Acórdão nº 2824/20.3T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO M. C. e M. M., instauraram acção especial de tutela da personalidade, nos termos dos artigos 878.º e seguintes do Código de Processo Civil contra A. S. e mulher M. G., pedindo que:

  1. A acção seja julgada procedente, por provada, condenando-se os Requeridos a absterem-se de desenvolver qualquer actividade industrial nomeadamente a não licenciada actividade de construção de artefactos em betão, gesso e cimento na habitação, logradouro e mais concretamente no coberto (pavilhão industrial) edificado de modo ilegal, com todas as demais consequências.

  2. Os Requeridos sejam condenados, a título de sanção pecuniária compulsória, a pagar aos Requerentes a quantia de 1.000,00 € por cada dia que não cumpram a decisão que vier a ser proferida.

    Os requerentes alegam, em síntese, que são proprietários de uma habitação unifamiliar, na qual há muitos anos têm instalada a sua casa de morada de família e onde vivem juntamente com os três filhos, um deles ainda menor.

    De acordo com o PDM de ..., a zona envolvente da habitação dos requerentes está classificada como «solo urbanizado, espaço residencial nível II» e de acordo com o Regulamento do PDM, são incompatíveis todos os usos do solo que provoquem dano nas condições ambientais e urbanísticas.

    Por seu turno, os requeridos são proprietários de uma habitação que confronta a norte e poente com a propriedade dos requerentes, no logradouro da qual existia uma cobertura precária, feita em madeira, distanciada do muro divisório dos requerentes e com altura inferior a tal muro, supostamente destinada à guarda de alfaias agrícolas. Os requeridos também utilizavam essa cobertura para ocasionalmente produzirem artefactos em betão, mas sem que fosse visível uma actividade assinalável, pelo que, não obstante a falta de licenciamento, os requerentes foram tolerando a situação.

    Posteriormente, o requerido A. S. solicitou junto do Município, a legalização de um coberto de apoio à habitação, destinado à guarda de utensílios agrícolas, pequenas máquinas e alfaias, sendo que a solução construtiva seria uma estrutura em madeira revestida a chapa simples de cor cinza, permanecendo o chão em terreno compacto. Contudo, tal estrutura foi executada em pilares maciços, directamente apoiada no muro de vedação dos requerentes, numa altura que o ultrapassa e incluiu, cobrindo todo o pavimento, que revestiram com cimento.

    Tal construção passou a ser utilizada como «pavilhão industrial» para acolher a incrementada actividade de construção de artefactos em betão, gesso e cimento, em contínua laboração.

    Tal actividade inicia-se todos os dias úteis e alguns feriados por volta das 7.30/8.00 horas, com utilização de diversas máquinas industriais, que produzem intenso ruído, trepidações, emitindo poeiras, que atingem a residência dos requerentes e ainda resíduos industriais líquidos que são libertados para o sistema de águas pluviais existente no prédio dos requerentes.

    Assim como passou a implicar o constante movimento de veículos pesados para carga e descarga de materiais.

    As poeiras produzidas por tal actividade impedem os requerentes de, todos os dias da semana, abrirem as janelas e arejar a casa, de estender roupa a secar no exterior e de deixarem os seus veículos estacionados ao ar livre.

    Do exposto resulta que os requeridos violam os direitos à saúde, à integridade física e psicológica, ao bem estar, ao descanso, a um ambiente sadio e equilibrado e à habitação condigna dos requerentes e do seu agregado familiar, bem como o gozo pleno do seu direito de propriedade.

    A continuação da actividade ilegal dos requeridos causa grande perturbação na vida dos requerentes, impedindo os filhos de estudarem, de descansarem e de usufruírem da habitação, tal como impede os requerentes de levarem a cabo as suas actividades profissionais, ainda mais na actual conjuntura.

    O degradar da qualidade de vida dos requerentes, tem-lhes provocados ansiedade, angústia, nervosismo, irritação e desgosto, sendo que a requerente mulher tem sido acompanhada por patologias de ansiedade generalizada e insónia, estando sujeita a medicação.

    Nos últimos anos, os requerentes apresentaram diversas queixas no Município de ..., o qual fez diversas notificações aos requeridos, mas a obra não foi demolida e a actividade industrial prossegue, mantendo-se inalterada a situação.

    Com este processo pretendem os requerentes ver tutelados os seus direitos fundamentais à saúde, integridade física e psicológica, ao bem estar, ao descanso, a um sono tranquilo, a um ambiente sadio e equilibrado, à habitação condigna e ainda ao pleno exercício do direito de propriedade.

    *Por despacho de fls. 27 a 28, foram admitidos os meios de prova arrolados pelos requerentes e foi designada data para a realização da audiência final, nos termos do art.º 879.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

    No mesmo despacho foi ordenada a citação dos requeridos nos termos dos arts. 897.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

    *Os requeridos foram citados e, no dia designado para a realização da audiência final, apresentaram a contestação, alegando, em síntese: O requerido marido exerce a actividade de produção de artefactos em cimento há, pelo menos, 36 anos naquele local, sendo que há cerca de 10 anos com a ajuda de seu filho e de um trabalhador contratado.

    Por volta do ano de 2017, os requeridos remodelaram o referido espaço, através da implantação de pilares em ferro, instalação de cobertura em chapa e revestimento das paredes em chapa. O piso continua em terra e o pé direito aumentou porque o piso foi rebaixado. Tal obra não mudou a actividade dos requeridos, e não aumentou o nível de ruido, trepidação, poeiras ou outros. Pelo contrário, até diminuiu.

    Os requeridos apenas têm uma rebarbadora pequena, uma betoneira eléctrica e um empilhador, sendo que a betoneira pouco ruido faz e apenas é usada no máximo 20 minutos por dia, em períodos de 5 minutos cada. A rebarbadora há dias que nem trabalha e é usada apenas em trabalhos de bricolage. Por isso os ruídos são diminutos e por períodos muito curtos. O ruido que fazem não é mais elevado que o de uma viatura a passar na estrada em frente da casa dos requerentes.

    Quanto ao pó, a actividade apenas levanta pó, no máximo 4 vezes ao dia, quando se esvazia o saco de cimento na betoneira, que é um acto que dura um minuto, sendo que a betoneira se encontra afastada do terreno dos requerentes. O que causa poeiras são os tractores agrícolas e camiões de madeira que passam na estrada junto à casa dos requerentes, pois os prédios ficam numa zona rural, com muita agricultura.

    Os requeridos não produzem qualquer resíduo industrial líquido, não possuem qualquer vibrador e a betoneira não causa vibrações. As vibrações que os requerentes podem sentir são as dos camiões e tractores que passam na rua.

    Os requeridos apenas fazem uso do empilhador uma ou duas vezes por mês e o barulho “BIP” que o mesmo produz, apenas se verifica quando o empilhador anda em marcha atrás, no máximo duas vezes por mês, sendo que até nem faz há muito tempo, pois o requerido desligou tal função.

    As viaturas pesadas apenas se deslocam às instalações dos requeridos 3 a 4 vezes por mês.

    Quanto à impossibilidade de os requerentes abrirem as janelas, os requeridos padecem do mesmo problema, mas tal não se deve à actividade dos requeridos.

    Não assiste razão aos requerentes quando referem que os requeridos violam os seus direitos à saúde, integridade física, psicológica, bem estar, descanso dos requerentes e seus familiares.

    Os requerentes quando decidiram fixar ali a sua residência, já os requeridos ali trabalhavam há muitos anos.

    Os requeridos encontram-se a concluir a legalização do espaço no qual trabalha o requerido marido e o filho, espaço esse que é legalizável.

    Terminam pedindo que a acção seja julgada improcedente, por não provada, sendo os requeridos absolvidos do pedido formulado, tudo com as legais consequências.

    *Realizou-se a audiência de julgamento. No decurso desta audiência foi oficiosamente ordenada a realização de uma perícia ao ruido produzido pela actividade dos requeridos (acta de fls. 70 e ampliação a fls. 81 dos autos).

    Os requerentes, a fls. 72 dos autos, vieram alegar que os requeridos estavam a proceder a obras no interior do pavilhão, com o objectivo de falsearem os resultados da perícia que entretanto fora ordenada. Segundo os requerentes tal constitui manifesta má fé processual, devendo esta actuação dos requeridos ser ponderada e censurada.

    Encerrada a audiência, foi proferida sentença em que se decidiu: «Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e ao abrigo do disposto no art. 897.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, decide-se:

    1. Limitar a actividade de produção de artefactos em betão pelos Requeridos aos dias úteis das 8.30 horas (oito e trinta) às 17.30 horas (dezassete e trinta).

    2. Impor aos Requeridos que a betoneira e a rebarbadora sejam utilizadas apenas no interior do pavilhão identificado em 16) dos factos provados.

    3. Proibir os requeridos de utilizar na actividade de produção de artefactos em betão vibrador de mesa e/ou vibrador de agulha para realizar a vibração do betão.

    4. Condenar os Requeridos numa sanção pecuniária compulsória de €.200,00 (duzentos euros) por cada infração do supra decidido em VI. A), B) ou C).

    5. Absolver os Requeridos do pedido de condenação como litigantes de má fé.

      Custas a cargo de Requerentes e Requeridos e partes iguais, nos termos do art. 527.º do Código de Processo Civil.«*Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões: «Primeira: Foi carreada para o processo factualidade reveladora de inegável e clamorosa violação dos direitos de personalidade dos Recorrentes, factualidade igualmente reveladora de violação clamorosa e muito para lá do suportável do seu direito de propriedade.

      Com relevância para a fundamentação da decisão...

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