Acórdão nº 259/14.6TBBRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Março de 2021
Magistrado Responsável | ALEXANDRA MARIA VIANA PARENTE LOPES |
Data da Resolução | 18 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – Relatório.
Os executados J. P.
e M. C.
deduziram embargos de executado, por apenso à execução que lhes foi movida e a outros são executados pela Caixa …, embargos nos quais: 1.
Os embargantes/executados pediram a extinção da ação executiva, invocando uma “inexigibilidade do título executivo”: por prescrição da obrigação cambiária exequenda, por terem decorrido mais de três anos entre a data do vencimento da livrança e a data da sua citação para a execução; por declaração de insolvência da subscritora da livrança (a sociedade comercial “X, S.A”), por sentença de 3 de outubro de 2013, proferida nos autos nº 6034/13.8TBBRG, do J2 do Juízo Local Cível da Comarca de Braga, com créditos reclamados e reconhecidos em 2014 por sentença (que presumivelmente incluem os da aqui exequente), com garantia de grande parte deles pela liquidação do ativo patrimonial da insolvente (que ainda corre seus termos e engloba diversos imóveis), razão pela qual a embargada deveria ter reclamado o seu crédito perante a massa insolvente (como certamente o fez), devendo os direitos de crédito sobre esta ser exercidos no próprio processo de insolvência e contra a massa insolvente, com preclusão do exercício do direito nos tribunais comuns contra as pessoas jurídicas declaradas insolventes.
2.
A exequente contestou os embargos, defendendo: que o direito não estava prescrito, por o prazo de prescrição ter ocorrido 5 dias depois da propositura da ação, nos termos do art.323º/2 do C. Civil; que a pendência de insolvência contra a subscritora da livrança não impede a execução contra os avalistas, nos termos do art.88º/1 do CIRE, e que um plano de insolvência da insolvente também não afeta o direito contra os codevedores, nos termos do art.217º/4 do CIRE.
3.
A 27.01.2020 foi proferido o seguinte despacho: «Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que os presentes embargos reúnem já todos os elementos para conhecer do mérito da causa, sem necessidade de ulterior produção de prova.
Assim, a fim de se evitar uma decisão surpresa, e considerando o princípio da adequação formal, notifique os Ilustres Mandatários das partes para querendo se pronunciarem, nomeadamente para, se entenderem ser necessário, relativamente à convocação da realização de audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artº. 591º, nº 1, al. b), segunda parte, do C.P.Civil.».
4.
Os embargantes declararam não se oporem à convocação da audiência prévia.
5.
A 6.10.2020 foi proferido despacho saneador que julgou os embargos totalmente improcedentes, por o prazo de prescrição se ter interrompido nos termos do art.323º/2 do C. Civil, por a insolvência da subscritora não afetar a responsabilidade dos avalistas, sem prejuízo de atendimento oportuno na execução dos pagamentos que possam eventualmente vir a ser feitos ao credor no processo de insolvência.
6.
Os embargantes interpuseram recurso do saneador-sentença referido em I-3, apresentando as seguintes conclusões: «1ª – O presente recurso vem interposto do douto Despacho Saneador proferido pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1,que julgou os Embargos deduzidos pelos Executados, ora Apelantes, totalmente improcedentes; 2ª – O título executivo com base no qual foi instaurada a execução principal consubstancia uma livrança avalizada pelos Apelantes, vencida em 13/11/2013, sendo certo que o respetivo prazo de prescrição é de três anos após o seu vencimento, ao abrigo do disposto no art. 70.º, ex vi art. 77.º e 78.º, 1º parágrafo, todos da Lei Uniforme das Letras e Livranças; 3ª – O normativo do nº 1 do art. 323.º do Código Civil determina que a prescrição apenas se interrompe com a citação ou a notificação judicial do Executado; Por sua vez, 4ª – O nº 2 do mesmo art. 323.º consagra a obrigatoriedade do Exequente requerer expressamente a citação ou a notificação judicial do Executado e que, apenas no caso de não se concretizarem tais atos no prazo de cinco dias, por causa não imputável ao primeiro, é que o prazo de interrompe no 5ª dia após a interposição daquele requerimento; De facto, 5ª – Ao contrário do que o Tribunal recorrido julga, a intenção do legislador, ao consagrar o normativo do art. 323.º do Código Civil, foi, designadamente, a de impor ao Exequente a obrigação de requerer sempre a citação ou notificação do Executado, quando pretende exercer o seu direito, para lhe dar conhecimento dessa mesma pretensão; Sendo certo que, 6ª – Embora a forma sumária da ação executiva não preveja a citação prévia dos Executados, como sucede no caso concreto, a lei processual civil faculta outros meios para a notificação do Executado, compatíveis com essa forma de processo, como a citação urgente (cfr. art. 561.º do Código de Processo Civil) ou a notificação judicial avulsa (cfr. art. 79.º do mesmo diploma legal); Assim, 7ª –O entendimento do Tribunal “a quo” não tem o mínimo de correspondência verbal com o texto vertido no enunciado art. 323.º, contrariando mesmo a intenção do legislador, pelo que viola manifestamente as regras da interpretação legal consagradas no art. 9.º do Código Civil; Acresce que, 8ª – Contrariamente ao sucedido, além do dever de requerer a citação ou notificação judicial dos Executados, a Exequente encontrava-se também obrigada a praticar todos os demais atos processuais tempestivamente, para que o atraso na notificação daqueles não lhe fosse, de modo algum, imputável; Em primeiro lugar, 9ª – A Apelada podia haver nomeado bens dos Executados à penhora no momento da interposição do requerimento executivo (cfr. art. 724.º, nº 1, alínea i) do Código de Processo Civil), o que não concretizou; Acresce que, 10ª – A Apelada não remeteu o original do título executivo para o Tribunal nos 10 dias subsequentes à distribuição da ação executiva, juntando apenas cópia certificada do mesmo, mais de um mês após a citada distribuição, contrariamente ao estatuído no nº 5 do supra mencionado art. 724.º; Por outro lado, 11ª – A Exequente podia e devia haver requerido a citação dos Executados para indicação dos seus bens penhoráveis, ao abrigo do art. 855.º, nº 4 do Código de Processo Civil, verificando que, três meses após a interposição do requerimento executivo, a Agente de Execução não havia concretizado, ainda, qualquer penhora, o que também não efetuou; Além do mais, 12ª – Aproximando-se o final do prazo da prescrição da ação cambiária, em 13/11/2016, a Apelada podia e devia haver requerido a citação urgente ou mesmo a notificação judicial avulsa dos Executados, pelo menos cinco dias antes dessa data (cfr. arts. 561.º e 79.º do Código de Processo Civil); Por tudo o exposto, 13ª – A Apelada foi manifestamente negligente na defesa do seu alegado direito, uma vez que, além de não haver requerido qualquer notificação dos Executados, o atraso na sua citação é-lhe, também, imputável, devido à sua absoluta inércia processual; Com efeito, 14ª – Não se verifica, in casu, qualquer causa de interrupção do prazo prescricional, pelo que o título executivo é inexequível, por haver prescrito no dia 13/11/2016; Não obstante, 15ª – Admitindo-se, por hipótese meramente académica, que o prazo de prescrição se interrompeu em 13/01/2014, cinco dias depois da interposição do requerimento executivo, como determina o Tribunal “a quo”, é certo que novo prazo de três anos reiniciou a sua contagem nessa mesma data (cfr. art. 326.º, nº 1 do Código Civil); Ora, 16ª – Nos três anos subsequentes à citada interrupção da prescrição, a Apelada nada requereu, nem a citação, nem a notificação judicial dos Executados, nem estes foram citados ou notificados, pelo que não se verificou qualquer nova causa de interrupção da prescrição; Para além disso, 17ª – Resultando a interrupção do prazo prescricional duma ficção, e não da citação ou notificação judicial dos Executados, não se aplica o regime excecional do nº1 do art. 327.º do Código Civil; Com efeito, 18ª – Jamais se pode admitir que a prescrição da ação cambiária haja ocorrido depois do dia 13/01/2017, prescrição que, por mera cautela de patrocínio e a título subsidiário, os Apelantes vêm arguir expressamente e para todos os efeitos legais (cfr. art. 303.º do Código Civil); Sem prejuízo, 19ª – O Tribunal “a quo” não admite a relevância da prova do pagamento do crédito no processo de Insolvência da sociedade avalizada para o conhecimento do mérito da causa dos presentes, por entender que, sendo a obrigação do avalista autónoma da do avalizado perante o portador da livrança, aquele está sempre obrigado a liquidar a quantia em dívida quando interpelado para o efeito; Contudo, 20ª – Os Apelantes, enquanto avalistas, são apenas garantes da obrigação cambiária, sendo responsáveis da mesma forma que a firma avalizada (cfr. art. 32.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças); Consequentemente, 21ª – A extinção da obrigação cambiária da firma avalizada, por pagamento do crédito titulado na livrança, extingue, simultaneamente, a obrigação cambiária dos avalistas; Pelo que, 22ª – Os avalistas podem sempre invocar a exceção do pagamento contra o credor portador da livrança, sendo esse um fundamento para a dedução dos Embargos pelos Apelantes, ao abrigo do art. 729.º, alínea e), ex vi art. 731.º do Código de Processo Civil; Acresce que, 23ª – A invocada exceção do pagamento deve ser objeto de decisão nos presentes, devendo a Apelada, para o efeito, esclarecer, no próprio apenso dos Embargos, se reclamou o seu crédito junto dos citados autos de Insolvência, e se o mesmo foi já, global ou parcialmente, liquidado pela massa insolvente; Porquanto, 24ª – Apenas esse esclarecimento permite ao Tribunal confirmar o valor efetivo do crédito exequendo e, consequentemente, decidir, de forma precisa e adequada, do mérito da causa; Pelo exposto, 25ª – Jamais podia o Tribunal “a quo” conhecer liminarmente do mérito da causa e, muito menos, pronunciar-se pela improcedência dos Embargos, sem antes apreciar toda a matéria de facto indispensável ao apuramento da verdade...
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