Acórdão nº 7462/19.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | JOSÉ AMARAL |
Data da Resolução | 20 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. RELATÓRIO Depois de, nos autos 676/17.0T8VNF que correram termos no Tribunal de Família e de Menores de VN de Famalicão, terem acordado (em 23-02-2017) reciprocamente no seu divórcio e de este lá ter sido homologado por sentença transitada em julgado, A. B.
instaurou, na Conservatória daquela cidade, o presente processo (ali registado sob o nº 3450/19) para atribuição da casa de morada de família – questão esta sobre que, naquele outro, não fora possível obter consenso – contra seu ex-marido J. C.
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O pedido formulado foi de que a casa lhe fosse “atribuída, em exclusivo” (ou, então, a casa dividida e o piso de cima atribuído a ela e o de baixo a ele) [1] Na Conservatória e após dedução de oposição, foi designada e realizada, mas sem êxito, tentativa de conciliação, pelo que, uma vez apresentadas pelas partes as alegações, o processo administrativo (3450/19) foi remetido a Juízo, nos termos do artº 8º, do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro [2], tendo sido distribuído, em 09-12-2019, no Tribunal de Família e Menores de VN de Famalicão. [3] Convocada e realizada, em 16-06-2020, uma nova tentativa de conciliação, no decurso deste acto as partes comunicaram que tinham alcançado acordo, cujos termos foram vertidos na acta respectiva e de entre os quais consta que “acordam que a casa de morada de família fica atribuída à requerente a partir de 30-07-2020” (cláusula 2ª), que, até essa data, “a Requerente diligenciará junto das entidades respectivas pela marcação de escritura pública de compra e venda do imóvel” (cláusula 3ª), que “As partes atribuem ao imóvel o valor de €110.000,00, sendo que a requerente se compromete a dar tornas ao requerido na quantia de €20.000,00, diligenciando junto da Caixa ... pela desoneração do requerido pela dívida que o mesmo tem actualmente junto da respectiva instituição bancária”(cláusula 4ª) e que “A entrega das chaves do imóvel será efectuada no escritório da ilustre patrona da requerente, ou caso não seja possível, no dia da escritura pública” (cláusula 5ª). [4] Mais consta da mesma acta que, de seguida, foi proferida a sentença que julgou válida e eficaz tal transacção [5] e que a homologou e condenou as partes a cumpri-la, “nos termos do nº 4 do artº 290º do CPC, considerando o disposto nos artºs 277º, al. d), 283º nº 2, 284º e 289º nº 1”.
Tal sentença foi logo notificada, na pessoa dos presentes (a requerente e seu mandatário e o mandatário do requerido), e dela não foi interposto recurso nem reclamação.
Porém, por requerimento de 01-07-2020, o requerido pediu a rectificação do que alegou ser erro constante da cláusula 4ª e, por isso, que onde diz “na quantia de €20.000,00” deveria ler-se “na quantia nunca inferior a €20.000,00”.
Na subsequente resposta, a requerente pugnou pelo indeferimento [6].
Trocaram as partes, ainda, sob tal pretexto, vários requerimentos, sobre aquela pretensão e também sobre o (in) cumprimento (reciprocamente imputado) e alteração do acordado [7], tendo em 09-09-2020, sido decidido, por despacho, que “o acordo celebrado pelas partes e transcrito para a acta corresponde in totum ao que os mesmos acordaram, não padecendo o mesmo que qualquer irregularidade inexactidão, motivo pelo qual se indefere o querido” [8].
Tal despacho foi notificado e não foi alvo de impugnação.
Por requerimento de 12-10-2020, o requerido, invocando o disposto no nº 3, do artº 1793º, e no artº 2012º, do CC, e alegando que a requerente não marcou a escritura, não tratou da desoneração e que, tratando-se aqui de processo de jurisdição voluntária, pode “a sua resolução ser alterada (…) com fundamento em circunstâncias supervenientes” – no seu dizer, as que determinaram a aceitação do acordo, a “base negocial”, “os pressupostos fácticos que determinaram a vontade negocial das partes” alteraram-se em função das alegadas e o acordo “não acautelou devidamente os interesses do Requerido” –, formulou pedido de alteração da “atribuição” da casa.
A requerente respondeu que se trata de expediente dilatório, sem fundamento, e que o requerido deve intentar nova acção, assim sustentando o indeferimento.
A isto ainda ripostou o requerido que se trata de processo de jurisdição voluntária e que, nos termos dos artºs 988º e 990º, CPC, a resolução pode ser alterada, tanto mais que nos autos não há sinais de a requerente querer cumprir o acordado.
Em 09-11-2020, foi proferido despacho – que é o ora recorrido – do seguinte teor: “A questão da atribuição da casa de morada de família já foi, recentemente, objecto de análise, neste processo, por parte deste tribunal.
Neste sentido, e quanto à matéria a discutir nestes autos, nos termos do artº 613º, nº 1, do CPC, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz.
Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, e havendo razões para tal, o requerente, através de uma acção própria e no local próprio, deverá intentar a respectiva acção.
Deste modo, indefere-se a pretensão do requerente.
Notifique.”.
Insatisfeito, apelou o requerido, pedindo a revogação e concluindo assim as suas alegações: “A) O Requerente não concorda com o presente Douto despacho, dai o presente recurso, pois entende, que nos processos de jurisdição voluntária, a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios, negócios que a lei sob a fiscalização do Estado através do poder judicial; B) Na jurisdição voluntária não há lide, mas somente administração pública de interesses privados, é uma das funções do Estado, confiada ao Poder Judiciário, em virtude da idoneidade, responsabilidade e independência dos juízes perante a sociedade, visando evitar litígios futuros, ou irregularidades e deficiências na formação do ato ou negócio jurídico; C) Assim salvo melhor Douta Opinião, não se esgotando por essa via o poder jurisdicional do juiz com o acordo alcançado, tendo nesse acordo alterado as circunstancias que determinaram a realização do acordo, bem como, as contrapartidas não se verificaram, e não acautelou devidamente os interesses do Requerido; D) Por outro lado, o processo de jurisdição voluntária tem natureza administrativa, não ocorre litígio, não há processo, não há partes, havendo apenas uma medida judicial de caráter administrativo entre interessados, inter volentes; E) Apesar de ter havido acordo homologado por sentença sobre o destino da casa de morada de família, a sua alteração, por via de Acão prevista no art.º 990º do CPC, pressupõe ter havido alteração das circunstâncias que determinaram aquele acordo e que justifiquem a alteração da decisão nele contida, o que aconteceu nos presentes autos; F) Nos processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis, elas são alteráveis sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus” ou seja um caso julgado com efeitos temporalmente limitados; G) Nos processos de jurisdição voluntária o juiz não está subordinado a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adoptar as soluções que julgue mais convenientes e oportunas para o caso (art.º 987º do CPC), assim como se caracteriza, pela predominância do princípio do inquisitório na investigação dos factos e na obtenção das provas (art.º 986 n.º 2 do CPC) e a alterabilidade das decisões com base em alteração superveniente das circunstâncias que as determinaram (art.º 988º n.º 1 do CPC); H) Assim, não se entendendo, no douto despacho recorrido violou-se o disposto no 990º, 986º, 987º, 988º, e art. todos do Código Processo Civil, TERMOS EM QUE e nos melhores de direito, e sempre com mui douto suprimento de Vossa Excelência, na imediata procedência do recurso, deve ser revogado o douto despacho recorrido, assim se fazendo a devida e sã JUSTIÇA! ”.
A requerente respondeu, concluindo: “A.
Pretende, o Recorrente, com o recurso interposto, que seja revogado o despacho que que indeferiu o seu requerimento de alteração da casa de morada de família, mas o despacho recorrido não violou o disposto no art.º 990., 986.º, 987.º todos do Código de Processo Civil.
B.
É desprovido de fundamento todo o argumentário expendido pelo Recorrente, que com a interposição deste recurso que mais não pretende do que protelar o desfecho da acção, adiando uma decisão que bem sabe ser inevitável.
C.
Não assiste razão ao Recorrente quando alega que o acordo celebrado a 16 de Junho de 2020, homologado por sentença e que atribuiu a utilização da casa de morada de família à ora Recorrida, só foi celebrado por a mesma se ter comprometido a celebrar a escritura de compra e venda e diligenciar junto do Banco Caixa ... pela desoneração daquele do empréstimo bancário.
D.
As únicas...
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