Acórdão nº 2547/20.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*1 – RELATÓRIO M. A.

, viúva, residente na Rua …, n.º …, da freguesia de ...

, concelho de Esposende, J. F.

, solteiro, residente na Rua ...

, n.º ..

, da freguesia de ...

, concelho de Esposende, R. M., casado, residente na Rua … n.º …, freguesia de …, concelho de Barcelos, S. M.

, casada, residente na Praça …, n.º ..

., freguesia e concelho de Lisboa e M. I.

, casada, residente na Rua ...

, n.º ..

, da freguesia de ...

, concelho de Esposende intentaram contra X CONSTRUÇÕES, LDA.

, com sede na Rua …, n.º …, União de Freguesias de …, concelho de Esposende acção declarativa de condenação com processo comum (1), pedindo, com os fundamentos devidamente materializados em factos que descrevem, que a R. seja: - condenada a pagar a quantia de € 74.850,85 (setenta e quatro mil oitocentos e cinquenta euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de indemnização por danos; - condenada a pagar a quantia de € 10.680,09 (dez mil seiscentos e oitenta euros e nove cêntimos), a título de juros de mora vencidos; - condenada a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos morais.

Citada a R., defendeu-se por impugnação, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição de todos os pedidos.

Aberta conclusão, foi pelo Mmº Juiz a quo proferido o seguinte despacho relativamente à competência material do Tribunal: (…) Concedo o prazo de 10 dias para que as partes se pronunciem quanto à competência material deste Tribunal.

(…) Só os AA. se pronunciaram, concluindo pela competência material do Tribunal.

Aferindo da excepção de competência material do Tribunal, pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos: No caso dos autos está em causa um acidente de trabalho ocorrido no ano de 2016.

Os autores pedem que a ré seja: - condenada a pagar a quantia de € 74.850,85 (setenta e quatro mil oitocentos e cinquenta euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de indemnização por danos; - condenada a pagar a quantia de € 10.680,09 (dez mil seiscentos e oitenta euros e nove cêntimos), a título de juros de mora vencidos; - condenada a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos morais.

*A causa de pedir é a seguinte: - Os autores são filhos de F. M. morto em ...

, Arábia Saudita, no ano de 2016.

- O falecido, F. M., foi contratado pela R. para o exercício das funções de Carpinteiro de Cofragem – artigo 8º da petição inicial.

- No decurso do ano de 2016, o de cujus, F. M., exercia as funções laborais para o qual foi contratado pela R., na obra do Metro de ...

, na Arábia Saudita.

- Em 06/11/2016 o de cujus, F. M., sofreu um acidente de trabalho mortal na referida obra do Metro de ...

, na Arábia Saudita.

- O acidente de trabalho foi causado por inobservância de regras de segurança por parte da R.

- Em virtude da ocorrência do acidente de trabalho que vitimou o de cujus, F. M., a R. comprometeu-se a ressarcir a viúva e os demais herdeiros pelos danos sofridos com o acidente, após a extinção da ação que correria os seus termos no Tribunal de Trabalho por via da ocorrência do acidente de trabalho. Assim, - A R. obrigou-se a finalizar a construção da habitação do falecido, F. M., sita na Rua ..., n.º .., da freguesia de ..., concelho de Esposende.

- Em 16/03/2018 as partes transacionaram no âmbito do Processo n.º 2315/16.7T8BCL, o qual correu termos no Tribunal da Comarca de Barcelos.

- Em meados do ano de 2018, os AA. recuperando lentamente da perda do seu familiar tão querido, contactaram a R., por forma a que a mesma cumprisse com a obrigação que assumira. Isto é, proceder ao pagamento do valor a que se obrigara, nomeadamente a quantia de € 79.850,85 (setenta e nove mil oitocentos e cinquenta euros e oitenta e cinco cêntimos), de forma a finalizar a construção da habitação, propriedade à data do falecido, F. M..

- Acontece que a ré se recusa a honrar com o compromisso que assumiu perante os autores.

*A excepção de competência material do Tribunal é de conhecimento oficioso.

As partes foram notificadas para se pronunciar e os autores vieram defender a competência deste tribunal uma vez que entendem que está em causa o “incumprimento de obrigação assumida pela R., a qual violou os direitos e interesses dos AA., ou seja, trata-se duma questão de responsabilidade civil.

”*Cumpre apreciar: Vejamos de forma sintética a jurisprudência apresentada pelos autores quanto a esta matéria uma vez que, salvo melhor entendimento, pensamos que nenhuma das decisões se ajusta ao caso concreto.

Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18.11.2013 assim como o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 29.05.2007 tratam da matéria de uma sub-rogação legal de uma companhia de seguros em relação a terceiros que terão sido responsáveis pelo acidente de trabalho.

Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 22.01.2015 diz respeito a uma indemnização por danos não patrimoniais ao abrigo da anterior lei dos acidentes de trabalho. Na verdade, a nova lei (98/2009) consagra os danos não patrimoniais – como de resto é entendimento de jurisprudência abundante.

Finalmente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 09.10.2012 versa um acidente de trabalho relativamente ao qual estão envolvidos sujeitos processuais alheios à relação laboral existente entre o sinistrado e a entidade patronal.

Em resumo, nenhum dos citados arestos se assemelha ao objecto processual em causa nesta lide.

Por outro lado, tendo o acidente ocorrido no ano de 2016 é aplicável ao caso a lei 98/2009 (lei acidentes de trabalho) e quanto à competência material do Tribunal, a lei da organização do sistema judiciário, Lei 62/2013 e especificamente o artigo 126º, n.º 1, alínea c) que estipula que “1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;” No caso concreto o facto que constitui a causa de pedir da qual os autores fazem derivar o seu direito à indemnização é o acidente de trabalho sofrido pelo falecido trabalhador.

A pretensão indemnizatória reclamada pelos autores só existe como consequência directa e necessária do acidente de trabalho. A possível responsabilização da ré só existe porque, em primeiro lugar, é entidade patronal do falecido trabalhador e, em segundo lugar, porquanto teve responsabilidade nesse acidente (inobservância das regras de segurança como alegam os autores).

De resto, o alegado acordo existente entre as partes, configura uma espécie de acordo extrajudicial ao próprio processo laboral. Repare-se que os autores alegam que só celebraram a transacção no processo laboral na medida em que fizeram outro acordo, por fora desse processo, e que acautelaria, esse sim, os direitos que os autores entendiam serem devidos por conta do acidente de trabalho. Ora, não cabe nesta sede avaliar as consequências legais da opção tomada pelos autores mas a verdade é que foram estes que, voluntariamente, prescindiram de discutir na lide laboral todas consequências decorrentes do comportamento culposo da ré enquanto entidade patronal.

Dito por outras palavras, era, como foi, o tribunal de trabalho o competente para tratar de todas as matérias relacionadas com o acidente de trabalho em causa nesta lide.

Posto isto, não existe uma nova fonte da obrigação que se gera com o acordo celebrado entre as partes: esse alegado acordo teve única e exclusivamente como origem o acidente de trabalho e a conduta da ré.

Destarte, tendo em consideração a norma supra transcrita, é nosso entendimento que este tribunal é materialmente incompetente para conhecer a presente acção, sendo a competência do Tribunal de Trabalho.

*A exceção da incompetência absoluta do tribunal, que é do conhecimento oficioso do tribunal, pelo que em consequência, ao abrigo do disposto nos artigos 96.º al a), 98.º e 99.º n.º 2 do C.P.C., julgo este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer desta ação, com a consequente absolvição da ré da presente Instância, sem prejuízo, porém, da...

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