Acórdão nº 76/19.7PAPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2021

Data10 Maio 2021

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

No processo comum singular nº76/19.7PAPTL, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, em que é arguida M. P., com os demais sinais nos autos, por sentença proferida e depositada em 21.01.2021, foi decidido absolver a arguida da prática dos crimes de que foi acusada, ou seja, de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alíneas b) e e) ambos do Código Penal.

2.

Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o M.P., extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, que absolveu a Arguida M. P. da prática de dois crimes de furto qualificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b) e e), todos do CP.

2. Sucede que, no nosso humilde entendimento, o douto Tribunal a quo efetuou uma incorreta valoração da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, constando-se a existência de um erro notório na apreciação da prova, sendo, por isso, invocados os seguintes fundamentos de recurso: a. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP; b. Erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP; 3. Em nosso entender, o douto Tribunal a quo não fez uma correta interpretação dos meios de prova que tinha ao seu dispor, nem teve em consideração toda a prova produzida em audiência de julgamento.

4. Deveriam, assim, constar da matéria de facto provada, todos os factos que foram dados como não provados e que, como tal, se consideram incorretamente julgados.

5. O douto Tribunal a quo não utilizou devidamente os meios que estão ao seu dispor para conjugar todos os indícios constantes dos autos por forma a alcançar a condenação da Arguida, nomeadamente, o princípio da livre apreciação da prova e a prova indireta.

6. O princípio da livre apreciação da prova traduz-se na apreciação das provas indicadas e produzidas em audiência, ancorada nas regras de experiência comum, e tem como limites a proibição de valoração de provas ilegais ou nulas, as provas vinculadas, as limitações decorrentes dos depoimentos indiretos ou vozes públicas, os documentos autênticos e autenticados, a obrigatoriedade de só poderem ser valoradas as provas que forem produzidas em audiência de julgamento e, por fim, os princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo.

7. A prova indireta, pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência portuguesa, traduz-se num modo de raciocínio, aliado ao princípio da livre apreciação da prova, que o julgador deve levar a cabo nos casos em que não dispõe de meios de prova diretos.

8. A prova indireta é composta por três operações: o desmembramento do facto base ou do indício, a regra da experiência comum e a inferência de um outro facto através do raciocínio perpetrado pelo julgador.

9. Ancorando-se nas regras da experiência e nos indícios que constam do processo, mediante a denominada prova indireta ou indiciária, deveria o douto Tribunal a quo ter dado como provado os seguintes factos: 1. «Em 28.06.2019, pelas 11H00M, no interior da área de acesso restrito do Hospital – X, sito na Rua ..., em Ponte de Lima, a arguida certificou-se que ninguém estava próximo, e acedeu àquela zona, onde abriu a porta da sala e do armário ali existente, e apoderou-se de uma carteira, pertença de M. C., que continha cinquenta euros, em numerário, e diversos cartões, inclusive bancários, de tudo a arguida apoderou-se (valor pecuniário e demais bens), e fez coisa sua, contra a vontade da legítima dona.

2.

Em 28.06.2019, ainda na parte da manhã, no interior da área de acesso restrito do Hospital – X, sito na Rua ..., em Ponte de Lima, a arguida certificou-se que ninguém estava próximo, e acedeu àquela zona, onde abriu a porta da sala e do armário ali existente, e apoderou-se de uma carteira, pertença de S. P., que continha vinte e cinco euros, em numerário, e diversos cartões, inclusive bancários, de tudo a arguida apoderou-se (valor pecuniário e demais bens), e fez coisa sua, contra a vontade da legítima dona.

3.

A arguida M. P. atuou livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de se apoderar dos bens supra mencionados para proveito próprio, querendo fazer dos mesmos coisas suas, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da sua legítima dona.

4.

Mais sabia a arguida que o sobredito armário colocado no gabinete administrativo da unidade de saúde não era um local público, antes tinha acesso restricto e vedado à arguida, ademais, estava fechado, e destinava-se a guardar os pertences pessoais dos respectivos funcionários, não obstante, agiu a arguida com o propósito, que logrou efectivar, de se apoderar dos valores ali depositados.

5.

A arguida estava ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal».

10. As provas que impõem decisão diversa, relativamente a esta matéria de facto dada como não provada, e que o douto Tribunal de 1ª instância desconsiderou são os depoimentos das seguintes testemunhas: a. Agente da P.S.P.

M. A.

– Referiu que identificou a Arguida como suspeita pela prática dos factos, «derivado ao grande número de atos do mesmo género… tanto no hospital como várias… centros comerciais…». Mencionou a testemunha que «(…) a M. P. esteve mais ou menos envolvida nelas… nelas todas». Esta testemunha constata que a Arguida esteve no local, na data e hora da prática dos factos, não existindo nenhuma consulta ou marcação de consulta, quer para ela, quer para familiares. O Senhor Agente visualizou, através das imagens de videovigilância, a Arguida a sair do interior do Hospital para o hall de entrada, de uma zona onde não havia marcação de exames. Constatou ainda que se tratava de um dia de greve existindo um menor controlo das entradas e saídas. A testemunha inquiriu a Arguida, que negou a prática dos factos, negando inclusive, que esteve nesse dia no dito Hospital. Todavia, quando foi confrontada com as imagens já mencionou que esteve no local, alterando a sua versão.

b.

M. C.

, Ofendida com a prática do crime. A testemunha não conseguiu identificar o agente da prática do crime, contudo, referiu que a Arguida é uma pessoa que se encontra várias vezes pelas instalações do Hospital. Mencionou ainda, com relevância, que na entrada principal do Hospital há uma entrada para um corredor que leva ao local onde se encontravam as carteiras guardadas. Referiu que o furto ocorreu entre as 8horas e 30minutos e as 10horas, porque a Ofendida entrou às 8horas, outra Colega entrou às 8horas e 30minutos e uma outra Colega entrou às 10horas, só tendo desaparecido as carteiras das duas primeiras. Era um dia de greve e em que existia menos movimento no Hospital.

c.

S. P.

, Ofendida com a prática do crime. Esta testemunha também não conseguiu identificar o agente da prática do crime. No entanto, referiu que a área onde se encontravam as carteiras é uma área restrita, onde não existe marcação de exames. Mencionou ainda que há um corredor que liga a entrada do átrio ao local onde se encontravam as carteiras - «esse corredor fica na entrada do átrio, da entrada principal para a nossa consulta externa, supostamente a entrar para ali só serão pessoas que… (…) «ou que têm consulta, ou que vêm de outros exames (…)». Referiu ainda que o furto ocorreu entre as 8horas e 30minutos e as 10horas, porque a Ofendida entrou às 8horas e 30minutos, outra Colega entrou às 8horas e uma outra Colega entrou às 10horas, só tendo desaparecido as carteiras das duas primeiras.

11. Foram ainda desconsiderados pelo Tribunal a quo os fotogramas juntos ao processo - Registo de imagem das câmaras de videovigilância do X de Ponte de Lima -, onde se vê a Arguida acompanhada da sua filha, L. P.

e, onde se podem ler as seguintes descrições: a. «M. P., acompanhada pela sua filha menor, L. P., quando saiam da área reservada, no interior do Hospital ... no dia 28-06-2019, às 09h 13m 42s para a área da receção de visitas».

  1. «M. P. e L. P., quando saiam do corredor reservado para o setor da receção de visitas do X de Ponte de Lima».

    12. O douto Tribunal a quo também não considerou a informação de 21-09-2019 do X de Ponte de Lima, em que se atesta que não existe qualquer registo nesses serviços hospitalares que justifique a presença da Arguida nesse dia, a essa hora, naquele local.

    13. O douto Tribunal a quo entendeu que «(…) o depoimento da filha coincidiu com o da sua mãe. Na verdade, esta acompanhou-a sempre e de que não deu por nada que fosse a sua mãe a retirar as carteiras. Acompanhou a sua mãe para obter uma declaração para entregar á Segurança Social, a fim de confirmar a baixa médica em o seu pai se encontrava» - fundamentação com a qual não concordamos.

    14. Não podem ser valorados, tal como fez o douto Tribunal a quo, o depoimento prestado por L. P.

    , bem como as declarações prestadas pela própria Arguida M. P.

    , apurando-se contradições entre os mesmos e em relação às demais provas produzidas: a.

    L. P.

    , filha da Arguida, tem 12 (doze) anos e mostrava-se claramente assustada, não querendo falar sobre o sucedido, dizendo, após ser questionada, que podia «falar algumas coisas».

    Referiu ainda que no dia 28-06-2019 foi com a sua mãe ao Hospital, ao piso quatro, buscar um papel para entregar na segurança social, no entanto, no piso quatro do dito Hospital não existem serviços informativos ou administrativos. A criança respondia com frases curtas de «Sim» e «Não».

    b.

    M. P.

    , Arguida – começou por referir o seguinte: «se tem aí as imagens eu estou a sair a porta das visitas e não a porta das consultas externas», sendo certo que ninguém lhe mencionou que as carteiras furtadas se encontravam junto do serviço de consultas externas. Também já se constatou que a porta das...

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