Acórdão nº 3802/20.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO X - Indústrias Têxteis, S.A.

intentou a presente acção de reivindicação, sob a forma de processo comum, contra Junta de Freguesia de ..., ...

(Guimarães), pedindo a condenação da Ré: a) a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a parcela de terreno identificada nos artºs 1º e 2º da petição inicial; b) a restituir à A. a dita parcela de terreno.

Para fundamentar a sua pretensão, a A. alega, em síntese, que é legítima proprietária e possuidora do prédio urbano sito no Lugar …, inscrito na matriz urbana da Freguesia de ... (...), concelho de Guimarães, sob os artigos … e …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº. .../19920317, correspondendo tal descrição predial a um edifício de cinco pisos e logradouro e outro de três pisos, anexo e logradouro, e tem as confrontações indicadas no artº. 2º da petição inicial.

Dos documentos juntos aos autos resulta que: - Esta descrição sob o nº. ..., tem origem na descrição n.º … da mesma Conservatória; - Esta última descrição anexou as descrições n.ºs … e … da mesma Conservatória; - Esta última descrição anexou parte da descrição n.º …, com uma área de 1.750 m2, da mesma Conservatória; - Em 26 de Julho de 1967, a A. adquiriu a J. J. e F. F., por compra e venda, um terreno destinado a construção, com a área de 5.700 m2, situado no Lugar …, Freguesia de ... (...), concelho de Guimarães, a confrontar do Norte com eles vendedores e dos demais lados com a Estrada Camarária, dos quais 1.750 m2 corresponde a igual área desanexada do prédio descrito sob o n.º … da mesma Conservatória.

Há mais de 10 anos, a A., tendo em vista a facilitação da fluidez do trânsito nas artérias que envolvem o seu prédio, cedeu ao domínio público uma parcela de terreno destinada à criação de uma nova artéria viária, com 40 metros de comprimento e 13,8 metros de largura, parcela essa localizada no lado Nascente daquele prédio, tendo tal cedência provocado um desmembramento físico do seu prédio, do qual resultou o surgimento de uma parcela de terreno sobrante, com uma configuração quase triangular, em que um dos seus bicos, aponta para Nascente, continuando a confrontar com o Largo do ….

Em consequência da criação daquela nova artéria, a parcela de terreno triangular sobrante passou a ter, em matéria de circulação automóvel, as funções próprias de uma “rotunda”, quando observadas as inerentes regras estradais, ou seja, obrigando aquela circulação a contorná-la segundo as mesmas regras.

Em simultâneo, a A. destinou o “miolo” do mesmo terreno a parqueamento automóvel, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, e por se tratar de propriedade privada sua, a A., desde logo, colocou adequada sinalética, de forma a impedir a utilização do espaço por pessoas estranhas aos seus recursos humanos, realidade esta que nunca foi contrariada por ninguém.

Em 7/05/2019, através de email dirigido à A., a Ré remeteu a esta minuta de Protocolo a celebrar entre si e a A., destinado a regular a trasladação do busto do fundador da A., Sr. A. C., no qual a Ré reconhece expressamente que a A. é a proprietária daquele terreno, visando, através do Protocolo, fixar com a A. as condições de transladação do referido busto e sua implantação no terreno em apreço.

O terreno em apreço está na posse da A. e dos seus antecessores há mais de vinte anos, ininterruptamente, de forma pública e pacífica, tudo levando a crer que a A. a fundou num modo legitimo de adquirir, e que o possuía de boa fé.

Acrescenta que ao início da manhã de 22/04/2020 compareceram, no local correspondente à sobredita parte sobrante do prédio da A., homens e máquinas, com os quais se deu início ao abate dos plátanos antigos (com dezenas de anos) aí existentes e à abertura de rasgos no seu solo, antecedida da remoção de todos os paralelepípedos de que era composto o seu revestimento, sendo que tal ocupação do espaço propriedade da A. impossibilita o acesso ao mesmo, por parte dos seus trabalhadores, para fins de parqueamento dos seus automóveis.

Alertada para a ocorrência daqueles factos e inconformada com a persistência da Ré em manter a execução dos referidos trabalhos, a A. promoveu, em 23/04/2020 pelas 10h30, o embargo extrajudicial da obra, o que concretizou na pessoa do seu representante legal, A. R., o qual, acompanhado das testemunhas V. J. e J. S., notificou verbalmente a Ré para a necessidade de suspensão imediata dos trabalhos, através de quem se encontrava então no local da obra, concretamente o Sr. D. M., empreiteiro responsável e o Sr. A. M., encarregado da Junta de Freguesia.

Posteriormente, em 28/04/2020, a A. apresentou contra a Ré procedimento cautelar destinado à ratificação do embargo extrajudicial, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Guimarães - Juiz 1, sob o nº. 2013/20.7T8GMR.

No âmbito do referido processo, as partes chegaram a acordo nos termos do qual a A. se comprometeu a desistir do pedido, ao passo que a Ré aceitou aquela desistência, e adicionalmente, no âmbito daquele acordo, as partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda do referido terreno, submetendo-o, todavia, a condição resolutiva, consistindo esta no trânsito em julgado de sentença judicial que não reconheça à A. a propriedade da parcela do terreno em causa nos presentes autos.

Refere, ainda, que a A. beneficia quer da presunção de titularidade derivada do registo predial, prevista no artº. 7º do Código de Registo Predial, quer da presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no artº. 1268º do Código Civil.

Em 2/11/2020 foi proferido despacho liminar a “declarar incompetente este tribunal em razão da matéria para conhecer e julgar a presente ação e, consequentemente, absolver a Ré da presente instância.

Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1. A questão que aqui se coloca à douta apreciação do Meritíssimo Tribunal ad quem, resume-se a saber se, no caso em apreço, se verifica a excepção de incompetência em razão da matéria.

  1. Nos termos do disposto no artigo 211º, número 1, da CRP, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

  2. O artigo 212°, número 3, da Lei Fundamental estabelece que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

  3. São, assim, da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (Cfr. artigo 64º do Código de Processo Civil e artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto). 5. Já a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais veio a ser concretizada no artigo 4° do ETAF que enumera os litígios que se encontram incluídos no âmbito da jurisdição administrativa.

  4. Para se determinar a competência absoluta dos Tribunais há que atentar no pedido e na causa de pedir (“quid disputatum”), irrelevando qualquer tipo de indagação sobre o seu mérito (“quid decisum”).

  5. Deste modo, partindo da análise da forma como o litígio se mostra estruturado na Petição Inicial, encontramos as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento do mesmo.

  6. Na Petição Inicial, a A. invoca a titularidade do direito de propriedade, pede o seu reconhecimento e, consequentemente, pede a restituição da coisa.

  7. A alegação da A. reside apenas, e só, na violação, pela R., do seu direito de propriedade.

  8. O objecto do litígio, tal qual consta da Petição inicial, não envolve nem se centra na discussão da legalidade da construção da obra, nem da natureza da obra, nem do seu maior ou menor interesse público.

  9. Não é identificado nenhum concreto procedimento administrativo ou um qualquer acto administrativo.

  10. Está em causa, outrossim, uma mera actuação material, imputada à R., que, no entender da A., viola o seu direito de propriedade.

  11. Por conseguinte, o caso respeita, exclusivamente, a uma figura jurídica de direito privado.

  12. Trata-se de uma acção de reivindicação (conforme, de resto, o Tribunal a quo reconhece), tal como vem prevista no artigo 1311º do CC, ou seja, de uma acção real.

  13. Tal acção não se confunde com as acções obrigacionais em que se exerce a responsabilidade civil extracontratual.

  14. E não é a circunstância de uma das partes ter feição pública que impõe concluir-se que as questões decidendas emergem de uma relação jurídica administrativa.

  15. Por conseguinte, entende a Recorrente que a competência para apreciar o pedido (no âmbito de uma acção real) é dos Tribunais Judiciais, uma vez que, salvo melhor opinião, não se inclui em qualquer das hipóteses do artigo 4º do ETAF.

  16. No mesmo sentido da posição da Recorrente pronunciaram-se, designadamente, os Acórdãos do Tribunal de Conflitos proferidos no âmbito dos seguintes processos: 035/13, de 27/11/2013, 024/13, de 15/05/2013, 018/13, de 18/12/2013, 011/09, de 07/07/2009, 01/17, de 24/05/2017, 1/15-70, de 22/04/2015, 015/14 de 30/10/2014, 052/14, de 26-01-2017, 013/14 de 19-06-2014, 015/14, de 30-10-2014, 046/15, de 04/02/2016, 048/15, de 07/07/2016 e 027/14, de 25-09-2014 e, ainda, o Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão proferido no processo nº 00103/14.4BEPRT, de 11/01/2019 e o Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 0637020, de 18/01/2007 – Cfr. trechos dos referidos Acórdãos que se transcrevem nas Alegações.

  17. Porque a Recorrente alegou factos capazes de demonstrar que é titular do direito de propriedade sobre o terreno em causa nos presentes autos, está, pois, em causa a defesa de um direito real (artigo 1315º do CC), sendo que qualquer eventual responsabilidade...

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