Acórdão nº 37/16.8T8VRM.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES Autor e Apelado: A. C.

, NIF ………, divorciado, reformado, residente na Rua …, em Vila Nova da Telha, na Maia Ré e Apelante: M. P.

, NIF ………, divorciada, residente na Rua …, na Póvoa de Varzim Autos de: apelação em ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum I - Relatório O Autor, na petição inicial, apresentou o seguinte petitório: “- que se condene a Ré a reconhecer que o prédio denominado “Sorte de ... e ...”, sito no Lugar ..., na freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, descrito na Conservatória de Registo ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana ....º (à data da escritura omisso à matriz), foi adquirido apenas pelo Autor e a expensas apenas do Autor, e que o Autor construiu a habitação no dito prédio a expensas exclusivamente suas, e, que o prédio identificado é da exclusiva propriedade do Autor; - que se ordene e notifique para que a Conservatória de Registo ... corrija o registo do prédio descrito na Conservatória de Registo ... sob o n.º ..., o qual foi adquirido apenas pelo Autor, e cuja propriedade é apenas sua; Subsidiariamente, e para o caso do anterior pedido improceder, que: - se condene a Ré a reconhecer o direito do Autor a adquirir a propriedade do terreno ocupado – in casu, a parte da Ré -, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, nos termos e para os efeitos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil.” Alegou, para tanto e em síntese, que: -- Autor e Ré foram casados segundo o regime da separação de bens; -- em 28 de abril de 2001, o Autor celebrou um contrato promessa de compra e venda do imóvel em litígio e, em 4 de maio de 2001, o contrato definitivo de compra e venda, tendo pago o sinal com dinheiro que transferiu de conta sua nos Estados Unidos da América. O mesmo sucedeu com o valor pago na data da outorga da escritura.

-- o autor mandou construir uma moradia no imóvel pelo preço total de € 92.500,00, que pagou a expensas suas.

-- a Ré nunca contribuiu para a economia do casal, para a aquisição do terreno, nem para a construção da referida moradia.

A Recorrida apresentou contestação, defendendo, em súmula, que se verificava a exceção dilatória da litispendência, visto correr a ação especial de divisão de coisa comum do imóvel destes autos. Mais invocou que, quer o contrato promessa, quer a escritura definitiva, foram por si assinadas, pelo que, concluído o negócio, a propriedade ficou em comum, ao que acresce ter subscrito os cheques para pagamento do imóvel. O Autor doou à Ré metade de todo o investimento; colocar em causa o que foi executado ao longo de quase quinze anos, só porque se divorciou da Ré, traduz-se em abuso de direito.

*Foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou a Ré a reconhecer que o prédio foi adquirido apenas pelo autor e a expensas dele, que o autor construiu a habitação no dito prédio a expensas exclusivamente suas, e, que o prédio identificado é da exclusiva propriedade do autor, ordenando que a Conservatória de Registo ... proceda à correção da descrição predial n.º ..., para que daí passe a constar que o prédio foi adquirido apenas pelo autor, e cuja propriedade é apenas sua.

A Ré apelou, apresentando as seguintes conclusões: “I - Não se podem dar como provados factos sobre os quais não há quaisquer depoimentos ou documento, tal como os que constam dos itens 3, 4, 5 e 6, que devem ser alterados para não provados.

II- Tem de ser eliminado o item 14, que é matéria conclusiva.

III - A confissão de dívida não está assinada por ninguém, pelo que deve ser dada como não provado os itens 18 e 19.

IV - Quanto aos itens 21, 22 e 23, suposta venda de 1 terreno e respetivo valor só se podia provar com a respetiva escritura de compra e venda.

V - No item 4, só pode ser dado como provado que o A. passou 1 cheque a J. L..

VI - Outrossim, por manifesta falta de documento, também não podem ser dados como provados os itens 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31, para além de que o item 28 contém matéria conclusiva.

VII - Por outro lado, devem ser dados como provados os itens 10 e 11 dos factos não provados, pois no artº 21 da Contestação a Ré alegou que foi ela que emitiu e preencheu os cheques da promessa de compra e venda do terreno e na resposta à Contestação, isso não foi negado pelo A..

VIII - Também alegou a Ré no item 26 da Contestação que os recibos que constituem o doc. nº 11 da P,, foram elaborados por ela, facto que o A. não contestou.

IX - O que em consequência determina que os itens 7 e 12 devem ser levados aos factos provados.

X - Na ação de divisão de coisa comum, nunca pode a Sentença basear-se em prova documental ou em documentos que não constam do contrato promessa ou da escritura de compra e venda.

XI - Se A. e Ré intervieram como adquirentes na escritura de compra e venda, tinha de ser impugnada eficazmente as declarações constantes dessa escritura, e, mesmo o facto de um ter pago mais que o outro, não é suficiente para infirmar que são comproprietários em partes iguais.

XII - A presunção de igualdade de quotas a que alude o artº 1403 nº2 do C.C. não se reconduz ao regime legal das presunções propriamente ditas não lhe sendo aplicável o nº 2 do artº 350 do C.C. e não havendo lugar à ponderação de prova em contrário, para além do que decorre do título constitutivo.

XIII - A parte beneficiada com a presunção não tem o ónus de provar o facto base, pois a Lei considera verificado o facto presumido, cabendo à contraparte a prova do contrário sendo denominadas "verdades interiores".

XIV - A presunção de igualdade de quotas, só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título constitutivo e não por elementos exteriores, sendo inadmissível a prova testemunhal para o efeito.

XV - A atribuição e contribuição para o pagamento do bem, fixa-se no momento da sua aquisição, independentemente das diferentes contribuições dos comproprietários para o pagamento do preço respetivo.

XVI - Existe abuso de direito, quando um casal, mesmo casado em regime de separação de bens, assina um contrato promessa e depois a escritura de aquisição do imóvel, com recurso a conta bancária solidária e não foi feita qualquer menção na escritura em sentido contrário e só depois do divórcio vem defender que só o marido contribuiu para a aquisição, frustrando as legitimas expectativas do outro cônjuge.

XVII - Se da escritura não constam qualquer repartição do esforço na aquisição do imóvel, não se pode recorrer a elemento exterior do título, para afirmar o contrário.

XVIII - A Lei que regula a compropriedade, estabelece um regime subsidiário do da comunhão e não o contrário, pelo que, não pode falar de qualquer contribuição por património próprio de um contra o do outro.” O autor respondeu, pugnando pela manutenção do decidido, apresentando as seguintes conclusões: “ 1. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que, como se demonstrou, as alegações da Apelante estão desprovidas de fundamento, que mais não pretendeu do que arrastar o desfecho da lide; 2. Na verdade, não existiu qualquer violação dos meios de prova; assim sendo, o Douto Tribunal deu como provados factos que estavam acompanhados quer de prova documental, quer de prova testemunhal bastante; 3. O facto de o Apelado ter dois filhos de outro matrimónio, era do conhecimento da Apelante, razão pela qual esta nunca impugnou tal facto na Contestação; 4. Sem embargo, na ação em causa, tendo em conta a causa de pedir e o objeto do próprio processo, não se vislumbra necessária a prova documental da existência dos dois filhos, uma vez que não se trata de um facto essencial nuclear que careça dessa prova documental; 5. Por outro lado, logrou-se ainda demonstrar, através de prova documental e testemunhal, que foi o Apelado quem comprou o prédio objeto da causa; 6. Assim como foi o Apelado quem construiu a dita moradia a expensas exclusivamente suas; 7. Em nenhum momento a Apelante fez prova de algum contributo para a aquisição do terreno ou sequer para a construção da dita moradia; 8. A Apelante não tinha condições económico-financeiras para contribuir para a compra do terreno objecto da causa, e muito menos para a construção da moradia no mesmo; 9. O facto de a conta, onde todas as transações se realizaram, pertencer, em regime solidário, à Apelante e ao Apelado, não faz dela proprietária das quantias que nela foram depositadas, pois tais valores foram depositados só pelo Apelado e apenas a este pertenciam; 10. Apesar de ausência da menção, no acto do registo, ‘’a quem pertencia o dinheiro’’ ou ‘’com que parte contribuiu cada um dos estipulados como proprietários’’, apresentada prova em contrário, como foi o caso, de que só o Apelado contribui para a compra do prédio rústico e para a construção da moradia no mesmo, a presunção foi ilidida, pelo que tal menção acaba por se dispensada.” II - Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem ou contendem com as demais questões: 1--- se deve proceder a impugnação da matéria de facto e por via desta a aplicação do Direito; 2- Se, face ao teor da escritura de compra e venda de um imóvel, em que figuram duas pessoas como comproprietárias, pode uma delas, demonstrando ter sido a única a custear o preço, passar a ser o seu proprietário exclusivo.

3-Se se verificam os pressupostos da acessão imobiliária industrial.

III - Fundamentação de...

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