Acórdão nº 926/18.5T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | ANTERO VEIGA |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
F. N., intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra Banco ..., S.A., pedindo a condenação da Ré a: “a) Reconhecer que o Autor tem direito à reforma que lhe foi atribuída pelo Banco ... por inteiro; b) Devolver ao Autor todas as quantias que lhe foram descontadas, que à data se somam em 12.614,51€ (doze mil seiscentos e catorze euros e cinquenta e um cêntimo), acrescida de juros civis vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento; c) Pagar ao Autor uma indemnização no montante de 12.614,51€ (doze mil seiscentos e catorze euros e cinquenta e um cêntimo), pelos lucros cessantes e danos não patrimoniais causados pela atuação ilícita; d) Pagar ao Autor a quantia de 4.000,00€ a título de despesas judiciais, extrajudiciais e honorários de advogado.” Alegou o A. para tanto e em síntese que se encontra reformado desde 1/2/1998, que sempre recebeu do R. a sua reforma por inteiro, que entre maio de 2016 e maio de 2018 o R. descontou na pensão de reforma do A. a quantia total de €12.614,51, alegando que o A. lhe deveria ter entregue a prestação de reforma que passou a receber da Caixa ... relativa à pensão de reforma por velhice, invocando para tanto a cláusula 136º do ACTV para o sector bancário, mas que, porém, não está o A. abrangido por tal disposição normativa já que a reforma atribuída pela Caixa ... respeita ao período de serviço militar obrigatório e de serviço na Repartição de Finanças de Mogadouro prestado pelo A.. Conclui, assim, o A. que tem direito a auferir as duas pensões de reforma, sendo ilegais os descontos efetuados pelo réu. Mais alegou que o R., com a sua atuação, lhe causou danos na sua esfera patrimonial, no montante de €12.614,51 e também danos não patrimoniais.
A ré contestou alegando em síntese que o A. foi reformado por incapacidade reconhecida por ambas as partes ao abrigo do regime especial previsto nas cláusulas 136º, 137º, 138º e 143º do ACTV para o sector bancário, que para tal foi contabilizado todo o tempo de serviço anterior ao início de funções no sector bancário, o que determinou para o Banco a obrigação de adiantar a pensão de reforma relativa àquele tempo de trabalho na função pública e para o trabalhador a obrigação de entregar ao banco o que receber de pensão a esse título, que, porém, o A. não o fez voluntariamente, pelo que o Réu passou a compensar o valor da pensão que o A. recebe da Caixa ... na pensão que o Banco lhe paga e passou a descontar igualmente as prestações correspondentes ao tempo de incumprimento.
Formulou o R., por sua vez, pedido reconvencional, pedindo a condenação do A. a entregar-lhe o valor que recebeu, recebe e receberá da Caixa ... pelo laboro prestado no período de 1 de março de 1965 a 6 de julho de 1970.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão nos seguintes termos: “Pelo exposto decide-se: a) julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolver o R. Banco ..., S.A. do pedido contra si formulado pelo A. F. N.; b) julgar procedente por provada a reconvenção e, em consequência, condenar o A. reconvindo F. N. a entregar ao R. reconvinte o valor que recebeu, recebe e receberá da Caixa Geral de Aposentações a título de pensão pelo tempo de serviço prestado entre 1 de março de 1965 e 6 de julho de 1970, relegando-se para ulterior incidente de liquidação do valor das prestações já vencidas desde 1 de agosto de 2010 (…)” Inconformado o autor apresentou recurso concluindo em síntese: 27. O acordo foi celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual, e, ainda que orientado pelo ACTV aplicável, foi feito à margem do mesmo, porquanto havia um interesse de ambas as partes em negociar a passagem à reforma do Recorrente, o que significa que o Recorrido tinha autonomia para negociar, ainda que essa negociação fosse menos vantajosa para o Banco.
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Não houve, portanto, qualquer acordo entre as partes quanto ao valor da pensão da CAIXA ... reverter para o Banco.
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Pois, quando assinou o acordo não tinha noção de que estariam a incluir nele esse valor da pensão, e - repete-se -, que os anos de desconto lhe dariam sequer alguma pensão.
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No caso em apreço – repete-se - o acordo foi amplamente celebrado ao abrigo do Princípio da Liberdade Contratual, em conformidade com a autonomia da vontade, e contemplando cláusulas mais vantajosas para o trabalhador do que o IRCT.
Sem prescindir do exposto, dir-se-á, ainda que, 31. Na eventualidade de se considerar que houve um erro no cálculo da reforma do Recorrente, hipótese que se coloca por uma questão de mero patrocínio, a verdade é que o mesmo não lhe pode ser assacado, mas sim assumido pelo Banco Recorrido.
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O douto Tribunal a quo ignorou e desvalorizou o facto de nas negociações não ter sido mencionado o referido desconto da pensão da Caixa ..., responsabilizando e culpabilizando o Recorrente, que na verdade era o elo mais fraco na negociação, e que não tinha obrigação de saber que sendo considerados os anos de serviço na Função pública estava a abdicar de um direito.
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E não se pode considerar que este seja um facto de conhecimento comum, porque não o é.
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Assim, não pode o Recorrente ser penalizado por ter sido induzido em erro pelo Banco Recorrido, devendo este erro – a existir – ser imputado à Recorrida.
Dos Benefícios da mesma natureza: 35. Aqui chegados, cumpre analisar a questão jurídica mais relevante nos autos que se prende com a definição de “benefícios da mesma natureza”.
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Depois de 6 anos de troca de cartas sobre a questão de ter sido acordado ou não que a pensão da Caixa ... reverteria para o Recorrido, surge uma nova questão: que o Recorrente não poderia receber as duas reformas porquanto estaríamos a falar de benefícios da mesma natureza.
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São considerados benefícios da mesma natureza as quantias pagas pela prestação do mesmo serviço.
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Defendemos que quando o ACTV fala em benefícios da mesma natureza se refere sempre à prestação de serviço bancário, ainda que na Função pública.
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Portanto, não estaremos a falar de benefícios da mesma natureza, pois a natureza de cada uma das pensões é distinta, não são a duas derivadas do trabalho bancário.
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Sobre esta matéria pronunciaram-se o Supremo Tribunal de Justiça, em 27 de outubro de 2010, no Processo nº 1889/06.5TTLSB.L1.S1 e em 06 de dezembro de 2016, no âmbito do processo 4044/15.0T8VNG.P1.S1.
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Em ambos os acórdãos entendem que os descontos de que fala o ACTV apenas podem ser efetuados por trabalho prestado no sector bancário.
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Nestes dois arestos, no caso concreto de cada um, o trabalhador bancário tinha descontos para a segurança social por ter exercido atividade bancária, mas também por outras atividades, num deles por Serviço Militar.
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Ou seja, nas situações expostas nos acórdãos, havia efetivamente um desconto a fazer, mas a instituição bancária estava a descontar mais do que o devido.
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Na mesma perspetiva, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 3312/16.8T8PRT.P1S1, datado de 12 de julho de 2018.
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Refletindo, não há lugar a qualquer desconto, uma vez que não estamos perante benefícios da mesma natureza.
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O Autor tem direito às duas reformas: àquela que aufere por força dos serviços bancários prestados e que lhe é atribuída pelo Réu; e àquela a que tem direito pelo serviço estatal efetivamente prestado durante o tempo em que foi funcionário público e exerceu Serviço Militar, e que é liquidada pela Caixa ....
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Não restam, nem podem restar quaisquer dúvidas de que o Recorrido está a apropriar-se, ilícita e ilegalmente, fazendo uso imoderado do seu poder, de valores monetários que não lhe pertencem, numa clara e evidente situação de abuso do direito, como a seguir se elucida.
Do Dano: … 49. O Tribunal não teve dúvidas que os descontos que o Banco Recorrido começou a fazer, à revelia do Recorrente, lhe alteraram o modo de vida e lhe causaram um dano patrimonial e moral.
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Desde 2010 a 2016 (data em que começaram os descontos) o Recorrido limitou-se a remeter cartas com conteúdo semelhante, nunca mostrando qualquer interesse em resolver a questão, assumindo que estava certa e que podia praticar os mencionados descontos na reforma do Recorrente.
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Entendemos que esta atuação do Recorrida foi ilícita e causou danos ao Recorrente.
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Conduta do Recorrido causou um dano real na esfera jurídica do Recorrente no montante de 12.614,51€ (doze mil seiscentos e catorze euros e cinquenta e um cêntimo), acrescido de juros de mora, calculados à taxa civil de 4%, que, na presente data perfazem a quantia global de 438,90€ (quatrocentos e trinta e oito euros e noventa cêntimos).
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O Recorrente viu-se privado de toda esta quantia em menos de dois anos.
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Em seis meses o Recorrente deixou de poder contar, mensalmente, com menos 520,12€ (quinhentos e vinte euros e doze cêntimos).
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E, podendo parecer excessivo, na verdade, o Recorrente sentiu uma quebra muito significativa nos seus rendimentos e no seu dia a dia, que o impeliram a mudar o seu estilo de vida.
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Repare-se que, uma pessoa com a idade do Recorrente, com um rendimento mensal na ordem dos 1.750,00€ (mil setecentos e cinquenta euros), que corresponde à soma das duas reformas, pode dar-se ao luxo de levar uma vida muito confortável.
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Esta reforma foi um direito que o Recorrente adquiriu, trabalhando para isso e para ter uma vida livre de preocupações.
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Ao aperceber-se que o Recorrido lhe estaria a descontar mais de 25% do seu rendimento, obviamente que deixou de exercer algumas atividades que outrora fazia.
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Como é natural, toda esta situação, perturbou o Recorrente - desde 2010, data em que começaram as interpelações – mostrando-se angustiado, revoltado, ansioso e sentindo-se bastante humilhado.
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E no caso concreto, ponderando o teor das cartas que o Recorrido enviou ao Recorrente e às suas mandatárias de resposta, às reclamações apresentadas, podemos...
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