Acórdão nº 4354/20.4T8GMR-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO.

M. D. residente na Travessa …, nº. …, freguesia de …, Guimarães, veio por apenso propor ação de restituição de bens contra J. A., Massa insolvente do referido devedor e credores (…), peticionando: a) seja reconhecido que o prédio descrito no artigo 1º do seu requerimento inicial, é propriedade da A., por força da partilha efetuada no processo nº316-A/2020 da extinta 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães; b) seja restituído tal prédio à posse da A.; c) seja dada sem efeito a venda eletrónica e cancelado o registo da insolvência sobre a meação do prédio; d) que os RR. Se abstenham de praticar quaisquer atos que impeçam ou diminuam o livre exercício do seu direito de propriedade.

Alega em suma que, por decisão transitada em julgada no âmbito do processo de inventário, por apenso ao divórcio entre A. e o 1º R., que correu termos com o nº316-A/2002, na extinta 1ª vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, foi adjudicada à A. a verba correspondente ao prédio descrito no artigo 1º da P.I.. Sucede que foi apreendido para a massa o direito do insolvente à meação no prédio.

A Massa Insolvente de J. A. contestou impugnando os fundamentos da ação, e alegando que se trata de bem comum do casal.

*Foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Realizada a audiência, foi proferida sentença que decidiu julgar a presente ação improcedente nos termos pretendidos, devendo, todavia, ocorrer a restituição do imóvel à A. caso a mesma entregue o valor de € 22.500 que eram devidos como tornas à massa insolvente; caso tal não se verifique, as diligências próprias de liquidação do ativo deverão prosseguir, com a limitação deste valor, sendo o remanescente devolvido à A. Mais imputou as custas da ação pela A. e Ré Massa Insolvente na proporção de 2/3 e 1/3 respetivamente.

*Inconformada, veios a requerente interpor recurso, tendo apresentado alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- (que se reproduzem): “1ª A sentença padece de nulidade porquanto o juiz a quo decidiu para além do que está insíto no pedido do A.; 2ª Este vício de nulidade é válido para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objecto – Ac. STJ de 28-09-2006 – Proc. 06ª2464 in dgsi.pt.; 3ª O tribunal a quo emanou num erro de julgamento ao não atender a um meio necessário e pertinente de prova – depoimento da testemunha A. L. -, o qual, conjuntamente com a prova documental – declarações de pagamento das tornas -, levaria, necessariamente, a dar como provado tal pagamento; 4ª O Tribunal a quo efectuou a sua fundamentação jurídica, emanando num erro de julgamento, ao apoiar-se em decisões de tribunais superiores que não têm aplicação ao caso dos autos, e até contrariam a decisão que proferiu; 5ª O tribunal a quo fundamenta a sua decisão num facto inexistente: a hipoteca do prédio, uma vez que a mesma caducou em 01-02-2012, conforme se afere do teor da descrição predial junta aos autos; 6ª A R., ainda que um terceiro em relação à A. e ao ex-cônjuge, não impugnou os documentos de declaração de recebimento das tornas, pelo que operou a confissão judicial dos factos neles insertos, estabelecendo-se a autenticidade e genuinidade daqueles, conferindo-se, por via dessa confissão, força probatória plena; 7ª Da análise da prova testemunhal e do seu cotejo com os documentos não impugnados pela R. verifica-se que pelas regras da ciência, da lógica e da experiência, sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova (também aplicável pelo tribunal ad quem), é mais do que razoável alterar a matéria de facto relativamente à questão do pagamento das tornas por parte da recorrente, dando esse facto como provado; 8ª Pelo que, o ponto e) não pode deixar de ser alterado, para o seguinte: “A A. pagou ao ex-cônjuge o valor das tornas de €22.500,00, em que foi condenada no processo referido em b).” 9ª - Foram violadas, entre outras, as seguintes normas jurídicas, cuja interpretação dada pelo tribunal a quo a recorrente não concorda: artigos 609º, nº1 e 615, nº 1, alíneas d) e e) do C.P.C; artigos 358º, nº1, 374º, nº1, e 376, nº1, todos do Código Civil.

10ª - Assim, deve o despacho recorrido ser anulado por excesso de pronúncia nos termos das conclusões 1ª e 2ª, ou revogado por erro de julgamento, nos termos das conclusões 3ª e 4ª, assim se fazendo JUSTIÇA!”*Não foram apresentadas contra-alegações.

***Após os vistos legais, cumpre decidir.

***II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se: -a sentença incorre em nulidade; -deve ser reapreciada a matéria de facto em que assentou a 1ª instância, e, na afirmativa, se procede a versão propugnada pela recorrente; -deve ser alterada a decisão no sentido da sua integral procedência.

*III NULIDADE DE SENTENÇA.

A recorrente veio invocar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

O Tribunal “a quo” não se pronunciou, considerando este Tribunal não ser indispensável essa apreciação (cfr. artº. 617º, nº. 5, C.P.C.).

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado.

Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.

As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt).

Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drº Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).” Por outro lado, invoca-se ainda o artº. 608º, nº. 2, do C.P.C., que impõe ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Vigora entre nós o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objeto do litígio (a pretensão formulada pelo autor que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objeto de tutela). Por outro lado, às partes cabe alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baeiam as exceções invocadas (salvo as situações do artº. 5º, nºs. 2 e 3, do C.P.C.) -tal entronca ainda no princípio do dispositivo –artºs. 3º, nº. 1, e 5º, nº. 1, C.P.C..

Como diz Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pag 362) “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite...

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