Acórdão nº 3872/19.9T8STS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES RELATÓRIO Apelante/insolvente: L. C..

Juízo local cível de Bragança (lugar de provimento de Juiz 1) – T. J. da Comarca de Bragança.

*Tendo-se o agora apelante apresentado a requerer fosse declarada a sua insolvência, deduziu o pedido de exoneração do passivo restante, nos termos dos artigos 235º e segs. do CIRE, declarando preencher todos os pressupostos de que depende a sua concessão e assumindo a obrigação de respeitar todas as condições que a exoneração envolve (nomeadamente as previstas nos artigos 237º a 239º do CIRE – logo alegando ser aposentado por invalidez, auferindo pensão de reforma com o valor mensal de 269,08€, e encontrar-se a cumprir pena de cinco anos e cinco meses de prisão desde Fevereiro de 2018).

A administradora da insolvência nada opôs ao deferimento do pedido de exoneração formulado, ao contrário de vários credores (designadamente o Banco …, SA, Sociedade Aberta, o .. Limited e a X – invocando este último ainda outros fundamentos para o indeferimento), argumentando que a situação de reclusão em que o insolvente se encontra (para cumprimento de pena de prisão superior a cinco anos) é incompatível com os requisitos e condições objectivas necessárias à aplicação do instituto.

O pedido de exoneração do passivo restante foi liminarmente indeferido por despacho que, reconhecendo não estar verificado qualquer dos fundamentos previstos no art. 238º, nº 1, do CIRE, para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelo insolvente, considerou que a situação pessoal em que o mesmo se encontra (reclusão para cumprimento de pena de prisão superior a cinco anos) o coloca na ‘impossibilidade de beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante’, por não poder cumprir as exigências resultantes do artigo 239º, nº 4, b) e c) do CIRE – com tais fundamentos, ao abrigo do disposto nos artigos 236º, nº 3, 237º, alínea b), e 239º, nº 4, alíneas b) e c), todos a contrario sensu, e 238º, nº 2, do CIRE, indeferiu liminarmente o pedido apresentado pelo insolvente, entendendo verificar-se uma ‘impossibilidade prática de ser liminarmente deferido ao requerente o pedido de exoneração do passivo restante’, pois que encontrando-se ele ‘preso desde 20.02.2018 em cumprimento de uma pena de 5 anos e 5 meses de prisão e atento o termo previsto da mesma (04.04.2023) – sendo uma incógnita se e quando irá beneficiar de liberdade condicional (os 2/3 estão previstos para 20.07.2021), desconhecimento esse que não se compadece com a necessidade de a verificação dos pressupostos dever ser feita agora –, está impossibilitado de cumprir as obrigações decorrentes, desde logo, e a nosso ver as mais importantes, a de “[e]xercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto” e a de “[e]ntregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão” (cfr. artigo 239.º, n.º 4, alíneas b) e c), do C.I.R.E.).’ Inconformado, apela o insolvente, pugnando pela revogação da decisão e sua substituição por outra que defira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: 1.

O presente recurso vem interposto do Despacho proferido pelo Tribunal a quo de Indeferimento da Exoneração de Passivo Restante do insolvente.

  1. O Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação do direito aplicável in casu, da concreta e real situação ocorrida, e não considerou a condição de invalidez e, portanto, inaptidão para trabalho, do Insolvente; 3.

    Decidiu o tribunal a quo que, dada a situação de reclusão do Insolvente e “…pese embora inexista qualquer dos fundamentos previstos no artigo 238.º, nº 1, do C.I.R.E. para o indeferimento liminar, a condição pessoal em que actualmente se encontra o requerente coloca-o na impossibilidade de beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante, não podendo ser considerada a declaração feita nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 3, do C.I.R.E de que “preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes”.

  2. E que, “face à impossibilidade de o requerente exercer uma profissão remunerada, procurar diligentemente tal profissão quando desempregado e entregar ao fiduciário uma parte dos seus rendimentos objecto de cessão, não poderá o tribunal jamais proferir despacho inicial condenando aquele a observar as condições previstas no artigo 239.º e sequer fixando o rendimento disponível que o devedor venha a auferir, desconhecendo-se se isso alguma vez ocorrerá no quinquénio que, a ser-lhe deferido, seria de 2020-2025” 5.

    Concluindo que “… ao abrigo do disposto nos artigos 236.º, n.º 3, 237º, alínea b) e 239º, nº 4, alíneas b) e c), todos a contrario sensu, e 238.º, n.º 2 do C.I.R.E. decido indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo insolvente.” 6.

    No seu requerimento de apresentação à Insolvência, insolvente informou o Tribunal de que “é aposentado por invalidez, auferindo de uma pensão mensal líquida de € 269,08”, juntando para o efeito, documento comprovativo emitido pelo Centro nacional de Pensões, em 29.12.2017.

  3. O Insolvente padece de uma incapacidade de 70% que afecta a sua mobilidade, em especial ao nível dos membros inferiores e superiores e que inviabilizam praticamente qualquer actividade profissional, sendo portanto inapto para trabalhar.

  4. O Douto Tribunal a quo, parte do princípio de que, alguém que se encontra detido jamais poderá beneficiar do instituto da exoneração do passivo, pelo facto de se estar impedido de cumprir o requisito da al. b) do nº 4 do art. 239.º do CIRE, o qual prevê como obrigação do Insolvente: “Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;” 9.

    Ora, o Insolvente/Recorrente é um homem de 50 anos reformado por invalidez que, portanto, não concluiu o tempo mínimo de trabalho ou descontos para aquele efeito, mas a quem a lei conferiu o direito a uma reforma por invalidez, pelo facto de, dadas as suas limitações estar incapaz para trabalhar.

  5. Salvo melhor opinião, não pode agora o tribunal a quo, arbitrariamente vir dizer que o Insolvente não se encontra, por se encontrar a cumprir uma pena de prisão, capaz de preencher os requisitos do n.º 4 do art. 239 do CIRE por estar detido.

  6. Note-se que, antes mesmo de se apresentar à insolvência, o recorrente já não tinha sequer qualquer capacidade para trabalhar, porque padece de uma incapacidade que o considera inválido, inapto, para tal.

  7. Acresce que, ainda que assim não fosse, sempre seria censurável a decisão do Tribunal a quo, porque o Insolvente completaria os 2/3 de pena em 20.07.2021 e, como o despacho de indeferimento de exoneração de passivo, só agora foi proferido, com grande probabilidade, dentro de cerca de nove meses estaria apto a iniciar a sua vida activa e a procura de emprego; 13.

    De salientar, e reforçando a conclusão anterior, o facto de o Insolvente se encontrar actualmente a beneficiar de Licença de saída Administrativa Extraordinária, nos termos do previsto no art. 4.º da Lei 9/2020 de 10.04 datando a última renovação da LSAE de 02.09.2020, com base no disposto do art. 62 do Código Penal, desde 20.07.2020.

  8. Também, por outro lado, o despacho ora em crise encontra-se manifestamente ferido de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos números 1 e 2 do art. 13º da CRP, uma vez que prejudica e priva de um direito o Insolvente em razão da sua condição social, conferindo-lhe uma diferente dignidade social e desigualdade perante a lei, pelo facto de se encontrar detido.

  9. Ora, salvo o devido respeito, nem inexistência de rendimentos ou de forma de os obter faz parte das causas de indeferimento liminar, enumeradas nas diversas alíneas do nº 1 do art. 238º do CIRE, nem o facto de um insolvente se encontrar detido é impeditivo de trabalhar uma vez que muitos reclusos trabalham, e são por tal remunerados, nos respectivos...

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