Acórdão nº 969/17.6T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório M. J.

, T. M.

e V. M.

vieram instaurar a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, n.º 969/17.6T8BGC, contra X - Companhia de Seguros, S. A. (anteriormente denominada Y Companhia de Seguros, S. A.), concluindo com o pedido de que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 200.000,00 (duzentos euros), nomeadamente, à primeira Autora, a quantia de € 114.000,00 (cento e catorze mil euros) e a cada um dos outros Autores, a quantia de € 43.000,00 (quarenta e três mil euros), acrescidas essas quantias dos juros legais, contados à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.

Também a Construções W, Lda. instaurou contra a Ré acção declarativa sob a forma de processo comum, que foi apensada à dos presentes autos, sob o n.º 969/17.6T8BGC-A, concluindo com o pedido de que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 48.300,00 (quarenta e oito mil e trezentos euros) e a quantia de € 40,00 (quarenta euros) / dia, a titulo de indemnização pela privação de uso da viatura, desde a entrada em juízo da acção até efectivo e integral pagamento da indemnização peticionada, e juros sobre todas as quantias, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Para o efeito e em síntese, os Autores de uma e outra acção deduziram a alegação de factos tendentes a demonstrar que a Ré está constituída na obrigação de os indemnizar nos termos peticionados.

A Ré, regularmente citada, demonstrando que ora se denomina X – Companhia de Seguros, S. A., apresentou as respectivas contestações, impugnando parte dos factos articulados por uns e outros Autores e deduzindo factos modificativos das alegadas causas de pedir.

Procedeu-se à realização das audiências prévia e final com observância das formalidades legais.

Foi então proferida sentença que julgou parcialmente procedentes as acções e, em consequência:

  1. Condenou a Ré X - Companhia de Seguros, S. A. a pagar à Autora M. J., a quantia de € 35.600,00 (trinta e cinco mil e seiscentos euros), à Autora T. M., a quantia de € 25.900,00 (vinte e cinco mil e novecentos euros) e ao Autor V. M., a quantia de € 28.600,00 (vinte e oito mil e seiscentos euros), acrescidas essas quantias dos juros legais, contados à taxa legal, desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.

  2. Condenou a Ré X - Companhia de Seguros, S. A. a pagar à Autora Construções W, Lda. a quantia de € 16.300,00 (dezasseis mil e trezentos euros), acrescida dos juros legais, sobre a quantia de € 12.000,00, a contar da presente sentença, e sobre a quantia de € 3.440,00, a contar da citação, até efectivo e integral pagamento; e a pagar a indemnização correspondente à privação do uso da viatura, a contar da prolação da presente sentença e até ao momento em que a Ré proceda ao pagamento da quantia de € 3.440,00 (três mil quatrocentos e quarenta euros), a liquidar em execução de sentença.

  3. Absolveu a Ré do demais contra si peticionado.

    Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (ex vi artigos 629º,1, 631º,1, 633º, 637º, 638º,1,7, 641º,1,2, 642º, 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1, do Código de Processo Civil).

    Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: I.

    Das presunções do artigo 623º do CPC e 530º do CC.

    1. Para que uma decisão penal condenatória seja oponível a terceiros, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 623º do Código de Processo Civil, tem de estar demonstrado que se trata de uma condenação definitiva, pois só preenchido esse requisito é que a sentença assume eficácia probatória por si mesma em relação à presunção da existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal.

    2. No caso em apreço, a presunção prevista naquele artigo 623º não pode operar, já que não consta do(s) processo(s) qualquer meio de prova da definitividade da decisão penal condenatória, designadamente, certidão do seu trânsito em julgado, pelo que a decisão tomada de que a factualidade dos artigos 3º a 10º, 15º e 16º dos factos provados deva ser considerada provada “por integrarem os pressupostos da punição e condenação definitiva do condutor do tractor”, e por a “sua existência não ter sido ilidida”, não é legalmente aceitável.

    3. De qualquer forma, e com excepção das decisões proferidas sobre a matéria de facto impugnadas pela presente apelação, a recorrente aceita os demais factos dados como provados e aqui não impugnados, pois resultaram da discussão da causa.

    4. As decisões de facto e de direito a proferir na presente acção devem assentar num facto essencial que é a qualidade de comissário com que o condutor do MH exercia a condução (artigo 22º dos factos provados), e donde decorre uma presunção de culpa que impende sobre aquele condutor que onera os autores a fazerem prova dos factos donde se possa concluir que aquele condutor não foi culpado pelo acidente sob pena de, não o fazendo, se decidir com base na presunção legal da culpa desse condutor (artigos 503º, nº 3 e 487º, nº 1 do Código Civil).

      1. Impugnação das decisões relativas à matéria de facto provada e ampliação desta.

    5. Da discussão da causa e dos documentos juntos aos autos (investigação da GNR) resulta que o MH seguia a velocidade superior aos 80 km/h, e não a “cerca de 80 km/h” como decidido na sentença recorrida.

    6. Com efeito, da certidão do processo crime que a ré juntou aos autos consta o depoimento da testemunha e passageiro do MH, J. B., o qual, apenas um mês após o acidente declarou que esse veículo circulava “entre os 80 km/h e os 90 km/h”, valores que alterou no julgamento cível para 70/80 km/h, por motivos óbvios, sem, contudo, deixar de referir que poderia haver uma diferença de 5 ou 10 km nessa sua nova avaliação da velocidade.

    7. Por outro lado, comparando os dados objectivos constantes no relatório da investigação levada a cabo pela GNR com a tabela de distâncias de paragem constantes no Manuel de Acidentes de Viação, de Dario Martins de Almeida, nos termos da qual, a distância de paragem de um veículo ligeiro que transite à velocidade de 80 km/h é de 43,86 metros, tem de se concluir que o MH seguia a uma velocidade bem superior a 80 km/h.

    8. É que, tendo em conta que a uma velocidade de 80 km/h e no tempo de reacção de 1 segundo o MH percorreria 22,22 metros; que o MH deixou marcado no pavimento um rasto de travagem de 9,70 metros; que desde o fim desses rastos de travagem até ao local de embate distam ainda 12 metros (cfr. croquis à escala do referido documento), o que tudo perfaz 43,92 metros; a violência com que o MH ainda foi embater no PE (que fez com que o tractor mudasse de trajectória para a sua direita, derrapasse lateralmente com os pneumáticos numa extensão de 4,30 metros e atravessasse toda a faixa de rodagem, e o MH tivesse entrado em derrapagem e capotado – artigos 4º a 16 dos factos provados); e que no local do acidente a via “é constituída por uma recta de cerca de 900 metros em patamar, em regular estado de conservação” (artigo 5º dos factos provados, é por demais evidente que o MH teria de rodar a uma velocidade superior a 80 km/h.

    9. Assim sendo, deve revogar-se parte da decisão tomada no artigo 4º dos factos provados respeitante à velocidade do MH, julgando-se provado que esse veículo circulava “a velocidade superior a 80 km/h.” 10.

      A recorrente discorda ainda da decisão constante no artigo 11º dos factos provados, na parte em que concluiu que o condutor do tractor PE iniciou a respectiva manobra sem olhar para trás no sentido de avistar o MH, decisão essa que foi tomada apenas com base na referida presunção decorrente do artigo 623º do CPC (inaplicável, como se referiu), e sem avaliar o que foi discutido em sede de julgamento e a documentação junta aos autos, designadamente, os sucessivos depoimentos do condutor do PE, I. G..

    10. No processo crime esse condutor referiu que “próximo do local onde pretendia mudar de direcção para a esquerda”, “fez o pisca e olhou para trás”, e como “não se apercebeu de nenhum veículo no mesmo sentido (à retaguarda), iniciou a manobra de mudança de direcção para a esquerda”, versão que confirmou e sustentou sucessivamente na audiência de julgamento destes autos, nunca hesitando em esclarecer peremptoriamente que olhou para trás imediatamente antes de começar a virar para a sua esquerda e que naquele momento não havia qualquer veículo a realizar manobra para o ultrapassar, e que fez tudo bem (minuto 00:03:03 a 00:42:13 do seu depoimento gravado).

    11. Em função deste depoimento, o artigo 11º dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção: “Quando a viatura, ligeira de mercadorias, MH se encontrava a distância não concretamente apurada da traseira do veículo tractor, PE, este reduz de velocidade, passando a circular a cerca de 10 km/hora, sinaliza mudança de direcção para esquerda, olhou para trás, e após ter confirmado que não havia qualquer veículo a iniciar ou a efectuar manobra de ultrapassagem, iniciou a mudança de direcção para a esquerda com vista ao acesso ao entroncamento existente à esquerda e referido em 6.º” e 13.

      Como consequência desse julgamento, deve ser revogada a decisão constante na última parte do artigo 12º dos factos provados, onde se refere “cortando a via de marcha em que seguia o veículo MH”, facto esse que deve ser julgado não provado.

    12. O condutor do PE esclareceu ainda que antes de iniciar a mudança de direcção accionou o pisca da esquerda, e que o fez a cerca de 30/40 metros antes de iniciar a manobra de mudança de direcção (minuto 00:08:15 a 00:08:30 do seu depoimento gravado), facto que assume particular importância dado que o condutor do MH referiu não ter visto o pisca do tractor ligado, nem reparou que o mesmo tivesse reduzido de velocidade, o que é demonstrativo da forma distraída e desatenta com que fazia a condução.

    13. Deve ser aditado aos factos provados um novo artigo (11º-A) com o...

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