Acórdão nº 5314/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES *RELATÓRIO*Autores/apelantes: H. F. e L. F. (menor, representada por A. J. e M. J.).

Ré/apelada: X - Companhia de Seguros, SA.

Juízo central cível de Braga (lugar de provimento de Juiz 5) – Tribunal Judicial da Comarca de Braga.

*Intentaram os autores (a autora L. F., porque menor, representada pelos seus avós maternos, aos quais incumbe o exercício das responsabilidades parentais concernentes aos actos da vida corrente e bem assim os de maior relevo) a presente acção pedindo a condenação da ré a pagar ao Banco ..., SA, beneficiário de apólice de seguro de ramo vida, quantia por este mutuada e ainda em dívida, até ao montante de 86.126,56€ (oitenta e seis mil cento e vinte e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida dos respectivos juros legais desde a interpelação extrajudicial.

Alegaram como fundamento da pretensão que na constância do respectivo matrimónio, M. M. e A. P., seus progenitores, celebraram um contrato de mútuo com o Banco ..., SA, no valor de 86.126,56€, subscrevendo um contrato de seguro do ramo vida, para assegurar o pagamento do mútuo contraído, mediante o qual transferiram para a ré seguradora a responsabilidade de pagamento da quantia mutuada, em caso de morte ou invalidez de algum deles. Porque a A. P. – continuam os autores alegando – faleceu no dia 6/03/2019, vítima de homicídio cometido pelo M. M., ocorreu o risco coberto, recusando-se a ré a assumir a sua responsabilidade perante o beneficiário do seguro contratado, sustentando a exclusão do risco com fundamento em previsão do contrato de seguro (que estabelece não garantir a seguradora o risco caso o falecimento da pessoa seja devido a facto intencional do tomador, da pessoa segura ou do beneficiário) e, ainda, no disposto no n.º 1 do artigo 458º, do Código Comercial (que estatui que o segurador não é obrigado a pagar a quantia segura se o segurado for morto pelos seus herdeiros).

Contestou a ré, concluindo pela improcedência da acção, refutando a responsabilidade baseando-se em exclusão prevista no contrato de seguro celebrado com os progenitores dos autores, atenta cláusula que estipulava não garantir a ré o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento da pessoa segura se ficasse da dever a facto intencional do tomador do seguro, da pessoa segura ou do beneficiário (como aconteceu, já que a morte da progenitora dos autores, pessoa segura, se ficou a dever a acto intencional do progenitor dos autores, tomador do seguro).

Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Não conformados, apelam os autores em vista da revogação da sentença e sua substituição por decisão que condene a ré a pagar ao beneficiário do seguro a quantia peticionada, terminando as alegações pela formulação das seguintes conclusões (que se transcrevem): 1- Os Autores/recorrentes interpuseram o presente Recurso de Apelação, por não concordarem com a douta sentença, proferida no passado dia 25/02/2021, nos autos à margem melhor id., a qual absolveu a Ré “X – Companhia de Seguros, SA”, do pedido, tendo tal ação sido julgada improcedente.

2- Na verdade, os recorrentes entendem que a Ré deveria ter sido condenada nos pedidos apresentados, na citada Ação Ordinária, objeto do presente recurso, na medida em que a doutrina e a jurisprudência maioritária, no nosso ordenamento jurídico, considera que, no caso dos autos, o seguro contratado entre o arguido M. M.

e sua esposa, a falecida A. P.

, é um Contrato de Seguro de Adesão, e não apenas um seguro individual, porquanto no ato de celebração do aludido contrato de mútuo, aqueles dois mutuários (1ºs. Segurados) se limitaram a aderir (contrato de adesão) e a assinar um contrato de seguro já preenchido e pré-contratualizado, entre a Ré Seguradora e o Banco ... SA (Beneficiário), contrato que, só mais tarde, aderiram os aqui Autores como segundos segurados.

3- No contrato de seguro de adesão, o qual se destina a garantir o pagamento de crédito à habitação, concedido por um banco no âmbito de um contrato de mútuo a ele associado, sendo o beneficiário de tal contrato o conglomerado financeiro Banco/seguradora, deve considerar-se terceiro face ao mesmo, o segurado que a ele adere.

4- O homicídio doloso da segurada às mãos do seu marido e herdeiro não exclui o risco nem desvincula a Seguradora face ao Beneficiário e aos demais herdeiros que nele não tiveram qualquer participação.

5- De qualquer modo, mesmo assumindo que o contrato de seguro não é um contrato de adesão (embora o mesmo tenha sido classificado, na douta fundamentação da sentença/recorrida, como um contrato de adesão) como seguro sobre a vida de terceiro, a Seguradora nunca ficaria desobrigada da entrega do capital seguro ao respetivo beneficiário, por efeito do disposto no artigo 458º, § único do Código Comercial e do disposto no artigo 46.º, n.º 1, do RJCS, aprovado pelo Dec-Lei n.º 72/2008, de 16.04.

6- Na conformidade do exposto, entendem os Autores/recorrentes, salvo o devido respeito por opinião contrária e que é muito, que o M.º Juiz, ao entender – na matéria de facto provada - que o contrato de seguro objeto dos presentes autos se tratava de um contrato de seguro do ramo vida, celebrado entre a Ré e os restantes contraentes, não se tendo pronunciado sobre as consequências jurídicas do facto de tal contrato ser também um contrato de adesão (que reconheceu na fundamentação da sentença/recorrida, incorreu numa omissão de pronúncia.

7- E, incorreu numa omissão de pronúncia, na medida em que – quer do teor dos factos dados como provados e/ou não provados, quer da douta fundamentação constante da sentença/recorrida –, não resulta que tal questão de direito tenha sido devidamente abordada, discutida e analisada, de forma a que os Autores pudessem entender qual o raciocínio, os fundamentos e as razões em que se baseou, aquele ilustre magistrado, para dar como provado que se estava apenas perante um seguro do ramo vida e não perante um contrato de seguro de adesão, situação que implicou que o M.º Juiz não tenha extraído e/ou analisado as necessárias consequências jurídicas em face da legislação aplicável a tais contratos.

8- Não se podendo olvidar que o aludido contrato de seguro é um documento autêntico, sendo certo que os documentos particulares gozam de força probatória plena, nos termos do disposto no artigo 376º, do Código Civil, situação que impunha que tal análise jurídica tivesse sido efetuada na douta sentença/recorrida e constasse da fundamentação dos factos dados como provados, o que não foi feito, como já se referiu e alegou anteriormente.

9- Por fim, cumpre referir que, a douta sentença/recorrida desconsiderou tal situação relativa à análise e classificação jurídica do referido contrato, como sendo um contrato de adesão, não se pronunciando sobre tal questão, apesar de bem saber que a classificação do aludido contrato de seguro poderia (e pode), eventualmente, alterar a decisão final proferida na douta sentença/recorrida, por força da legislação aplicável a tais contratos, situação que para além de configurar uma omissão de pronúncia, configura, ainda, a violação, por erro de interpretação, das disposições combinadas dos artigos 374°, n.º 1 e 376º, nºs 1 e 2 do Código Civil e os n.ºs 4 e 5 do artigo 607º, do Código de Processo Civil (2.ªparte).

10- Pelo exposto, impõe-se a modificação da matéria de facto, dada como provada no Ponto n.º 3, da douta sentença/recorrida, em conformidade com o anteriormente alegado, mormente dando como provado que estamos perante um contrato de seguro de adesão, na medida em que, quer o contrato de mútuo, quer o contrato de seguro, foi celebrado, numa primeira fase, apenas e exclusivamente, entre a Ré e o Banco beneficiário do seguro, tendo os primeiros segurados se limitado a aderir a tal contrato já preenchido, aderindo posteriormente, a tal contrato, os segundos segurados, conforme se verifica da análise dos Anexos 1 e 2 daquele contrato, tendo, assim, sido violado o disposto nos artigos 374º, n.º 1 e 376º, nºs 1 e 2 do Código Civil, para além de terem sido violados, ainda, os n.ºs 4 e 5 do artigo 607º, do Código de Processo Civil (2.ªparte).

11- O M.º Juiz do Tribunal a quo, entendeu, ainda, na sua douta sentença, que por força do estabelecido na cláusula n.º 1.7 – 1.7.1 – 1.7.1.1, do aludido contrato de seguro, que a Ré estava desobrigada do pagamento da quantia segura ao banco beneficiário.

12- Salvo o devido respeito por opinião contrária, que é muito, os Autores/recorrentes, não aceitam, nem concordam com tal decisão, pelas razões e motivos que se passam a descriminar de seguida.

13- Segundo o clausulado constante no contrato de seguro objecto dos presentes autos, como seu beneficiário terá de entender-se a pessoa ou a entidade a favor da qual é celebrado o contrato, isto é, e como se viu acima, o Banco credor do mútuo hipotecário – in casu o Banco ..., SA, que nada teve a ver com o referido homicídio, não sendo, assim, pelo aludido clausulado que se justificará tal exclusão.

14- Mais fundamentou o M.º Juiz que, mesmo que assim se não entendesse, sempre a desobrigação da seguradora, encontraria fundamento legal no artigo 46.º, n.º 1, do RJCS, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16.04 e/ou no nº 1 do artigo 458º do Código Comercial, onde se prescreve que o segurador não é obrigado a pagar a quantia segura se o segurado foi morto pelos seus herdeiros, norma que, segundo a douta sentença/recorrida teria o sentido e alcance de ser oponível ao próprio beneficiário do contrato e aos herdeiros que não tiveram qualquer participação naquela morte.

15- Na sua completa redação estatui-se naquele artigo 458º, do Código Comercial, o seguinte: “O segurador não é obrigado a pagar a quantia segura: 1.º Se a morte da pessoa cuja vida se segurou, é resultado de duelo, condenação judicial, suicídio voluntário, crime ou delito cometido pelo segurado, ou se este foi morto pelos seus herdeiros...

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