Acórdão nº 1/08.0TJVNF-ET.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães.

Relatório Por apenso aos autos de insolvência, em que por sentença transitada em julgado foi declarada insolvente “O. F., S.A.”, A. T., administrador de insolvência veio, nos termos disposto no artigo 62º, nº1 do CIRE, apresentar contas.

Observado que foi o disposto no artigo 64º do mesmo Código, o credor A. P., membro da Comissão de Credores, veio opor-se à aprovação dos pagamentos efetuados pelo senhor administrador aos credores identificados pelos créditos nº 163 (pagamento de penhora), 178 (pagamento à Segurança Social), 199 (pagamento no apenso EM), 202 (pagamento à advogada Dra. C. R.) e apenso EH (pagamento à Dra. C. M.).

Para tanto alega, em síntese, que o administrador procedeu a pagamentos indevidos com prioridade sobre os créditos laborais reconhecidos judicialmente como dívidas da massa insolvente e pagamentos que jamais deveriam ter sido suportados pela massa insolvente.

Identifica na primeira situação os seguintes créditos: - o pagamento de € 22.742,05 no processo nº 1/08.0TJVNF-DX, crédito nº163, intentado por um credor comum, X - Indústria Química, SA, com base em sentença que não foi proferida por apenso aos autos e que se traduz num crédito por fornecimento de produtos químicos.

Não constituindo dívida da massa, entende que nunca poderia tal crédito sobrepor-se ao pagamento dos créditos laborais reconhecidos judicialmente como dívidas da massa insolvente; - o pagamento à Segurança Social, a 31-10-2014 de € 146.080,52, crédito nº 178, sem ter sido consultada a comissão de credores, e quando já se encontravam em dívida os créditos laborais que por sentença judicial transitada em julgado há mais de dois anos foram reconhecidos como dívidas da massa, cujo valor global ultrapassa € 500.000,00; - pagamento no apenso EM, a 16-3-2016, crédito nº 199, por despacho de 11-2-2016, foi privilegiado este credor face aos créditos laborais reconhecidos como dívidas da massa, por o AI ter confessado a dívida quase na totalidade em ação intentada pela credora para ser reconhecido o crédito como dívida da massa; o senhor administrador teria privilegiado este crédito pagando-o voluntariamente e com preferência sobre os créditos laborais; - o pagamento à Dra. C. R., mandatária da insolvente, da quantia de € 5.170,00 a 2-11-2016, crédito nº 202, que não seria devido. A Comissão de credores não teria tido conhecimento, nem sequer dado autorização a que o sr. administrador a constituísse como mandatária da massa insolvente, se tiver sido esse o caso.

Entende assim que a massa nunca poderia ser onerada por uma despesa que era da insolvente e mesmo que o sr. administrador, abusivamente, tenha reconhecido como dívida da massa, esse crédito comum nunca poderia sobrepor-se no seu pagamento aos créditos laborais reconhecidos judicialmente como dívidas da massa insolvente.

Embora não seja percetível na prestação de contas apresentada pelo senhor administrador, em anterior relatório, o sr. administrador apresenta pagamentos de advocacia no montante de € 11.169,00, no qual se inclui, segundo transmitiu, o pagamento a título de honorários, à Dra. C. M. da importância de € 5.000,00 para contestar as ações intentadas pelos trabalhadores e que terão obtido sempre ganho de causa.

Tal pagamento, a ter existido, entende ser indevido e não poder sobrepor-se aos créditos sobre a massa de que são titulares os trabalhadores.

Termina pedindo sejam considerados não autorizados e indevidos os pagamentos efetuados pelo administrador quanto aos seguintes credores: - crédito nº 163, de 07/03/2013, pagamento penhora – apenso DX; - crédito nº 178, de 31/10/2014, pagamento à Segurança Social - apenso EO; - crédito nº 199, de 16/03/2016 (apenso EM); - crédito nº 202, de 02/11/2016, crédito da Dra. C. M. - apenso DV; e - crédito pago à Dr.ª C. M., no montante de 5.000,00 euros.

O Ministério Público tomou posição no sentido da oposição deduzida.

A Comissão de credores apresentou o seu parecer a fls. 453 e ss., emitindo parecer desfavorável relativamente às contas apresentadas pelo administrador de insolvência, seja por discordar dos pagamentos efetuados, seja por não estarem devidamente relacionadas todas as dívidas da massa, pois o saldo deveria ser negativo, o que não se encontra espelhado na relação apresentada pelo senhor administrador de insolvência.

Alega para tanto, em síntese, que foram reconhecidas como dívidas da massa avultados créditos a trabalhadores, existindo ainda dívidas da massa à Segurança Social durante o período em que a insolvente manteve a sua atividade; Na prestação de contas apresentada não figurariam todas as dívidas da massa conhecidas, tendo o AI decidido ignorar avultadas dívidas da massa, pois teria pago na íntegra algumas dívidas da massa e não outras; Não teria feito qualquer pagamento aos trabalhadores; Pagou, contudo, na íntegra o crédito da sociedade C. & C., SA, decorrente de ação contra a massa, quando à data da sentença proferida há muito haviam transitado em julgado as decisões que condenaram a massa insolvente no pagamento dos créditos peticionados pelos diversos ex-trabalhadores da sociedade insolvente; Assim, beneficiando esse credor no pagamento do seu crédito de € 211.461,18, em detrimento dos demais; O pagamento do crédito da Segurança Social, no montante de € 146.080,52, terá um móbil egoístico, pois o não pagamento daquelas contribuições e quotizações constituirá crime, e havendo-se a dívida constituído após a declaração de insolvência, o administrador de insolvência seria pessoalmente responsabilizado; Levanta reservas quanto ao pagamento do crédito de € 28.214,79 identificado como despesas de penhora efetuada no apenso DX.

Foi ouvido o sr. administrador de insolvência enquanto órgão desta.

Nenhum outro credor se pronunciou.

Designou-se data para audição do administrador de insolvência e no decurso dessa audição notificou-se o mesmo para que juntasse aos autos vários documentos (cfr. fls. 458 a 459).

Juntos esses documentos aos autos, prosseguiu-se com a audição do administrador de insolvência (cfr. fls. 563 a 564).

Em 09/02/2021, proferiu-se sentença aprovando as contas apresentadas pelo administrador de insolvência, com a ressalva do pagamento efetuado à credora “X – Indústria Química, S.A.”, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Nesta conformidade, julgo validamente prestadas as contas, com a ressalva supra do pagamento à credora X – Indústria Química, S.A.”.

Inconformada com o assim decidido a credora “X – Indústria Química, S.A.” interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: I. A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU O CASO JULGADO (ARTS. 619°, 625° E 628° DO CPC) PORQUANTO NA FUNDAMENTAÇÃO CONSIDEROU QUE O CRÉDITO DA RECORRENTE SOBRE A INSOLVENTE ERA UM CRÉDITO SOBRE A INSOLVÊNCIA E NÃO SOBRE A MASSA INSOLVENTE, QUANDO, II. COMO SE VÊ DO APENSO DV, O CRÉDITO DA RECORRENTE É (OU ER

  1. PROVENIENTE DE VÁRIOS FORNECIMENTOS DE PRODUTOS QUÍMICOS QUE A MESMA EFECTUOU À EXECUTADA, NO EXERCÍCIO DA SUA ACTIVIDADE INDUSTRIAL E NO PERÍODO POSTERIOR À DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA - POIS A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA É DE 02.01.2008 E OS FORNECIMENTOS SÃO DE FEVEREIRO, MARCO, ABRIL E MAIO DE 2008 - TRATANDO-SE, ASSIM, SEM MARGEM PARA QUALQUER DÚVIDA, DE CRÉDITO SOBRE A MASSA INSOLVENTE, PORQUE EMERGENTE DE ACTOS PRATICADOS POR ESTA, NOS TERMOS DO ART. 51°, N" 1, ALÍNEA C), DO CIRE.

  1. NÃO SE AFIGURA LEGALMENTE POSSÍVEL QUE A QUESTÃO DO CRÉDITO DA RECORRENTE, JÁ DEFINITIVAMENTE RESOLVIDA, POSSA SER OBJECTO DE NOVA APRECIAÇÃO E DECISÃO, EM VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 621° DO CPC - «A SENTENÇA CONSTITUI CASO JULGADO NOS PRECISOS LIMITES E TERMOS EM QUE JULGA», E 628° DO MESMO DIPLOMA - «A DECISÃO CONSIDERA-SE TRANSITADA EM JULGADO LOGO QUE NÃO SEJA SUSCEPTIVEL DE RECURSO ORDINÁRIO OU RECLAMAÇÃO».

  2. UMA DECISÃO (DESPACHO, SENTENÇA OU ACÓRDÃO), TRANSITADA EM JULGADO, «TORNA INDISCUTÍVEL O RESULTADO DA APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO QUE É REALIZADA PELO TRIBUNAL, OU SEJA, O CONTEÚDO DA DECISÃO DESTE ÓRGÃO» (TEIXEIRA DE SOUSA, ESTUDOS SOBRE O Novo CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, z- ED., LEX, 1997, P. 567).

  3. A FORÇA DE CASO JULGADO, INERENTE ÀS DECISÕES JUDICIAIS INSUSCEPTÍVEIS DE RECURSO ORDINÁRIO, CONFIGURA "UM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO" (Acs. DO TC NºS. 352/86 E 310/2005).

  4. NA EXATA MEDIDA EM QUE A SENTENÇA DE 20.11.2009, PROFERIDA NO APENSO DV, JULGOU QUE O CRÉDITO DA RECORRENTE É SOBRE A MASSA INSOLVENTE, E NÃO EXISTIU OBSTÁCULO À EXECUÇÃO DESSA SENTENÇA CONTRA A MESMA MASSA INSOLVENTE COM FUNDAMENTO NA FALTA DE PAGAMENTO DESSA DÍVIDA, QUANTO A ESTA QUESTÃO FORMOU-SE O CORRESPONDENTE CASO JULGADO.

  5. ASSIM, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA LAVRA EM ERRO MANIFESTO, EM VIOLAÇÃO DAQUELES COMANDOS, NA MEDIDA EM QUE CONTRADIZ E/OU PÕE EM CAUSA A EFICÁCIA DO CASO JULGADO FORMADO PELA SENTENÇA PROFERIDA NO APENSO DV SOBRE ESTA CONCRETA QUESTÃO DE DIREITO (ART. 625º DO CPC), INCORRENDO NA NULIDADE PREVISTA DO ART. 615º, N.º 1 ALÍNEA D), DO CPC A QUAL PREVÊ SER NULA A DECISÃO QUANDO O JUIZ CONHEÇA DE QUESTÕES DE QUE NÃO PODIA TOMAR CONHECIMENTO.

  6. PELO EXPOSTO, DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO NO SENTIDO DE JULGAR TER A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INCORRIDO EM ERRO MANIFESTO, DECLARAR A NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO E SER ORDENADA A REMESSA DOS AUTOS ÀQUELE TRIBUNAL A FIM DE ESTE PROFERIR NOVA DECISÃO.

TERMOS EM QUE, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Também o credor A. P. interpôs recurso de apelação daquela sentença, em que formula as seguintes conclusões:

  1. Vem o presente recurso interposto da decisão final do Tribunal a quo na parte em que julgou validamente prestadas as contas apresentadas pelo Sr. AI e que foram parcialmente impugnadas pelo ora Recorrente no apenso acima identificado; b) Nos termos do artº 62º do CIRE, o Sr. AI apresentou as contas da massa insolvente, no qual o ora recorrente, ao verificar...

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