Acórdão nº 101/20.9T8CBC.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO Nos autos supra identificados em que figuram como autora CAIXA ... e réus X – IMOBILIÁRIA, S.A. e S. M. foi proferida a seguinte decisão: Por despacho datado de 28/09/2020, foram as partes notificadas para se pronunciarem, em 10 dias, e ao abrigo do princípio do contraditório, sobre a existência de uma eventual incompatibilidade substancial de pedidos (pedidos cumulados de demarcação e de reivindicação), o que originaria a ineptidão da petição inicial.

Através de requerimento datado de 12/10/2020, veio a autora alegar, em síntese, que, correspondendo à ação de demarcação a forma de processo comum, nada obsta que, no mesmo processo, se cumule o pedido de reconhecimento do direito de propriedade (ação real) com o de demarcação (ação pessoal), pois os pedidos não são incompatíveis.

Ademais, afirma que não foram formulados pela autora dois pedidos típicos da reivindicação – reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio e condenação do réu na sua entrega -, mas apenas o segundo, pugnando que os pedidos formulados são compatíveis entre si, substancial e processualmente.

Todavia, e para o caso do Tribunal assim não entender, a autora declara que mantém o pedido formulado na alínea a) e desiste da instância quanto aos demais pedidos tidos por com ele incompatíveis.

Os réus, por seu turno, por requerimento datado de 13/10/2020, arguem que a autora não coloca em causa nem o seu direito de propriedade nem o direito de propriedade do réu sobre os prédios confinantes, sendo que o direito em si não é a causa de pedir, mas uma das condições de legitimidade da autora para instaurar a acção de demarcação.

Acrescentam que, a autora não se limitou a pedir a demarcação do seu prédio, mas também a cumular um pedido característico do exercício do direito de reivindicação, pese embora se tenha limitado a pedir a restituição da coisa, pois que o pedido de reconhecimento se encontra implícito no pedido de restituição.

Mais, afirmam que a autora, no primeiro pedido implicitamente reconhece o seu direito de propriedade e ao mesmo tempo que este não se encontra afetado pois apenas pede a demarcação do seu prédio, todavia, num segundo momento (pedido) já coloca em causa esse mesmo direito de propriedade.

Entendem, assim, que se está perante uma cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, que gera a ineptidão da petição inicial e a nulidade de todo o processado, pugnado pela sua absolvição da instância.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de atentarmos aos pedidos formulados pela autora, diremos que a forma de processo adequada tem de ser determinada em função do pedido (ou pedidos) deduzidos pelo autor em sede de petição inicial e a(s) causa(s) de pedir que invoca para sustentar esse(s) pedido(s).

Dito isto, e com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, foi eliminado o processo especial de arbitramento, passando a ação de demarcação, tal como a ação de reivindicação, a seguir a mesma forma de processo – o processo comum de declaração.

Pugna a autora pela compatibilidade dos pedidos formulados em sede de petição inicial. Por seu turno, a ré defende a incompatibilidade substancial dos mesmos, peticionando a sua absolvição da instância.

Dispõe o artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do Código de Processo Civil que: “1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.

2 - Diz-se inepta a petição: (…) c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.

Esclarece Abrantes Geraldes (em Temas da Reforma do Processo Civil, volume I, 1999, página 131) que “serão incompatíveis os pedidos que mutuamente se excluam ou que assentem em causas de pedir inconciliáveis”.

Ou seja, ocorre ineptidão da petição inicial com fundamento em cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando, em cumulação real, são deduzidos pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem, isto é, pedidos que mutuamente se excluem ou que assentam em causas de pedir inconciliáveis.

O primeiro pedido formulado pela autora é um pedido típico de uma ação de demarcação: “Condenados os réus a concorrerem com a autora para a demarcação do prédio desta acima identificado, no confronto com o prédio da 1.ª ré com ele confinante”.

A ação de demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de incerteza das respetivas estremas.

A incerteza ou indefinição sobre os limites dos prédios tanto pode resultar do desconhecimento sobre os limites dos prédios como do desacordo sobre os mesmos.

O direito de propriedade de autor e réu sobre os respetivos prédios, a demarcar, não integra a causa de pedir da ação de demarcação, mas funciona como mera condição de legitimidade ativa e passiva para a ação de demarcação.

A causa de pedir na ação de demarcação é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas. O pedido é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos.

A questão controversa, in casu, é se os restantes pedidos podem ou não ser cumulados com o supra citado pedido de demarcação.

Vejamos.

Peticiona, também, a autora que a ré seja condenada a entregar-lhe a totalidade de determinada área (que se arroga proprietária), livre e desocupada de quaisquer bens ou parcelas de edifícios e condenados ambos os réus a pagarem à autora a importância correspondente à diferença entre o valor do prédio antes e depois da demolição do edifício, tendo como limite o valor do crédito da autora sobre o 2.º réu.

Ora, salvo melhor opinião, entendemos que o segundo pedido formulado pela autora configura um pedido típico de uma ação de reivindicação (e o terceiro pedido um seu desenvolvimento ou consequência) A acção de reivindicação é uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta) Não obstante a autora alegar que apenas peticiona a entrega da coisa, é pacífico que o pedido de reconhecimento da propriedade é um pedido implícito do pedido de restituição, não tendo de ser expressamente peticionado (neste sentido, vide, Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, página 113 e, entre vários, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/03/2019, processo n.º 61/17.3T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt).

Diremos, contudo, que nem sempre é fácil distinguir a ação de reivindicação da ação de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão de domínio, relativamente a uma faixa de terra. Mas, podemos dizer que na primeira daquelas ações, está em causa o próprio título de aquisição, enquanto que na outra, discute-se a extensão do prédio possuído.

Na ação de reivindicação do direito de propriedade, o autor tem que alegar os factos constitutivos do direito de propriedade de que se arroga, devendo caracterizar da forma mais precisa possível o objeto a que respeita o seu direito e descrever a ofensa que lhe foi feita ou está a ser feita, delimitando a medida desse ataque ao seu direito, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que afirma pertencer-lhe.

Na reivindicação não é possível requerer que se delimite ou se determine confrontações de terrenos. Estes já estão devidamente definidos, pretendendo-se a sua restituição aos legítimos proprietários, se a ocupação for ilegal (neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/06/2011, processo n.º 406/09.0TBCMN.G1, disponível em www.dgsi).

Ou seja, na ação de reivindicação é pressuposto a certeza sobre os limites do prédio e na demarcação, pelo contrário, é pressuposto a incerteza dos limites, seja por desconhecimento ou por desacordo, como supra se referiu.

Ora, facto é que as partes se encontram em desacordo quanto aos limites dos respetivos prédios.

Ora face aos pedidos formulados pela autora, entendemos que gera ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processado, a formulação, em cumulação de pedidos próprios da ação de reivindicação, como é o pedido de “ (…) entregar-lhe a totalidade dessa área, livre e desocupada de quaisquer bens ou parcelas de edifícios” que constituiu um pedido de restituição de propriedade, com o pedido de “ (…) concorrerem com a autora para a demarcação do prédio acima identificado, no confronto com o prédio da 1.ª ré com ele confinante”, próprio da ação de demarcação, por se tratarem de pedidos substancialmente incompatíveis.

Ineptidão que, em princípio, não é sanável.

Todavia, uma vez que a autora, alertada, manifestou, caso o Tribunal entendesse que a cumulação de pedidos se revelasse incompatível, a sua vontade em prosseguir a ação para conhecimento do pedido formulado na al. a) da petição inicial, desistindo dos julgados incompatíveis, e sendo a desistência livre, podendo a autora desistir a todo o tempo, entendemos, que desta forma, se encontra suprida a exceção verificada.

Face a todo o exposto, homologa-se a desistência dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) (pois este último é um desenvolvimento ou consequência do pedido formulado em b)) da petição inicial, ao abrigo do disposto nos artigos 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 2, 286.º, n.º 3 e 290.º do Código de Processo Civil.

Custas pela autora, nos termos do artigo 537.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Notifique, sendo a autora nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

*Registe e notifique.

Aguardem os autos o trânsito da presente sentença e após, conclua.

Seguiu-se requerimento dos réus X – IMOBILIÁRIA, S.A. e S. M.

com o seguinte teor: X – IMOBILIÁRIA, S.A. e S. M...

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