Acórdão nº 5000/20.1T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

Relatório A. C., residente na Rua …, Guimarães intentou contra P. F., residente na Travessa do …, Guimarães oposição à execução mediante embargos de executado na qual peticiona que se julgue procedente a sua oposição à execução mediante embargos de executado, ordenando-se a extinção da execução apensa e a condenação da embargada como litigante de má fé em multa e indemnização, esta última no valor de € 10.000,00.

A fundamentar esse pedido alega que foi dada à execução uma escritura pública de hipoteca, da qual resulta que o embargante se obrigou a pagar € 95.000,00, em oito prestações, alegando a exequente que o executado não havia procedido ao pagamento atempado da terceira prestação, mas a embargada não interpelou o embargante para o mesmo cumprir a totalidade da dívida, não sendo a perda do benefício do prazo automática, pelo que inexiste título executivo.

Mais alega que mesmo que assim se não entenda, na data da citação para a execução já não existe mora, uma vez que a prestação em atraso já havia sido cumprida, sendo que o acordo de partilhas não foi judicialmente homologado, não estando estipulada a data de vencimento para a terceira a sétima prestações, vencendo-se a terceira prestação no dia 1 de Março de 2019.

Alega ainda que no dia 01.03.2019, o embargante procedeu ao pagamento da quantia de € 10.000,00, o comportamento da embargada é abusivo, considerado o alegado atraso de 7 horas e o valor que a embargada pretende receber antecipadamente, consubstanciando um enriquecimento injustificado da mesma, não dispondo o embargante de tal montante, sendo certo que a embargada autorizou o embargante a efectuar o pagamento da prestação logo que lhe fosse possível.

Por fim, alega que a embargada litiga com má fé, devendo ser condenada em multa e em indemnização a favor do embargante, no valor de € 10.000,00.

A exequente veio apresentar contestação, impugnando parte da factualidade alegada pelo embargante, mais alegando que a ausência de interpelação para o cumprimento antecipado da totalidade da dívida apenas tem efeito para os juros moratórios, pelo que existe título executivo.

Mais alega que se verifica uma perda objectiva do interesse da embargada na prestação, bem sabendo o embargante que a terceira prestação se vencia no dia 28.02.2019, inexistindo qualquer conduta abusiva por parte da embargada.

Por fim, requer a condenação do embargante como litigante de má fé, em multa e indemnização a favor da embargada.

Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador, onde se julgou a instância válida e regular, procedendo-se à prolação do despacho destinado à fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (fls. 64/67).

Realizada audiência de julgamento seguiu-se sentença que julgou a presente oposição à execução totalmente procedente, em consequência, declarou extinta a execução - artigo 732º, nº4, do CPC com custas pela exequente/embargada.

Inconformada a exequente/embargada apresenta recurso que termina com as seguintes conclusões: I.

O Tribunal julgou a Oposição à Execução procedente, fundamentando tal decisão no seguinte: «Ora, considerando a factualidade que resultou demonstrada, o embargante logrou provar que a embargada agiu um modo tal que é intolerável, por violador do princípio da boa-fé, a pretensão da mesma ao recebimento antecipado da totalidade das prestações, alegando ter perdido o interesse na prestação. (nosso sublinhado) Não se pode olvidar que o pagamento acordado é anual, tendo ocorrido um atraso de algumas horas nesse pagamento.

Com efeito, muito embora a terceira prestação tivesse de ser paga no dia 28 de Fevereiro de 2019, o certo é que o executado não a pagou nesse dia, tendo efectuado o pagamento através de transferência bancária, realizada no dia 01.03.2019, comunicando à embargada, às 07:41 horas, desse dia, a realização da referida transferência bancária.» II.

E continua: «Assim, tendo em consideração o principio da boa fé, que deve nortear o ordenamento jurídico, atento o incumprimento do executado, que foi “leve” e breve, considerando a sua conduta em procurar cessar o mais rápido possível a mora, ponderando o benefício excessivo que a exequente iria obter com recebimento integral do valor em causa nos autos, antecipando em cerca de cinco anos (à data em que foi intentada a execução) o plano de pagamento das tornas que havia sido delineado e acordado pelas partes e o prejuízo sofrido pelo executado, o exercício do direito da embargada de exigibilidade antecipada das restantes prestações em dívida apresenta-se ilegítimo, precisamente por se revelar um exercício que excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, não se coadunando com um comportamento próprio de pessoas de bem e honestas, que agem com correcção e lealdade, respeitando as razoáveis expectativas do devedor, que cessou a mora passadas horas do atraso no pagamento.» (nosso sublinhado) III.

Antes de mais é inadmissível que o Tribunal considere que a instauração da presente execução não se coaduna com um comportamento próprio de pessoas de bem e honestas, que agem com correcção e lealdade, respeitando as razoáveis expectativas do devedor, que cessou a mora passadas horas do atraso no pagamento, quer porque tal conclusão não tem sustentação na factualidade provada, antes a contrariando, quer porque todos os cidadãos têm direito a serem respeitados.

IV.

Aliás, a instauração da execução traduz-se num exercício legitimo dos direitos da Exequente com expressão no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

V.

Acresce que ficou provado o Embargado não efetuou o pagamento da prestação no prazo do seu vencimento, o que determina o vencimento de todas as prestações – cfr. artigo 781º do Código Civil.

VI.

Ao faltar com o pagamento de uma das prestações, foi o próprio Embargante quem destruiu o objetivo de um acordo de que somente ele beneficiava.

Conforme é consabido, as tornas são as compensações que, através de uma divisão/partilha de bens, um beneficiário paga ao outro por ter ficado com bens de maior valor.

VII.

O que significa que, se o Embargante se obrigou ao pagamento das tornas, foi em virtude de ter sido a ele a quem foram atribuídos os bens de maior valor e de que vem beneficiando desde 29 de novembro de 2016, data em que foi outorgado o acordo de partilha de bens.

VIII.

E ao incorrer em mora no cumprimento da prestação decorrente do acordo, o Embargante destruiu o objetivo do mesmo, que seria o ressarcimento à Embargante das quantias que lhe são devidas por força da atribuição de bens de maior valor na partilha dos bens por divórcio, nas datas estipuladas naquele acordo.

IX.

E é a instauração da presente execução que não se coaduna com um comportamento próprio de pessoas de bem e honestas, que agem com correção e lealdade? X.

E como se qualificará o comportamento do Executado que, para deduzir os presentes embargos, não se coibiu de alegar, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, desde a inexistência de titulo executivo ao abuso de direito, passando pelo enriquecimento sem causa, tudo isso com a gravidade de alegar factos completamente fantasistas, tal como foi a alegação de que só a primeira e a última prestação teriam vencimento no dia 28 de fevereiro, ou de alegar factos completamente falsos, tal como foi a de dizer que obteve da Embargada o consentimento para efetuar o pagamento da prestação quando pudesse, gerando neste uma confiança e a legitima expectativa de que esta iria cumprir com o compromisso assumido.

XI.

A instauração da execução não se traduz num ato subsumível no instituto do abuso de direito. Aliás, a decisão ora recorrida não tem qualquer fundamento de facto que a sustente, bem antes pelo contrário.

XII.

Na verdade, o Tribunal deu expressamente como não provada a factualidade que poderia determinar, a ser provada, um comportamento antagónico da Exequente, ou a criação de expectativas no Embargado que seriam goradas com a instauração da Execução.

XIII.

Por ser assim, como é, a sentença recorrida está ferida de nulidade, tal como resulta do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

XIV.

Sem prescindir, a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 334º e 781º do Código Civil, bem como do artigo 20º da Constituição.

Termos em que deverá o presente...

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