Acórdão nº 21/19.0T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório Z. F.

intentou ação popular sob a forma de processo comum contra E. J.

e marido, D. G.

; e contra J. J.

e esposa, H. G., todos melhor identificados nos autos, pedindo que que se declare que o fontanário e o tanque identificados nos artigos 5.º a 11.º da petição inicial são domínio público da Freguesia ..., que se declare que a água identificada no artigo 28.º da petição inicial que abastece os equipamentos identificados tem natureza pública, que se condene os réus a repor no fontanário e no tanque identificados a água que de lá retiraram, condenar-se os réus a refazerem a pia identificada no artigo 11.º da petição inicial no sítio onde a destruíram.

Alega, para o efeito, em síntese: no lugar ..., Freguesia ..., Cabeceiras de Basto, existe desde há mais de cinquenta anos um fontanário, com a data inscrita de 1968 e que se situa nas cercanias da capela da referida povoação; cerca de quarenta metros para jusante do identificado marco fontanário, à berma direita do caminho que lhe dá acesso, fica um tanque, de forma retangular, feito de cimento, com um lavadouro e que, até há cerca de três meses antes da instauração da ação, tinha no seu interior uma pia. Sustenta o autor que o fontanário e o tanque foram edificados pela Junta de Freguesia ... em 1968, na altura em que Z. F. era presidente da Junta de Freguesia. Desde essa data, a respetiva manutenção vem sendo assegurada pela referida autarquia que os limpa de musgos e líquenes e lhes calafeta os interstícios que vão aparecendo, à vista e com o conhecimento de toda a população, sem oposição ou constrangimento de ninguém, convencida de que tais equipamentos públicos lhe pertencem e de que ao afetá-los ao serviço dos seus povos, não ofende direitos de outrem. A água que afluía a tal fontanário e tanque, desde 1968 até 2015, provinha de uma nascente explorada por Z. F., existente no prédio denominado “X – eucaliptal, mata de carvalhos e pastagem”, também conhecido por “Sorte da ..

”, inscrito na matriz sob o artigo .... Tal água que provinha da nascente era conduzida para um depósito em cimento, que Z. F. fez construir, cerca de quarenta metros acima do fontanário, no prédio rústico denominado “...

”, inscrito na competente matriz da referida Freguesia ... sob o artigo ...

. Na mesma altura, doou verbalmente à Junta de Freguesia ..., a que presidia, uma polegada da água restante que a autarquia retirou do mesmo depósito através de um tubo desse calibre, posto num plano superior. A água derivada pelo referido tubo foi conduzida para o fontanário sobredito e aí passou a ser colhida pelos fregueses daquela localidade e pelos forasteiros que quisessem para a utilizarem na dessedentação própria e nos seus gastos domésticos, designadamente para usos culinários e de limpeza. A água que não fosse consumida no fontanário seguia depois para o tanque identificado para servir na lavagem de roupas e no abeberamento de animais daqueles moradores e depois de utilizadas para esses fins eram empregues na irrigação de um prédio rústico de Z. F.. Mais alega que, desde 1968, ininterruptamente até 2015, os habitantes do sobredito povoado e o público em geral utilizaram toda a água que se contém num tubo de plástico de uma polegada, que aflui ao fontanário e ao tanque descritos e que procede de uma nascente existente no prédio rústico denominado X para dessedentação própria e de animais, para usos culinários, para lavagem de roupas e para limpeza das habitações. Ainda segundo alega, cerca de cinco anos após a alegada doação, quando o identificado Z. F. estava prestes a deixar a presidência da autarquia, fez exarar em ata quer a alegada doação da água, quer as reservas que assegurou para si e para o pai do autor. Contudo, no final de 2015 os réus arrogaram-se donos da água litigada e de toda outra procedente da nascente sobredita e desviaram-na para distintos prédios seus, deixando sem abastecimento o fontanário e o tanque identificados. Foi, assim, organizado um abaixo-assinado a reclamar a reposição da água no fontanário e no tanque. Por fim, sustenta o autor que os réus destruíram a referida pia que se encontrava dentro do tanque.

Foi proferido despacho nos termos dos artigos 13.º, 15.º e 16.º da Lei n.º 83/95, de 31-08.

A Junta de Freguesia ..., citada de acordo com o disposto no artigo 15.º, n.º 1 da Lei n.º 83/95, de 31-08, apresentou articulado, aceitando ser representada pelo autor e aderindo integralmente às razões de facto e de direito alegadas pelo autor na petição inicial. Subsidiariamente, para o caso de improcederem os pedidos formulados na petição inicial, reivindicou ainda os bens referidos pelo autor para o seu domínio privado.

O Município de Cabeceiras de Basto apresentou também articulado, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 da Lei n.º 83/95, de 31-08, requerendo a respetiva intervenção, a título principal.

Os réus deduziram contestação na qual concluem pela total improcedência da presente ação. Impugnaram a matéria alegada, admitindo, no essencial, que Z. F., avô dos réus, na qualidade de exclusivo proprietário do prédio rústico sorte da ..

“cedeu gratuitamente” à Junta de Freguesia ... a utilização de uma parte daquela água para consumo da população de ...

. De igual modo, Z. F. cedeu a utilização, a título gratuito, de uma pequena parte do caudal ao seu amigo A. M., pai do autor, apenas para consumo doméstico. Sustentam, porém, que a restante era utilizada pelo próprio Z. F., negando que em algum momento aquele tenha cedido uma polegada de água, como alega o autor. Mais sustentam os réus que o único negócio celebrado entre o avô dos réus e a Junta de Freguesia foi tão-somente de cedência gratuita, não tendo existido qualquer vontade de transferir a propriedade da água à Junta de Freguesia, tendo esta sido sempre uma possuidora precária que não lhe permite adquirir a propriedade sobre a água por usucapião, invocando ainda a ausência de factos integradores da referida aquisição. Sustentam ainda os réus que a água que corria para o fontanário era muitas vezes insuficiente para abastecimento público da população de ...

, pelo que em 1985 foi instalada a rede de água pública no Lugar ..., tendo desde essa altura perdido utilidade a água que afluía ao fontanário e ao tanque. Alegam, por fim, que a pretensão do autor configura abuso do direito, sustentando para o efeito que passados cerca de três anos da instalação do fontanário e uma vez que a água era pouca, A. M., pai dos autores, firmou um negócio idêntico ao que foi celebrado por Z. F., tendo sido construído um outro fontanário para servir a população, a família de A. M. e ainda a família amiga de D. G. mas logo que foi instalada a rede pública de abastecimento de água o autor passou a utilizar exclusivamente a totalidade da água para seu proveito próprio, tendo impedido que a água abastecesse o fontanário, que se degradou e tornou uma peça inútil. Mais sustentam os réus que o autor beneficiou durante anos da água a que sabe não ter direito, tendo procedido ao enchimento de quinhentos a mil litros de água para utilizar nas obras, sendo esse o único motivo que move o autor na presente demanda.

Foi admitida a intervenção, a título principal, do Município de Cabeceiras de Basto/Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, bem como a representação, por parte do autor, da Junta de Freguesia ...

.

Notificados para o efeito, veio o autor e a interveniente Junta de Freguesia ... responder à matéria de exceção invocada pelos réus na contestação.

Dispensada a audiência prévia foi proferido despacho saneador, julgando-se parcialmente inadmissível o articulado apresentado pela Junta de Freguesia .... Procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Foram admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, no decurso da qual foi realizada inspeção judicial ao local e foram produzidos os demais meios de prova referenciados em ata.

Após julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva: «(…) Face a todo o exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decide-se:

  1. Declarar que o fontanário e o tanque identificados nos factos provados n.ºs 1 a 3 pertencem ao domínio público da Freguesia ...; b) Declarar que a água melhor identificada nos factos provados n.ºs 6 a 13 abastece os referidos equipamentos e tem natureza pública; c) Absolver os réus E. J., D. G., J. J. e H. G. dos restantes pedidos formulados pelo autor Z. F.; Custas pelos réus, na proporção do seu decaimento, cuja percentagem se fixa em 70% (artigos 527.º, n.º 1 e 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil).

    O Tribunal fixou em 70% o decaimento dos réus atendendo ao facto de apenas os dois últimos pedidos formulados pelo autor terem sido julgados improcedentes, sendo que aos dois primeiros que foram julgados procedentes é reconhecido um maior valor económico.

    Nos termos do artigo 20.º, n.º 2 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, o autor encontra-se isento do pagamento das custas processuais.

    ** Registe e notifique».

    Inconformados, os réus E. J. e marido D. G. interpuseram recurso da sentença, pugnando no sentido da revogação da decisão, com a consequente improcedência da ação, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «CONCLUSÕES: (Impugnação da matéria de facto) 1ª Os factos vertidos nas alíneas J, K, L, M dos factos julgados não provados foram confessados pelo Autor, conforme resulta da Resposta à matéria de exceção deduzida pelos Réus.

    1. Assim, devem os pontos das alíneas J,K,L,M da matéria de facto dada por não provada ser alterada e acrescentada à matéria de facto provada, aditando-se os números, 21, 22, 23, 24 com o correspondente teor daquelas alíneas.

    2. O ponto 13 da matéria de facto provada conclui que os habitantes de ...

      …“estavam convencidos de que essa água foi...

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