Acórdão nº 6777/19.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES *Intentou a requerente processo especial de acompanhamento de maior pretendendo que, por razões de saúde, fosse decretado o acompanhamento da beneficiária (requerida), sua mãe, com nomeação de acompanhante e decretamento medida de acompanhamento, alegando para tanto factualidade tendente a demonstrar que face ao seu estado de saúde mental (sua afectação por patologias do foro psíquico - com ‘episódios de descontrolo emocional, comportamentos disruptivos, crises ansiosas como interna activação neurovegetativa e episódios conversivos), agravado (ao que conseguiu apurar a requerente – sustenta estar impedida pela sua irmã, que dela vem cuidando, de contactar a requerida) após o divórcio, necessitando de constante supervisão, estando completamente prejudicados o seu ‘funcionamento social e autonomia’, encontrando-se ‘impossibilitada de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos e cumprir os seus deveres’.

Citada (na sua pessoa), apresentou-se a requerida a contestar, sustentando a improcedência da acção e pedindo a condenação da requerente em multa e indemnização como litigante de má-fé por alegar factos que sabe serem falsos, com o objectivo de impedir que a requerida proceda à gestão do seu património.

Citado o Ministério Público, procedeu-se à audição da requerida (fazendo-se constar, finda a audição, ter a requerida mostrado entendimento das questões e respondendo a todas as colocadas) e à realização de exame pericial, neste se concluindo não apresentar a requerida ‘antecedentes psiquiátricos nem patologia psiquiátrica’, apresentando um ‘Exame de Estado Mental normativo para a sua faixa etária’, demonstrando, apesar ‘do discreto comprometimento da memória recente e de alguma dificuldade em valorizar simbolicamente bens de elevado valor’, ser ‘capaz de gerir a sua pessoa e bens’, não existindo ‘critérios, por enquanto, que justifiquem a atribuição de medida de Maior Acompanhado’.

Notificado o relatório, apresentou-se a requerida (sustentando que o mesmo confirmava estar na posse das suas faculdades mentais, como sempre afirmara nos autos e como pudera ser comprovado pelo tribunal aquando da sua audição) a alegar existir nos autos evidência técnico-científica que permitia, com total segurança, concluir pela sua capacidade para reger a sua pessoas e bens, defendendo (e impetrando) dever a acção ser decidida com dispensa da produção de quaisquer outras, por desnecessárias.

Convidados para se pronunciarem sobre o assim requerido, mantiveram-se, a propósito, revéis a requerente e o Ministério Público.

Para tanto expressamente convidada pelo tribunal, pronunciou-se a requerente sobre a sua litigância de má-fé – alegou preocupar-se (como sempre) com o bem-estar da requerida, pelo que em razão do impedimento de com ela contactar, porque sabedora das doenças de que a mesma padece e por lhe ter chegado ao conhecimento que a mesma se encontraria nas condições alegadas na petição, importava, se tal correspondesse à verdade (e na impossibilidade de verificar do seu estado in loco) a tomada de providências, entendendo nesse sentido ser a presente acção o meio processual próprio, não lhe podendo ser imputado qualquer tipo de má-fé.

Por entender fornecerem os autos os elementos probatórios indispensáveis à prolação da decisão de mérito (assim dispensando a produção doutras provas requeridas pelas partes, mormente testemunhais), proferiu o Exmo. Juiz sentença julgando improcedente a acção e condenando a requerente como litigante de má-fé em setenta e cinco UC de multa e no pagamento à requerida de indemnização no montante de três mil euros.

Apela a requerente, terminado as suas alegações formulando as conclusões que se transcrevem: 1.ª Versa o presente recurso de facto e de direito, e vem interposto da douta sentença de 11/11/2020, que julgou improcedente a acção, e em consequência não decretou qualquer medida de acompanhamento da requerida e condenou a Recorrente com litigância de má fé em setenta e cinco UC’s de multa e no pagamento à requerida duma indemnização no montante de três mil euros.

  1. Salvo o devido respeito entende a Recorrente entende que o tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria de facto por omissão de diligência de inquirição de testemunhas e por não ter solicitado os registos clínicos da requerida às entidades indicadas no seu requerimento inicial.

  2. Tal omissão de diligências de prova afecta o julgamento da matéria de facto por défice instrutório.

  3. Em face do exposto, a decisão recorrida está inquinada de erro de julgamento, por deficiente juízo valorativo da dispensa de prova testemunhal e documental, pelo que, deverá a decisão recorrida ser anulada, possibilitando à Recorrente o cumprimento do ónus que lhe incumbe, e ser proferida nova decisão de acordo com o julgamento da matéria de facto que vier a ser feito.

  4. Poroutrolado,insurge-se aRecorrentequanto àapreciação da matéria de direito, feita pela Meritíssima Juiz a quo, no que respeita à litigância de má fé, entendendo que, não resultou dos autos que a Recorrente agiu com intenção (dolosa) de falsear a verdade dos factos e deduzir uma pretensão sem qualquer fundamento.

  5. In casu, como foi referido pela Recorrente no requerimento inicial, e mais tarde no contraditório que exerceu quanto à litigância de má fé, a Recorrente não inventou quaisquer factos relativos ao dia a dia da sua mãe, antes sim limitou-se a descrever na petição inicial os factos que advieram ao seu conhecimento por terceiros, alicerçando-se aindanuma informaçãoclínica junta com a p.i. sob o documento n.º 3 junto onde constava que “ a Requerida sofre de episódios de descontrolo emocional, comportamentos distruptivos, crises ansiosas com interna activação neurovegetativa e episódios conversivos.” 7.ª Para o efeito de comprovar os factos narrados na p.i., a Recorrente arrolou testemunhas e requereu que fossem juntos elementos clínicos da Requerida, testemunhas essas que não foram inquiridas, e elementos clínicos que não foram solicitados, mas que certamente comprovariam aqueles factos.

  6. Assim a Recorrente não agiu com intenção dolosa de falsear a verdade dos factos, nem de deduzir uma pretensão sem qualquer fundamento, não havendo fundamento legal para a sua condenação como litigante de má fé.

  7. Sem prescindir, entende a Recorrente que a multa aplicada e a indemnização por litigância de má fé, é manifestamente excessiva, injusta e desproporcional.

  8. Quanto à multa estabelece o artigo 27.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais que o seu montante é fixado tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

  9. Mas a multa sendo um tipo de sanção deverá sempre obedecer aos princípios de adequação e proporcionalidade, o que, salvo o devido respeito, nãoaconteceunacondenaçãodaRecorrente, pois amesmafoi condenada em 75 UCS.

  10. Ora, a Meritíssima Juiz a quo não tomou conhecimento nem ponderou a situação económica da Recorrente e a repercussão da condenação no património destes, conforme se verifica da fundamentação ou da falta da mesma nestes pontos, pelo qual violou a douta sentença o disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., nulidade que se invoca para os legais e devidos efeitos.

  11. No que respeita à indemnização no valor de três mil euros, entende a Recorrente que o montante da indemnização não é equitativo, sendo injusto e desproporcional, sendo que um quantum indemnizatório, observando os critérios de razoabilidade, proporcionalidade, a ajustado ao caso concreto, devia ser reduzido, por prudente arbítrio, para um valor global não superior a 1.000,00 €.

  12. Em face do exposto, deve julgar-se procedente o recurso, devendo a douta sentença recorrida ser anulada, pela falta de inquirição das testemunhas, e ser proferida nova decisão de acordo com o julgamento da matéria de facto que vier a ser feito. Ou sem prescindir, deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C. Ou ainda caso assim não se entenda a sentença incorre em erro na apreciação da matéria de facto e em erro de apreciação da matéria de direito, em violação dos artigos 542.º e 543.º do CPC, e artigo 27.º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, devendo por conseguinte ser revogada.

Contra-alegaram a requerida e o Ministério Público em defesa da sentença recorrida sustentando a improcedência da apelação, defendendo a integral manutenção da decisão e a adequação e justeza da condenação da apelante enquanto litigante de má-fé (argumentando a requerida que o montante indemnizatório arbitrado fica muito aquém dos danos que sofreu em consequência da propositura da presente acção).

*Colhidos os vistos, cumpre decidir *Do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, podem enunciar-se as questões decidendas como segue: - do erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto decorrente da omissão da diligência de inquirição de testemunhas e da solicitação de informação clínica, - da litigância de má-fé da requerente apelante, incluindo do doseamento (medida concreta) da multa e do montante indemnizatório fixados.

*FUNDAMENTAÇÃO*Fundamentação de facto Na decisão recorrida consideraram-se: Factos provados: 1º- A autora é filha da requerida.

  1. - A requerida, divorciada, nasceu no dia -/12/1943.

  2. - A requerida vive com a filha C., irmã da requerente.

  3. - A requerida não apresenta antecedentes psiquiátricos nem doença ou patologia do foro psiquiátrico.

  4. - A requerida apresenta um quadro mental normal para a sua idade.

  5. - A requerida está capaz de gerir a sua pessoa e bens.

  6. - A requerida conhece o dinheiro.

  7. - A requerida tem noção do valor simbólico do dinheiro para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT