Acórdão nº 10/15.3T9BGC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANTÓNIO TEIXEIRA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO 1.

No âmbito do Inquérito nº 10/15.3T9BGC, que correu termos pela Procuradoria do Juízo de Competência Genérica de ..., da Procuradoria da República da Comarca de Bragança, o Ministério Público, no momento processual a que alude o Artº 276º do C.P.Penal (1), proferiu despacho de arquivamento relativamente a factos participados por N. M. e L. M., por si e em representação de G. A., menor filho de ambos, e C. F., contra S. M., S. P., J. J. e desconhecidos, e por factos participados (na queixa incorporada nos autos) por G. F., por si e em representação de V. A., menor sua filha, contra S. M., “UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO ..., E.P.E.” e desconhecidos.

Tais factos, de acordo com tal despacho, seriam susceptíveis de configurar, em abstracto, a prática: - Pelos denunciados S. P. e J. J., em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de quatro crimes de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nºs. 1 e 2, al. b), e de quatro crimes de violação do dever de sigilo agravado, p. e p. pelo Artº 47º, nºs. 1 e 2, al. a), ambos da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro (da Lei da Protecção de Dados); - Pela denunciada S. M., em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de seis crimes de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nºs. 1 e 2, al. b), e de quatro crimes de violação do dever de sigilo agravado, p. e p. pelo Artº 47º, nºs. 1 e 2, al. a), ambos da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro (da Lei da Protecção de Dados); e - Pela denunciada “Unidade Local de Saúde do ..., E.P.E.”, por omissão, em autoria material, na forma consumada, de seis crimes de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artºs. 10º, do Código Penal, e 44º, nºs. 1 e 2, al. b), da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro (da Lei da Protecção de Dados).

*2.

Inconformados com aquele despacho de arquivamento, vieram os assistentes L. M.

e marido, N. M.

, por si e em representação do menor G. A.

, C. F., e G. F.

, por si e em representação da menor V. A.

, requerer abertura da instrução, nos termos contantes da peça processual cuja cópia consta de fls. 131 Vº/162 Vº, defendendo, a final:

  1. Ter a arguida S. M.

    incorrido: - Na prática, como autora material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de 106 (cento e seis) crimes de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º, nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime, em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, al. b), e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa do assistente G. A.

    ; - Na prática, como autora material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de 7 (sete) crimes de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º, nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, al. b), da Lei da Protecção de Dados, e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa do assistente N. M.

    ; - Na prática, como autora material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de 24 (vinte e quatro) crimes de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime, em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, al. b), e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente L. M.

    ; - Na prática, como autora material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de 6 (seis) crimes de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º, nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime, em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, al. b), e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente C. F.

    ; - Na prática, como autora material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de 4 (quatro) crimes de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º, nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime, em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, al. b), e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente G. F.

    ; e - Na prática, como autora material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de 2 (dois) crimes de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º, nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime, em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, al. b), e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente V. A.

    .

  2. Ter a arguida S. P.

    incorrido na prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo Artº 6º, nºs. 1 e 4, al. a), da Lei do Cibercrime, em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo Artº 44º, nº 2, alínea b), e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa do assistente G. A.

    .

    *3.

    Declarada aberta a fase de instrução, após a pertinente tramitação processual, em 30/06/2020 foi proferida a decisão instrutória cuja cópia consta de fls. 178 Vº/205, com o teor que a seguir se transcreve, na parte que ora interessa considerar (2): “(...) Vem os assistentes L. M.

    , N. M.

    , por si e em representação da criança G. A.

    , C. F.

    e G. F., por si e em representação da criança V. A.

    , requerer a abertura de instrução em virtude de não concordar com o despacho de arquivamento proferido nos autos, pugnando pela pronúncia das arguidas S. M.

    pela prática de 106 crimes de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6.º n.º 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) e 14.º do Código Penal, perpetrados na pessoa do assistente G. A.; pela prática de 7 crimes de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6.º n.º 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) da Lei da Protecção de Dados, e 14.º do Código Penal, perpetrados na pessoa do assistente N. M.; pela prática de 24 crimes de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6.º n.º 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) e 14.º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente L. M.; pela prática de 6 crimes de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6.º n.º 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) e 14.º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente C. F.; pela prática de 4 crimes de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6.º n.º 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) e 14.º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente G. F.; e pela prática de 2 crimes de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6.º n.º 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) e 14º do Código Penal, perpetrados na pessoa da assistente V. A..

    e S. P.

    pela prática de um crime de acesso ilegítimo agravado, previsto e punível pelo artigo 6º nº 1 e 4 alínea a) da Lei do Cibercrime (em concurso aparente com o crime de acesso indevido agravado, previsto e punível pelo artigo 44.º n.º 2 alínea b)) e 14.º do Código Penal, perpetrados na pessoa do assistente G. A..

    Em síntese, alegam os assistentes que conforme consta de fls. 322, as arguidas, sendo enfermeiras, estavam autorizadas a aceder à Plataforma Dados da Saúde/Portal Profissional, podendo nesse âmbito, fazer o acesso em contexto clínico necessitando, cumulativamente, que o utente não se oponha através do portal do utente.

    Daí resultando que o acesso autorizado por parte das arguidas à PDS se encontra finalisticamente delimitado ao contexto clínico, isto é, em ambiente de consulta médica, ou da prestação de um cuidado de saúde ao utente, que se encontre na instituição de saúde para esse efeito.

    Os enfermeiros, autorizados a aceder a dados de saúde por meios informáticos, ou outros, só podiam, no entanto, aceder-lhes ou consultá-los, por esses meios, quando tivessem permissão legal para tanto, isto é, dentro dos limites que lhes eram impostos pela lei e no estrito respeito pelos seus deveres deontológicos.

    Contudo, as arguidas consultaram o processo clínico e a informação médica dos assistentes, sem ser em contexto clínico e sem supervisão de quem quer que fosse, inclusive de médico.

    Os assistentes descriminaram os acessos realizados pela arguida S. M. aos processos clínicos daqueles, bem como a forma como tais acessos se encontram nos autos.

    Alegam, por sua vez, que as consultas (e respectivas datas de acesso) desta arguida aos processos clínicos dos assistentes ocorreram fora do contexto clínico de consulta, sem intermédio de médico e da prestação de cuidados de saúde pelas arguidas. Sendo que, as assistentes G. F. e V. A. não se encontravam, sequer, inscritas no Centro de Saúde ....

    Mais alegam os assistentes que a utilização de dados informatizados na PDS para a prestação de cuidados de enfermagem, deve apenas ocorrer, unicamente, quando o utente necessitado de cuidados estiver presencialmente perante o enfermeiro.

    Concluem que a consulta da informação através da PDS (actualmente, RSE – Registo de Saúde Electrónico) devia ser necessária em concreto, restringida ao contexto clínico do utente em causa, sendo necessário que o utente não se opusesse ao acesso e houvesse um episódio activo na instituição de saúde.

    As arguidas consultaram as bases de dados disponíveis unicamente para os médicos, como o processo clínico electrónico, via PDS e Via CLÍNICO.../SAM.

    Alegam também que, considerando que as arguidas só podiam aceder e consultar o processo...

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