Acórdão nº 745/04.6TBALQ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução29 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA, BB e CC, intentaram acção declarativa contra EE, pedindo que este fosse condenado a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem e em consequência que elimine todos os obstáculos que impedem as AA. de terem acesso ao prédio rústico – artigo 85 J da freguesia de .A......... – do qual são proprietárias e ainda que por todos os danos morais e materiais sofridos pelas AA. seja o R. condenado a indemnização a prestar àquelas em quantia nunca inferior a 2.930,00 euros.

Alegaram, em síntese, que são donas do prédio denominado “Vale”, sito no lugar de .........., freguesia de Alfragide, que em conjunto com um prédio do Réu e outro de AA formavam há mais de cem anos um prédio único, que pertenceu a FF. Após a morte deste, o prédio foi dividido em quatro e o prédio que pertence hoje às AA. ficou encravado, pelo que ficou acordada a constituição a seu favor de uma servidão de passagem sobre do prédio que agora pertence ao Réu. Este cortou o caminho existente, o que impediu as Autoras de acederem ao seu prédio e lhes causou prejuízos.

O Réu contestou, impugnando o alegado pelas Autoras.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, reconhecendo o direito de servidão de passagem que onera o prédio do R., a favor do prédio das AA., nos termos supra descritos, condenando o Réu a eliminar todos os obstáculos que impedem as AA. de terem acesso ao prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de .A........., concelho de Alenquer, sob o art.° 85 da Secção J, com o valor patrimonial de € 49,42, do qual são proprietárias, mais condenando o mesmo R. a pagar às AA. a quantia de € 1.200,00, a título de indemnização por danos patrimoniais.

O Réu apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.

O mesmo Réu, interpõe agora recurso de revista, visando a revogação do decidido, para o que argumenta nas conclusões da alegação: I – (…); II - O Tribunal " a quo " fundamentou a sua decisão na existência de uma servidão de passagem que onera o prédio do R. em benefício do prédio das AA, servidão essa que foi constituída por destinação do pai de família, de harmonia com o disposto no artigo 1549° do C. C., cujos pressupostos, no entendimento do Tribunal, se encontram integralmente preenchidos.

III - A constituição de servidão por destinação do pai de família tem como pressupostos: 1° - Que os dois prédios, ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono.

  1. - A existência de sinais visíveis e permanentes, isto é, que revelem inequivocamente uma situação de serventia estável de um prédio para outro ou de uma fracção para outra fracção do mesmo prédio e que denunciem a existência de uma servidão que não seja de carácter transitório.

  2. - Que os prédios ou as fracções do prédio se separem no que toca ao seu domínio, mantendo-se os respectivos sinais; 4° - E, que não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição da servidão.

IV - O ónus da prova dos requisitos 1°, 2° e 3° supra enunciados impende sobre os AA., cabendo a quem conteste a existência da servidão o ónus da prova da contrariedade referida no requisito 4°.

V - A Doutrina e a Jurisprudência dominantes consideram indispensável a existência de tais sinais no momento da transmissão, persistindo a servidão enquanto permanecerem sinais visíveis e permanentes da mesma.

VI - Ora, no entendimento do apelante não tem razão o Tribunal " a quo " ao considerar, no presente caso, preenchidos os pressupostos de constituição da referida servidão, tendo feito uma errada apreciação e avaliação da prova produzida, reflectindo-se na decisão final tal desadequação.

VII - Não se entende que o Tribunal tenha considerado provados factos respeitantes ao direito de propriedade e respectivos limites, bem como, factos respeitantes à divisão e partilha de prédios rústicos, como são os factos objecto dos artigos 1°, 3° a 6°, 14° a 16° da base instrutória, baseando-se unicamente em depoimentos de testemunhas (conforme resulta expressamente da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto controvertida).

VIII - Ou seja, o Tribunal " a quo " deu como provado que: - O prédio propriedade das AA – artigo 85° da Secção J - o prédio propriedade do R. – artigo 86° da Secção J – e o prédio rústico denominado " V.... " – artigo 90° da Secção J – propriedade da A. AA, formavam há mais de cem anos um único prédio; prédio esse onerado com uma servidão de passagem a favor dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 88° e 89° da Secção J e, pasme-se, a favor do próprio prédio inscrito sob o artigo 86 da Secção J, o qual era simultaneamente prédio dominante e prédio serviente, apesar de ser inequivocamente facto assente que tal prédio sempre confinou com via pública.

- Após a morte (em data que não foi provada nos autos, seja por prova documental ou testemunhal) do seu proprietário, FF, os seus herdeiros GG e DD, declararam verbalmente partilhar entre si o prédio, dividindo-o em quatro novos prédios: - parcela a) – parte do actual artigo 86 Secção J, - parcela b) – parte do actual artigo 86 Secção J; ambas adjudicadas a DD.

- parcela c) – actual artigo 90 da Secção J, - parcela d) – actual artigo 85° da Secção J, ambas adjudicadas a GG.

Após o levantamento cadastral de 1960 do Instituto Português de Cartografia, as quatro acima identificadas parcelas transformaram-se em três prédios distintos, correspondendo actualmente aos artigos 85°, 86° e 90° da Secção J da freguesia de .A........., correspondendo o artigo 86° às parcelas a) e b) unificadas pelo cadastro, o artigo 85° à parcela d) e o artigo 90° à parcela c).

IX - Para a resposta positiva aos acima identificados artigos o Tribunal baseou-se unicamente em prova testemunhal, conforme resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto.

X - Contudo, a prova testemunhal produzida é claramente inidónea para tal conclusão, para além de inadmissível legalmente.

XI - A Lei exige que a partilha de uma herança (in casu do " prédio " pertencente à herança de FF) tem que ser realizada por via judicial, através de inventário, ou extrajudicial, através de escritura pública, mais estabelecendo – artigo 364° n° 1 do Código Civil – que " Quando a lei exigir, como forma da declaração negociai, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior " (itálico e sublinhado nosso).

XII - Ora, no caso em apreço, as AA alegaram como fonte constitutiva do seu direito a constituição de uma servidão de passaqem por destinação de pai de família com base numa divisão e partilha feita verbalmente entre os herdeiros de FF, em data que não indicam nem loqraram provar, mesmo com recurso à prova testemunhal.

XIII - Servidão de passagem essa que o Tribunal considerou plenamente provada ao dar como provados os artigos 1° a 16º e 18º a 25º.

XIV - O Tribunal " a quo " violou assim expressamente as normas contidas no artigo 364° do C. C., cuja correcta aplicação levaria necessariamente a uma resposta negativa dos artigos 1°, 3° a 6°, 14° a 16° da base instrutória.

XV - Neste pressuposto, o depoimento das testemunhas apenas pode ser interpretado no sentido de que pertencendo todos os prédios ao mesmo dono ( e, repita-se todos os prédios porque nenhuma prova foi feita de que constituía um prédio único ) este e os seu familiares a eles acederiam indistintamente por uns ou por outros, consoante a sua conveniência.

XVI - Corroborando tal entendimento está o facto de a única " servidão de passagem " que recolhe o consenso das testemunhas e foi comprovada pela prova feita por inspecção ao local é o caminho existente desde a Rua das ......, no sentido do prédio .., ao longo da estrema do prédio 91 e do prédio 90, em toda a sua extensão, com cerca de 148 m de comprimento e 2,5 m de largura, existindo , na data da inspecção ao local, sinais visíveis da sua utilização por pessoas e veículos. Tal caminho prolonga-se até à estrema do prédio 89 e aí encontra uma bifurcarão para o lado direito em direcção ao prédio 88, não sendo visíveis quaisquer sinais desse alegado caminho junto à estrema desse prédio, na confinância com o artigo 86.

XVII - O que se justifica plenamente porque, conforme resulta da prova documental junta aos autos, nomeadamente as certidões prediais juntas aos autos (cfr. matéria assente), o prédio inscrito na matriz sob o artigo 89°, pertencente actualmente ao R. e o prédio inscrito na matriz sob o artigo 88°, pertencente a terceiros que não AA. e R., apesar de se encontrar na posse do R., não confinam directamente com a via pública, nunca tendo pertencido ao sobredito FF ou aos seus herdeiros.

XVIII - A prova produzida, interpretada no seu...

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