Acórdão nº 6193/19.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

O autor X - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra a ré TRANSPORTES URBANOS DE …, pedindo a sua condenação: a. A reconhecer a prática salarial ilícita aplicada aos trabalhadores que representa em comparação com os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas e com a categoria profissional de assistente operacional; b. A reconhecer o direito dos trabalhadores que representa a auferirem mensalmente, desde a sua admissão ao serviço, a mesma retribuição base dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas e com a categoria profissional de assistente operacional; c. A pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas através da presente sentença.

Subsidiariamente: d. A reconhecer o direito dos trabalhadores que representa a auferirem mensalmente, desde o dia 1 de janeiro de 2019, a mesma retribuição base dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas e com a categoria profissional de assistente operacional, no valor base mensal de € 635,07; e. A reconhecer o direito dos trabalhadores que representa a auferirem no futuro uma retribuição igual à dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas e com a categoria profissional de assistente operacional; f. A pagar a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas através da presente sentença.

*Alega discriminação salarial em relação aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas e idênticas funções. Mais alega violação do nº 4 do artigo 3º do Decreto-Lei 29/2019.

A ré deduziu contestação referindo o diferente estatuto e a inaplicabilidade do diploma referido.

Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente.

Inconformada a autora interpôs recurso com as seguintes conclusões: … B - Salvo o devido respeito, na sentença recorrida não foi feita correta apreciação da prova produzida, nem foram corretamente interpretados e aplicados os preceitos legais atinentes.

… F - Ao decidir como decidiu, a decisão proferida está em contradição com a matéria de facto dada como provada.

G – Quanto ao princípio constitucional “trabalho igual, salário igual”, não é admissível, à letra da lei, que se defenda, como fez o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, que a diferente natureza jurídica do vínculo laboral justifica e legitima a diferença de retribuição paga a uns e outros trabalhadores, independentemente do trabalho pelos mesmos desenvolvido ser de igual natureza, qualidade e quantidade, e de as funções pelos mesmos exercidas serem de igual responsabilidade e exigência.

… I - Conforme tem sido salientado pelo Tribunal Constitucional (por ex. nos ac. 313/89, 303/90), não se trata da consagração de uma igualdade meramente formal e uniformizadora, mas fundamentalmente de proibir, antes de mais, que se pague de maneira diferente sem que exista justificação e fundamento material bastante.

… K - Em consonância com tais preceitos constitucionais o Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2, numa subsecção dedicada a “Igualdade e não discriminação” começa por enunciar, no artigo 23.º os conceitos mais relevantes, nos seguintes termos: no n.º 1 al. a) define “discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável”; na al. b) “discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários”; na al. c) “trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade” e na al. d) “trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.

L – Da matéria de facto dada como provada resulta inequívoco que o trabalho desenvolvido pelos Representados do Recorrente não diverge, no que quer que seja, do trabalho desenvolvido pelos demais trabalhadores da Ré com contrato de trabalho em funções públicas, embora estejam sujeitos a regimes jurídicos diferentes.

M - A manutenção da diferenciação salarial desde o início do vínculo contratual dos Representados do Recorrente, não obstante a reconhecida igualdade quanto à natureza, qualidade e quantidade do trabalho, acaba por ir além do que seria razoável, afrontando o sentido de justiça e de equidade que subjazem à consagração na lei fundamental, entre os direitos e deveres económicos, sociais e culturais, do direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, com observância do princípio para trabalho igual, salário igual.

N - Por se tratar de um direito (direito à equidade retributiva, contida no mencionado princípio) de natureza análoga, por força do disposto pelo artigo 17.º, é diretamente aplicável, tal como os direitos liberdades e garantias, vinculando entidades públicas e privadas (cfr. art. 18.º, ambos da Constituição).

… P – Neste sentido, pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-05-2017, proc. n.º 10032/16.1T8LSB.L1-A, disponível em www.dgsi.pt, “coexistindo num hospital EPE (pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial) pessoal de enfermagem sujeito ao regime do contrato individual de trabalho comum, ou seja de acordo com o Código do Trabalho, com outro da mesma profissão sujeito a contrato de trabalho em funções públicas, embora o reposicionamento remuneratório das categorias da carreira especial de enfermagem efetuada pelo DL nº 122/2010 de 11/11, concluído em 1/1/2013, seja aplicável apenas aos enfermeiros com vínculo de emprego público, se assente que o trabalho exercido por uns e por outros ao mesmo empregador é igual em qualidade, natureza e quantidade, impõe-se, por aplicação direta do princípio “a trabalho igual, salário igual”, que sejam pagas àqueles (sujeitos a contrato de trabalho comum) remunerações idênticas às que são pagas a estes (sujeitos a CTFP).

Q – No mesmo sentido, veja-se, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, através de Acórdão do STJ de 14-12-2016, proc. n.º 4521/13.7TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc.103/14.4TTVCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.

… T - Ao assim não ter decidido, a sentença recorrida violou o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 13.º, 17.º, 18.º, 59.º., n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa, os artigos 23.º, 24.º e 25.º e 270.º., do Código do Trabalho e artigos 23.º., 25.º e 144.º., n.º 2, da LGTFP.

DA APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI 29/2019, DE 20 DE FEREVEIRO U - Por outro lado, a equiparação salarial veio a ser determinada através da publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei 29/2019, de 20 de fevereiro, o qual veio estabelecer a atualização da base remuneratória da administração pública (cfr. art.º 1).

V – Com a publicação deste Decreto, o legislador teve como intenção, precisamente, acabar com as situações de desigualdade geradas nas entidades públicas com trabalhadores contratados ao abrigo do Código do Trabalho, como sucede no caso dos autos com os Representados do Recorrente.

W – O preâmbulo do Diploma é claro quanto à sua aplicabilidade, quando indica expressamente como intenção legislativa a seguinte: “De modo a não gerar desigualdade de tratamento entre trabalhadores que, no âmbito da Administração Pública, exercem funções com vínculos contratuais diferentes, o presente diploma aplica-se igualmente aos trabalhadores com contratos individuais de trabalho, abrangendo, assim, também aqueles que exercem funções nas entidades a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual.”.

X – Salvo o devido respeito, não julgou bem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo ao ter entendido que o âmbito de aplicação o Decreto-Lei 29/2019, de 20 de fevereiro, não se estende a todo o sector empresarial público, designadamente às empresas públicas e empresas locais.

Y - No que às Entidades Públicas Empresariais diz respeito, há qua distinguir, por um lado, a sua forma de criação pelo Estado, e por outro, a sua forma de criação pelas autarquias.

Z – Não podemos considerar que a forma de criação diversa entre umas e outras (decreto e escritura pública) seja decisiva para a sua qualificação, muito menos para a definição do âmbito de aplicabilidade do Decreto-Lei 29/2019, de 20 de fevereiro.

AA – Aliás, o Decreto-lei 133/2013, de 03 de outubro, inclui no setor empresarial as empresas locais e regionais, conforme disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e 4.º.

BB – Sob a epígrafe “Sector público empresarial”, dispõe o n.º 1 do artigo 2.º que “para efeitos do disposto no presente decreto-lei, o sector público empresarial abrange o sector empresarial do Estado e o sector empresarial local.” CC – No artigo 4.º do mesmo Diploma, é previsto que “além do Estado, apenas dispõem de sectores empresariais próprios as Regiões Autónimas, os municípios, as associações de municípios (…)”.

DD – Ao ter decidido como decidiu, a sentença recorrida violou, além das disposições legais...

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