Acórdão nº 599/18.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | ALCIDES RODRIGUES |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.
Relatório R. S., em representação do seu filho (então menor) J. P., intentou contra P. S., a presente acção, sob a forma de processo comum, para efectivação de responsabilidade civil, peticionando a condenação do Réu a pagar àquele menor a quantia de € 237.575,00 (duzentos e trinta e sete mil, quinhentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em resumo, que No dia 14 de janeiro de 2017, pelas 17 horas, na Rua ..., em ..., Póvoa de Lanhoso, o menor conduzia uma moto quatro, com a matrícula HJ, propriedade do Réu, sob autorização, fiscalização e ordens do Réu, quando, após se despistar (fruto da sua inexperiência), foi embater com a mesma numa árvore.
Em consequência desse embate e também por circular sem capacete, o menor, de apenas 15 anos, sofreu danos vários que lhe deixaram sequelas e uma incapacidade permanente global de 91% e um dano biológico, para cujo ressarcimento reclama a quantia de € 200.000,00, acrescido das quantias de € 3.200,00 (pelo quantum doloris) e de € 4.375,00 (pelo internamento em clínica de reabilitação). Mais reclama a quantia de € 30.000,00 anuais por força das necessidades futuras de apoio médico e medicamentoso e demais tratamentos que o acompanharão para toda a vida.
O Réu não detinha qualquer seguro para o referido veículo moto quatro, com a matrícula HJ.
Juntou declaração de consentimento do pai do menor para instauração da presente ação.
*Regularmente citado, o Réu deduziu contestação (cfr. fls. 23 a 27), pugnando pela total improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Em abono da sua defesa impugnou parte da factualidade alegada e negou que tenha autorizado ou consentido qualquer utilização da moto quatro, mais afirmando que foi o menor Autor que, de motu próprio, se apossou da condução desse veículo, utilizando-o no seu próprio interesse, do que concluiu ser ele o único responsável pela ocorrência do sinistro.
*Na sequência do despacho datado de 14/03/2018 (cfr. fls. 29 a 34), veio a Autora requerer a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel (FGA), o que foi deferido por despacho proferido a fls. 39 a 41.
*Citado, o Fundo de Garantia Automóvel apresentou-se a contestar (cfr. fls. 44 a 52), excecionando, no que apodou de ilegitimidade material, não ser responsável pelos danos causados ao lesado J. P., nos termos do disposto nos artigos 14º/1, 51º e 52º do Dec. Lei n.º 291/2007, dado que aquele era o condutor do veículo sem seguro e foi o responsável pelo acidente.
Mais impugnou toda a factualidade alegada na petição inicial, considerando exagerada a indemnização peticionada.
Por outro lado, alegou que o menor circulava sem capacete e que tal facto contribuiu para a produção ou agravamento dos danos em, pelo menos, 50%, em conformidade com o disposto no artigo 570º do C. Civil.
*Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância, de seguida foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 54 a 57).
*Foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
*Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 408 a 423), nos termos da qual julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o Réu e o Interveniente FGA do pedido.
*Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 425 a 435) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1.º A sentença recorrida julgou improcedente a acção em que alega, em síntese, que no dia 14 de Janeiro de 2017, pelas 17 horas, na Rua ..., em ..., Póvoa de Lanhoso, o menor conduzia uma moto quatro, com a matrícula HJ, propriedade do Réu, sob autorização, fiscalização e ordens do Réu, quando, após se despistar (fruto da sua inexperiência), foi embater com a mesma numa árvore. Em consequência o menor sofreu danos vários que lhe deixaram sequelas e uma incapacidade permanente global de 91% e um dano biológico, para cujo ressarcimento reclama a quantia de € 200.000,00, acrescido das quantias de € 3.200,00 (pelo quantum doloris) e de € 4.375,00 (pelo internamento em clínica de reabilitação). Mais reclama a quantia de € 30.000,00 anuais por força das necessidades futuras de apoio médico e medicamentoso e demais tratamentos que o acompanharão para toda a vida.
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Entendeu o tribunal a quo, ainda que dando por provada a quase totalidade da factualidade alegada pelo Autor, fazer improceder a sua pretensão socorrendo-se, fundamentalmente, de dois argumentos: a inexistência, por não provada, de relação de comissão, nos termos do artigo 500º, nº. 1, do Código Civil e a imputabilidade do autor nos termos do artº. 488º do C.Civil e, simultaneamente a não existência de um dever de vigilância por parte do Réu.
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- A decisão recorrida parece inaceitável por mal fundada, na medida em que é a fundamentação da própria sentença em crise que afirma que “o Réu manteve a direcção efectiva do veículo aquando da sua condução pelo Autor” “nem este “ alegou ou provou de concreto que sustente que o veículo não era utilizado no seu interesse” razões pelas quais não poderá excluir-se a presunção contida no n.º 1 do Art.º 503 do Código Civil de que o Recorrido, proprietário do veículo tem a sua direcção efectiva e responde pelos respectivos danos, nomeadamente os sofridos pelo Recorrente.
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-Desconsidera também o Tribunal que, a relação em causa, pela circunstância de ser o Autor menor (com 14 anos) e ter o Réu, maior, pleno conhecimento não só desse facto, mas também da sua inexperiência e inabilidade e mesmo assim ter consentido na condução do seu veiculo, deveria reconduzir-se à previsão do artigo 500º, nº. 1, do Código Civil, e colocar, salvo melhor opinião, o Recorrente na posição de terceiro na esteira da doutrina e jurisprudência citada no douto aresto pelo Mm. º Juiz do Tribunal a quo o que consequentemente, situará o Réu na obrigação de indemnizar na esteira da doutrina e jurisprudência citada pelo aresto em crise.
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No respeitante à pretensa imputabilidade do Autor, por maior de 7 anos, procedendo-se a uma analise mais aprofundada forçosamente se concluirá que resulta injusto e insuficiente afirmar, grosso modo, ser o Recorrente maior de 7 anos e o Réu não ser seu pai, excluindo-se toda a factualidade provada, para perentoriamente se afirmar que está o Recorrido totalmente eximido de toda e qualquer responsabilidade. Na verdade, atenta a factualidade provada de que era o autor menor, à data com 14 anos de idade, à vista, com consentimento e autorização do Réu, ligou e pôs em marcha o veiculo motorizado propriedade daquele sendo o Recorrido conhecedor da idade, da inexperiência e da inabilitação do Recorrente, do perigo, não só da condução do seu veículo por pessoa inexperiente e inabilitada, mas também, do potencial agravamento pela ausência do capacete de protecção tendo por obrigação prever as consequências de tal acto, autorizou, sem mais, e anuiu com a condução do seu veículo, será imperioso não isentar o Réu da sua culpa e necessárias consequências.
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Sobre a culpa, ainda que se considere havê-la por parte do Autor no acidente e consequentemente nos danos por si sofridos e que constam dos factos provados, haverá simultânea e comprovadamente culpa do Réu pelo que no caso em apreço não será de responsabilize apenas o Recorrente e afastar critério da repartição do dano, nos termos da segunda parte do n.º 1 do art. 570º do CC, pois, para além do mais, não se pode perder de vista a própria condição da vítima, decorrente da sua idade, ao tempo da produção do dano, nem pode valorar-se a sua conduta causal por critério igual ao que seria aplicável a um adulto, assim, mesmo concebendo-se a concorrência e repartição de culpas, atento o particular circunstancialismo do caso concreto deveria a sua atribuição ter como critério a diligência de um bom pai de família pelo que, carreados para a decisão todos os factos provados, considerado todo o circunstancialismo e aplicando os critérios prescritos pelo direito, a não se atribuir a totalidade da culpa ao Réu, deverá ser o mesmo considerado culpado, pelo menos, na proporção de 80% e obriga-lo a indenizar o Autor nessa medida.
Termos em que na procedência do recurso, deve revogar-se o acórdão recorrido, julgando-se a acção inteiramente procedente para que se faça JUSTIÇA».
*Contra-alegaram, separadamente, o réu e o Fundo de Garantia Automóvel, pugnando pela improcedência do recurso e conformação da sentença recorrida (cfr. fls. 438 a 452).
*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 453).
*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*II. Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) - Da verificação de uma relação de comissão, nos termos do art. 500.º, n.º 1 do Código Civil, entre o Autor/Recorrente e o 1º Réu/Recorrido.
ii) - Da direção efetiva do veículo do 1º Réu/Recorrido aquando da sua condução pelo Autor/Recorrente (art. 503º, n.º 1 do Cód. Civil).
iii) - Da imputabilidade do Autor/Recorrente, nos termos do art. 488.º do Cód. Civil e da culpa do 1º réu.
iv) - Da concorrência e repartição de culpas, ao abrigo do art. 570.º, n.º 1 do Cód. Civil.
*III.
Fundamentos IV. Fundamentação de facto.
A...
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