certo que não foi realizada perícia e nem inspecção judicial, não dispondo o Tribunal a quo de quaisquer outros meios de prova que permitem, com a necessária segurança, concluir por uma eventual ocupação superior a 4 metros de largura; 5. A prova judicial deve ser unívoca (e não equivoca), sendo que a mera possibilidade do contrário torna a prova insuficiente, como nos dá conta, além do mais, o disposto no artigo 346.º do Código Civil; 6. São patentes as contradições e imprecisões detectadas na prova testemunhal produzida pelos AA.: a. » F. G. afirmando não saber há quanto tempo está vedado o prédio que hoje é dos AA., apesar de viver no local há cerca...

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