Acórdão nº 5221/20.7T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | ANIZABEL SOUSA PEREIRA |
Data da Resolução | 07 de Outubro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório: 1. A. O., divorciado, residente na Rua …, n.º …, … e … (… e …), Braga, intentou contra P. C. e P. O., ambos divorciados e ambos residentes na Rua …, n.º ..., …, Guimarães, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum de processo, peticionando, pela sua procedência, fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento que alega ter celebrado com a 1.ª R., com consequente condenação dos demandados quer na desocupação do locado, entregando-o livre de pessoas e bens, com exceção dos móveis dados em aluguer, quer no pagamento, a seu favor, da quantia de €2.100, a título de rendas vencidas e não pagas no período compreendido entre Junho e Novembro de 2020, e ainda nas vincendas até efetiva entrega do arrendado.
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Os RR. foram citados para a presente ação no dia 02.12.2020, encontrando-se aposto o nome "A. O." no AR relativo à citação; (cfr. fls. 29 e 30).
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Com data de 17.12.2020 foi expedida notificação a ambos os RR. dando-lhes conhecimento de que ao prazo de contestação acrescia uma dilação de 5 dias; (cfr, fls. 31 e 32).
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No dia 19.01.2021 os RR. apresentaram junto dos serviços do ISS pedido de concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação a patrono (cfr. fls. 58ss).
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Foi remetido da conta de correio eletrónico …..@gmail.com para o endereço de correio eletrónico guimarães.judicial@tribunais.org.pt, no dia 19.01.2021, comunicação solicitando "a suspensão do prazo de defesa, já que pedimos apoio jurídico para termos advogado e pagamento das despesas do processo"; (cfr. fls. 42).
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O endereço de correio eletrónico do tribunal é guimaraes.judicial@tribunais.org.pt: 7. A comunicação mencionada em 5. não foi rececionada na conta referida em 6. (cfr. fls. 54).
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Em 01.03.2021 foi proferido o seguinte despacho "Não tendo a presente ação sido contestada notifique o A. nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567.°/2 CPC", tendo o autor nessa sequência apresentado alegações escritas.
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Por decisão datada de 15.03.2021, foi proferida sentença julgando a ação procedente por provada.
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Vieram os RR. reclamar de nulidade porquanto, em síntese, terão solicitado junto dos serviços do ISS, ainda na pendência do prazo de contestação, a concessão do beneficio de apoio judiciário e efetuado essa comunicação ao tribunal, pelo que nos termos do disposto no art. 24.°/4 LAJ, o prazo em curso interrompeu-se, sendo indevida a prolação de sentença.
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Após terem sido colhidas oficiosamente informações, foi proferido despacho em 06.05.2021 nos termos do qual, em síntese, foi indeferida a arguida nulidade por: "o endereço de correio electrónico a que destinaram a comunicação não é a deste tribunal: .. com efeito, o R. terá utilizado o endereço de correio electrónico guimarães.judicial@tribunais.org.pt quando o endereço correcto é o guimaraes.judicial@tribunais.org.pt (sem til), o que explicará a não recepção da comunicação vinda de analisar.
... com as devidas ressalvas, seria o mesmo que os RR., caso tivessem optado por efectuar a comunicação via postal, destinassem a sua carta a um outro tribunal que não aquele cujo endereço consta do cabeçalho da citação que lhes foi endereçada.
Não sendo cumprido o ónus de comunicação previsto no art. 24.°/4 LAJ, não se pode considerar interrompido o prazo para contestar, pelo que fica precludida a possibilidade de prática deste acto processual.”* É deste despacho que ambos os RR recorrem e apresentam as seguintes conclusões (que se transcreve): - Conclusões das alegações da Ré P. C.: “ 1.ª Os autos mostram que a Ré praticou todos os atos necessários à concessão de Apoio Judiciário e à suspensão do prazo para praticar o ato de apresentação de contestação.
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Só que o praticou de uma forma defeituosa.
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O defeito consistiu em ter endereçado um e-mail destinado à comunicação no processo do requerimento para concessão do Apoio Judiciário para nomeação de patrono para o endereço guimarães.iudicial@tribunais.
org.pt e não para o endereço guimaraes.judicial@tribunais.org.pt.
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Esta questão é a de saber se o lapso consistente na oposição de um til no endereço eletrónico é um lapso material censurável ou justificável e a todo o tempo.
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A questão tem que ser vista de um ponto de vista ético e do “homem médio” por forma a evitar a cega aplicação do direito e a cair-se na situação retratada no principio “Summum ius, summa iniuria”.
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O melindre da situação prende-se com o facto de estar em causa com o direito constitucionalmente protegido à habitação consagrado no artigo 65º. da Constituição da Republica Portuguesa, como um dos direitos fundamentais do nosso sistema constitucional.
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E prende-se também com o princípio basilar da nossa Constituição plasmada no artigo 20º. e que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais com tutela jurisdicional efetiva.
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Prende-se igualmente com o preceito constitucional ínsito no artigo 202º., nº. 2 do da CRP que impõe que na administração da justiça incumba aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
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O erro material da Ré, na aposição do til no endereço eletrónico do tribunal não é erro grosseiro tanto mais que no envelope da carta enviada nos termos e para os efeitos do artigo 233º. do CPC está impresso endereço eletrónico com guimarães com til.
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E a esta luz a aplicação pura e dura do direito conduz a que tenha que ser considerada inconstitucional qualquer interpretação que se faça dos preceitos legais aplicáveis que não protejam aqueles direitos constitucionais.
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O n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil preceitua que a interpretação (da lei) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada 12.ª Mais, o artigo 566.º do CPC diz que a revelia absoluta ocorre quando o réu não desenvolve qualquer atividade, não deduz oposição, não constitui mandatário nem intervém de qualquer forma no processo.
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A douta decisão recorrida, na interpretação que deu ao artigo 24º. nº. 4, da Lei do Acesso ao Direito, violou, assim, manifestos preceitos constitucionais e dos mais importantes que a Constituição consagra, facto este que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, designadamente para os do art.º 72.º n.º 2 da LTC.
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O douto recorrido despacho fez errada interpretação e aplicação do artigo 24º. nº. 4, da Lei do Acesso ao Direito e consequentemente dos artigos 64.º, 20.º e 202º., nº. 2, estes da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 9.º e 249.º do C. Civil e 146º. e 566º., estes do Código de Processo Civil, artigos estes que deveriam ter sido aplicados e interpretados por forma a que fosse anulada a sentença proferida, voltando a correr prazo para apresentação da contestação por parte da requerente.
Consequentemente, requerem a V.as Ex.as que, com o devido suprimento, se dê provimento ao presente recurso e, na procedência dele, julgar-se verificada a arguida nulidade com as inerentes decorrências, designadamente a de voltar a correr prazo para a defesa (contestação) da Ré, anulando-se em consequência a sentença proferida.” - - Conclusões das alegações do Réu P. O.: "1 - Deve considerar-se que a revelia absoluta é inoperante, aceitando-se como válida a comunicação ao tribunal por correio eletrónico do pedido de apoio judiciário, anulando-se todos os atos praticados, declarando-se interrompido o prazo para contestar, permitindo-se aos réus o exercício do contraditório.
2 – Deve considerar-se ainda, nos termos do artigo 144º n.º 7 al. c) do CPC, como a data da prática do ato a da...
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