Acórdão nº 47/21.3T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (seguindo de perto o elaborado na 1ª instância).

T. B. e marido J. A. intentaram o presente procedimento cautelar comum contra H. P., tendo em vista que este seja intimado para: a) Retirar, de imediato, o veículo automóvel de marca Ford, cor branca, com matrícula FM, que estacionou no caminho de consortes, a ocupar parte do leito deste caminho de consortes, deixando o caminho de consortes livre e desimpedido, em toda a sua largura, extensão e comprimento, para que a requerente possa por ali aceder aos seus prédios rústicos, proveniente da via pública e aceder a esta proveniente dos seus imóveis, designadamente com máquinas, tractores e carrinhas de caixa aberta; b) Se abster de, por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir, prejudicar o uso, gozo e fruição pela requerente do seu direito de compropriedade sobre o caminho de consortes e de propriedade sobre os seus prédios rústicos.

Para o efeito, alegaram que são proprietários de três prédios rústicos aos quais acedem a partir da via pública através de um caminho de consortes, o qual está a ser parcialmente ocupado pelo requerido que nele estacionou um veículo automóvel, não obstante carecer de qualquer título que o legitime, situação que impede os requerentes de acederem aos prédios rústicos com máquinas, tratores e viaturas automóveis, nomeadamente de caixa aberta, e por isso os impede de granjear e cultivar os prédios com a sua consequente degradação.

Mais pretendem aproveitar o apoio financeiro na ordem dos € 29.713,76 que conseguiram ao ver aprovada a sua candidatura ao programa Vitis 2020/2021 para plantação de vinha por reconstituição, mediante o cumprimento de determinados prazos e requisitos; para o efeito, até 30/4/2021 terão de proceder aos arranques, e até 30/6/2021 terão de ter os trabalhos concluídos, estando assim na iminência de perder a ajuda financeira por falta de acesso aos prédios que impede os trabalhos. Além disso necessitam de podar as árvores e recolher a lenha em fevereiro, antes da floração de março. Finalmente, os requerentes alegam que a conduta do requerido lhes causa lesão difícil de reparar, porque, mesmo com a instauração de uma ação, decorrerão anos sem que possam entrar e sair dos seus prédios com máquinas, tratores e carrinhas de caixa aberta pelo caminho de consortes.

Os requerentes atribuíram à ação o valor de € 5.000,01.

Juntaram documentos.

*Pelo Tribunal “a quo” foi proferido o seguinte despacho liminar: “Sucede, todavia, que a referida argumentação não consubstancia a alegação de quaisquer factos demonstrativos da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, condição essencial ao decretamento da providência cautelar requerida, de harmonia com o que dispõem os artigo 362.º e 368.º do Código de Processo Civil.

Da conjugação do disposto nas citadas disposições legais, resulta que o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: a) A probabilidade séria da existência de um direito (fumus boni iuris); b) O fundado receio de que outrem cause lesão grave e difícilmente reparável ao direito (periculum in mora); c) A inexistência de providência cautelar especificada que acautele o risco de lesão; d) A adequação da providência solicitada para evitar a lesão; e) O prejuízo resultante para o requerido do decretamento da providência não deve exceder consideravelmente o dano que com ela se quer evitar.

Foquemos, desde já, a atenção sobre a existência de alegação de um periculum in mora.

Todas as providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção (n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil).

Se para a verificação do primeiro pressuposto é suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado - fumus boni iuris -, atenta a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal, já quanto à gravidade da lesão e à dificuldade da respectiva reparação são as exigências de prova bem maiores, devendo esta conduzir à formação de um juízo de maior certeza.

Significa isto então que deve verificar-se um prejuízo substancial, grave e de difícil reparação, sendo que, estando em causa apenas danos patrimoniais, o critério deve ser ainda mais exigente, uma vez que eles são passíveis de reparação na acção principal, seja através de reconstituição natural seja através de indemnização por mero equivalente pecuniário.

A este propósito, alegam os requerentes que, por causa da actuação dos requeridos, não poderão entrar nos seus prédios rústicos para os cultivarem e perderão o apoio financeiro que conseguiram ver aprovado.

Ora, o quadro factual alegado não permite concluir pela existência de prejuízos graves decorrentes da actuação do requerido, mas apenas concluir pela ausência de proveitos económicos decorrentes da falta de execução dos trabalhos necessários à obtenção de financiamento para a plantação da vinha e da falta de cultivo dos prédios rústicos, os quais sempre poderão ocasionar o direito a uma indemnização a pagar pelo requerido, não bastando alegar que a acção a propor para esse efeito demorará anos.

Falta, portanto, em absoluto, a alegação de factos que sustentem a existência de uma lesão dificilmente reparável.

Assim sendo, não se vislumbra a existência do fundado receio de que o direito de que os requerentes se arrogam sofra lesão grave e de difícil reparação, requisito essencial para que se possa decretar a providência, tanto mais que, nessa matéria, nada de relevante foi alegado.

Ora, sendo os pressupostos do decretamento da providência cautelar prescritos pelo artigo 362.º do Código de Processo Civil de verificação cumulativa e não tendo sido alegados factos tendentes a demonstrar a existência de um periculum in mora, impõe-se, desde logo, a conclusão de que nunca o presente procedimento cautelar poderá ser procedente.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefiro a requerida providência cautelar.

*Condeno os requerentes no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto nos artigos 527.º e 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Fixo à causa o valor de € 5.001,00, nos termos do disposto nos artigos 297.º, 304.º, n.º 3, alínea d), e 306.º do Código de Processo Civil.”*No despacho de admissão de recurso o Tribunal pronunciou-se pela não verificação de qualquer nulidade nos seguintes termos: “I.

Da nulidade do despacho liminar proferido Os recorrentes concluem nas suas alegações de recurso, para além do mais, que o despacho liminar proferido é nulo nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

De acordo com o referido preceito legal a sentença é nula seja quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Sustentam os recorrentes que o despacho que liminarmente indeferiu a requerida providência cautelar é nulo pelos seguintes motivos: - Não declarou quais os factos considerados provados e não provados; - Não analisou criticamente as provas, indicando as ilações dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; - Não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida.

Entendemos, porém, que a apontada omissão de fundamentação não existiu. Desde logo, porquanto a decisão do Tribunal se estribou na circunstância de não terem sido alegados pelos requerentes factos que permitam, uma vez considerados os mesmos provados, fundar o decretamento da requerida providência cautelar.

Com efeito, lê-se no despacho objecto de recurso, após se exporem os factos alegados pelos requerentes: “Sucede, todavia, que a referida argumentação não consubstancia a alegação de quaisquer factos demonstrativos da existência de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito, condição essencial ao decretamento da providência cautelar requerida, de harmonia com o que dispõem os artigos 362.º e 368.º do Código de Processo Civil.” A decisão liminar continua, identificando quais os pressupostos fácticos exigidos pelas normas legais aplicáveis e explicando que o pressuposto da alegação de um periculum in mora se encontra ausente do requerimento apresentado: “Todas as providências cautelares têm como objectivo a garantia do efeito útil da acção, prevenindo a ocorrência ou a continuação de danos ou antecipando efeitos que as medidas definitivas buscam, por forma a evitar o periculum in mora, traduzido no fundado receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito que se pretende acautelar com a delonga da acção (n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil).

Se para a verificação do primeiro pressuposto é suficiente a prova sumária ou um simples juízo de verosimilhança da existência do direito ameaçado - fumus boni iuris -, atenta a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade em relação à acção principal, já quanto à gravidade da lesão e à dificuldade da respectiva reparação são as exigências de prova bem maiores, devendo esta conduzir à formação de um juízo de maior certeza.

Significa isto então que deve verificar-se um prejuízo substancial, grave e de difícil reparação, sendo que, estando em causa apenas danos patrimoniais, o critério deve ser ainda mais exigente, uma vez que eles são passíveis de reparação na acção principal, seja através de reconstituição natural seja através de indemnização por mero equivalente pecuniário.

A este propósito, alegam os requerentes que, por causa da actuação dos requeridos, não poderão entrar nos seus prédios...

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