Acórdão nº 5124/20.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO A. & A., LDA., veio requerer contra X, LDA., procedimento cautelar de Ratificação de Embargo de Obra Nova, que efectuou extrajudicialmente, alegando, em síntese: – A requerida encontra-se a construir um edifício novo, composto por dois pisos acima da cota de soleira, que substitui um posto de transformação eléctrica outrora existente, contíguo à fachada lateral direita do edifício de sua propriedade, da qual dista 1,78 m de janelas aí existentes, que obsta ao arejamento e iluminação natural e violando várias disposições do PDM e do RGEU, como os parâmetros envolventes e a distância para edifícios. Face à inércia do município, no dia 16 de Outubro a Requerente embargou extrajudicialmente, notificando o responsável da obra para não a continuar, o que não aconteceu.

Mais requer a inversão do contencioso.

*A requerida, devidamente notificada, veio deduzir oposição, invocando, além do mais, a caducidade do direito de efectuar ou requerer o embargo da obra, pois, como a requerente admite no requerimento inicial, há mais de um ano que tem conhecimento da obra, tendo apresentado reclamações na Câmara Municipal ... em 8.8.2019 e em 3.3.2020, sendo que a obra se iniciou em Janeiro de 2020.

Impugna ainda os alegados prejuízos e violações das disposições legais.

*A Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a matéria de excepção e ainda, tal como a requerida, “para requererem o que tiverem por conveniente relativamente à necessidade de produção de prova testemunhal/depoimentos”.

*A Mmª juiz “a quo”, por entender “estarem provados os factos essenciais por acordo e não impugnação dos documentos juntos, e ainda que fosse produzida prova – sobre o início das obras e notificação – não alteraria a decisão a ser proferida”, dispensou a produção de outra prova e proferiu sentença em que decidiu: Face ao exposto, julgando o procedimento cautelar improcedente, indefiro o presente procedimento cautelar de embargo. Custas pela Requerente (artigo 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

*Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1. A Sociedade Recorrente é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., da freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ….

Por sua vez, 2. A Requerida é dona e legitima proprietária do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.º …, da freguesia de ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...-N, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ....

Sucede que, 3. Após a consulta do processo de obras n.º 300/16, relativo ao alvará de construção n.º 136/18, na Câmara Municipal ..., a Recorrente tomou conhecimento de que estava prevista a construção de um edifício novo, composto por dois pisos acima da cota da soleira, que substitui um posto de transformação outrora existente, contiguo à fachada lateral direita do edifício da propriedade da Recorrente.

  1. Tendo a Recorrente tomado consciência dos prejuízos que tal obra nova acarretaria na sua esfera jurídica, expôs a mesma junto da Câmara Municipal ... a 08.08.2019 e a 03.03.2020 esta situação, sem que, contudo, obtivesse os efeitos pretendidos.

    Em consequência, 5. E não podendo a Recorrente mais tolerar a ingerência que tal obra implica na sua esfera jurídica, nomeadamente, no seu direito de propriedade, bem como a ilicitude em que tal obra nova se arrima, procedeu a mesma, a 16 de outubro de 2020, ao Embargo Extrajudicial da Obra nova.

    Todavia, 6. E por ocasião da sentença proferida pelo tribunal a quo, foi o pretenso procedimento cautelar julgado improcedente, tendo sido indeferido, sustentado a sentença recorrida a sua posição na circunstância de “A obra embargada não viola[r] o direito de propriedade ou qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou da sua posse [diga-se, da Recorrente]”.

  2. Entendendo o tribunal a quo que, em causa, estavam “direitos de personalidade reflexos”, não se achando, por isso, segundo o seu entendimento, violado o direito de propriedade da Recorrente para que, em consequência, pudesse ser decretado o procedimento cautelar, tal qual pretendido.

    Pois bem, 8. Conforme assevera Luís Menezes Leitão, “É comum definir a propriedade como o direito real máximo, quer no sentido de ser o direito real com maior conteúdo possível, quer no sentido de ser o mais importante dos direitos”, Direitos Reais, 6ª Edição, Coimbra, Almeida, 2017, p.263.

  3. Em abono da verdade, é este direito real tido como “máximo” alvo de proteção constitucional, designadamente mediante a proteção que lhe é conferida pelo art. 62º da C.R.P., e de onde se alcança que “A todos é garantido o direito à propriedade privada e À sua transmissão em vida ou por morte (…)”.

  4. Em consequência da proteção constitucional conferida ao direito de propriedade, está em causa, como denota João Pacheco de Amorim, “Direito de Propriedade Privada e Garantia constitucional da propriedade de meios de produção”, in Boletim de Ciências Económicas – Homenagem ao Prof. Doutor António Avelãs Nunes, 2014, p. 226, “(…) o direito de usar e fruir a propriedade, por ser ele indissociável do direito fundamental em causa”.

  5. Pois bem, a este respeito, embora inerente a um circunstancialismo distinto, foi o Tribunal da Relação do Porto, por ocasião do acórdão proferido no âmbito do proc. N.º 10054/07.3TBVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt., perentório em ressalvar que “(…) também se insere nos direitos dos proprietários de um imóvel, o direito à insolação recebendo a luz e o calor do sol (…)”.

  6. O que se entende, conquanto que se assim não fosse, não poderia o proprietário de qualquer imóvel fazer um uso exclusivo e elástico – caraterísticas estas inerentes ao direito real em esmiúço – do seu direito, tendo que tolerar, ao invés, eventuais ingerências injustificadas na sua esfera jurídica.

  7. Isto posto, cabe salientar que a obra nova que se encontra a ser erigida com os contornos supra descritos, nomeadamente, pelo facto de apresentar uma altura de fachada superior ao do imóvel que lhe precede, reduz e torna ineficiente a iluminação a acontecer por via...

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