Acórdão nº 3228/18.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIO M. A.

, na qualidade de mãe de D. C., falecido a ..-06-2013, intentou a presente acção declarativa de condenação (1) contra J. R.

, Herança Jacente de A. R.

, falecido no dia ..-01-2018 e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe: 1. Metade da quantia de 120.000,00 €, decorrente da perda do direito à vida do seu filho (€ 90.000,00) e danos morais deste (€ 30.000,00); 2. A quantia de 51.858,00 €, a título de danos morais próprios da Autora (€ 50.000,00) e a título de danos patrimoniais resultantes da despesa suportada com o funeral (€ 1.858,00).

Em qualquer dos casos 1. e 2., o quantum indemnizatório deverá ser suportado pela Ré na proporção da culpa que vier a ser atribuída a final ao condutor do veículo TG.

Alegou, em síntese, danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude do falecimento do filho, em consequência de acidente de viação cuja ocorrência imputa à conduta culposa concorrente dos condutores dos dois veículos intervenientes no acidente: o pesado de mercadorias TG e o ligeiro de mercadorias ZD, no qual o D. C. era na ocasião transportado como passageiro.

Suscitou incidente de intervenção principal provocada de A. C.

, pai do falecido D. C..

*O Réu J. R. contestou.

Excepcionou: - a ilegitimidade activa da Autora por preterição de litisconsórcio necessário na pessoa de A. C.; - que na altura do acidente o veículo TG estava cedido, pelo contestante, em regime de comodato, à empresa “X - Unipessoal, Lda.” e circulava sob a responsabilidade e no exclusivo interesse desta, por conta de quem o condutor A. R. exercia a profissão de pedreiro, razão pela qual não dispunha o Réu J. R. da direcção efectiva do mesmo; - versão do acidente com contornos distintos dos alegados pela Autora, imputando a totalidade da culpa ao condutor do veículo automóvel no qual o filho da Autora era transportado, para além de que este não tinha colocado o cinto de segurança, o que contribuiu para as consequências letais do embate.

Impugnou os danos alegadamente sofridos por D. C., já que teve morte imediata, encontrando-se também sob efeito de produtos estupefacientes.

*Também o Fundo de Garantia Automóvel contestou.

Impugnou, por desconhecimento, a matéria da dinâmica do acidente e dos danos reclamados.

Excepcionou que o veículo de matrícula TG tinha a responsabilidade civil transferida para a “Y – Companhia de Seguros, SpA”, através da apólice n.º …..75, válida e eficaz à data de 13-06-2013.

*Foi proferido despacho que admitiu a intervenção processual principal provocada de A. C., na qualidade de co-titular de parte do direito indemnizatório arrogado pela Autora.

*A. C. Castro interveio com articulado próprio, deduzindo contra os Réus pedido idêntico ao da Autora, reiterando a versão do acidente narrada na p.i. e arguindo danos morais próprios por via da destruição precoce da relação afectiva com o filho.

*Respondeu o F.G.A., impugnando a matéria de facto alegada por A. C..

*Dispensada a realização da audiência prévia, elaborou-se despacho-saneador no qual se declarou sanada, pela intervenção processual provocada de A. C., a excepção de ilegitimidade activa da Autora M. A., por preterição de litisconsórcio necessário activo, suscitada na contestação do Réu J. R. (fls. 43 v.º), se identificaram o objecto do litígio e os temas da prova e foi proferido despacho de admissão dos meios de prova arrolados pelas partes.

*Designada data, procedeu-se ao julgamento com a observância das formalidades legais.

*No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos: Em face do exposto: A.

Julgo parcialmente procedente a presente acção, condenando solidariamente os Réus J. R., Herança Jacente de A. R. e Fundo de Garantia Automóvel, a pagarem: a) À Autora M. A.

: 1. Metade da quantia de € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento; 2. A quantia de € 13.429,00 (treze mil, quatrocentos e vinte e nove euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data sobre o montante de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) e de juros vencidos e vincendos contados desde a citação sobre o montante de € 929,00 (novecentos e vinte e nove euros), em ambos os casos até efectivo e integral pagamento.

  1. Ao Interveniente A. C.: 1. Metade da quantia de € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento; 2. A quantia de € 6.250,00 (seis mil, duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros vincendos contados desde a presente data até efectivo e integral pagamento.

    B.

    Julgo parcialmente improcedente a presente acção, absolvendo os Réus da parte restante do pedido.

    *Custas por Autora, Interveniente e Réus na proporção do decaimento (art.º 527º do C.P.C.), sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.

    Registe e notifique.

    * Inconformado com essa sentença, apresentou o R.

    J. R.

    recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: I.

    Vem o presente recurso da circunstância de o apelante não se conformar com a douta sentença, no segmento em que o condena, ainda que solidariamente, como responsável civil pelo acidente de viação nos termos previstos pelo artº 500º nº 1 e ainda nos termos previstos no artº 503º nº 1.

    II.

    Com relevo para o segmento decisório de que se recorre importa a matéria de facto provada sob o ponto 41. 42. e 43. da sentença recorrida.

    III.

    Foi a seguinte a motivação que deu tais factos como provados: “Os factos provados números 41 e 42, resultam do teor da declaração de cedência junta pela “W Ld.ª” (requerimento do dia 08.07.2019) a fls. 162 e guias de transporte e facturas juntas de fls. 172 a 229, bem como do testemunho de A. I. (TOC da “X” pertencente ao Réu J. R.) que disse que esta sociedade só usava este camião por empréstimo do Sr. J. R., seu proprietário. A declaração de fls. 162 feita para efeitos fiscais e de contabilidade, sendo todos os custos de circulação suportados pela empresa. Relativamente ao facto provado número 43, para além dos supra aludidos, relevaram também os documentos juntos: comunicação de funcionário à Segurança Social, contrato de trabalho e recibos de vencimento juntos pela “W, Ld.ª” a 08.07.2019 – fls. 163 e ss..

    ” IV.

    Da factualidade dada como provada, resultam as seguintes conclusões: o A. R. conduzia o TG, enquanto funcionário da empresa X, sob ordens e direção e no exclusivo interesse desta; que o A. R. agia como comissário e a empresa X correspondentemente, como comitente e que quem tinha a direção efetiva do veículo TG, no momento do acidente era a empresa X, Unipessoal, Lda.

    V.

    O condutor do TG era à data do acidente funcionário da empresa X e atuava sob ordens e direção desta empresa, mantinha com ela um contrato de trabalho e à data do acidente estava a exercer as suas funções no âmbito desse contrato de trabalho, conforme facto provado 43. cuja fundamentação da decisão de facto foi a seguinte: “Relativamente ao facto provado número 43, para além dos supra aludidos, relevaram também os documentos juntos: comunicação de funcionário à Segurança Social, contrato de trabalho e recibos de vencimento juntos pela “W, Ld.ª” a 08.07.2019 – fls. 163 e ss..

    ” VI.

    O facto de o apelante ser gerente da entidade empregadora a quem o A. R. prestava serviço, não lhe dá a qualidade de comitente perante o trabalhador dessa sociedade.

    VII.

    O sócio-gerente constituindo um órgão diretivo e sendo representante de uma sociedade, participa na sua vontade social, contudo, esse desígnio não identifica a vontade psicológica do gerente com a vontade da sociedade, pessoa coletiva de direito próprio.

    VIII.

    Não há qualquer relação de comissão entre o Réu J. R. e A. R., mas antes entre este e a empresa X no âmbito de um contrato de trabalho e os factos provados 42. e 43. confirmam essa conclusão.

    IX.

    Quem determinava, quem conduzia o veículo TG ao seu serviço, nos diversos transportes pesados entre fornecedores e clientes era a X.

    X.

    A sociedade X, Unipessoal, Lda, enquanto sujeito de direito goza de personalidade e capacidade judiciária, o que decorre do artº 5 do CSC.

    XI.

    O apelante, enquanto gerente da sociedade X, tinha como função praticar todos os atos que forem necessários e convenientes para a realização do objeto social da sociedade e foi na prossecução desse fim e nessa função, que determinou o transporte naquele fatídico dia, sempre investido nesse papel de gerente.

    XII.

    Nos termos do artigo 252º nº 1 do CSC, o órgão de representação da sociedade por quotas e a quem impende a expressão da vontade da sociedade perante terceiros é a Gerência.

    XIII.

    A decidir-se pela condenação do Réu J. R. como comitente, violou a sentença recorrida o artº 500º nº 1 do Código Civil, artºs 5º e 252º do Código das sociedades comerciais.

    XIV.

    O tribunal recorrido em total erro de julgamento condenou ainda o Réu J. R. nos termos do artº 503º nº 1 CC.

    XV.

    Releva neste ponto o seguinte excerto decisório: - J. R., enquanto proprietário do veículo pesado, responde nos termos previstos pelos artigos 500º, n.º 1 e 503º, n.º 1 do Código Civil, na medida em que o condutor do veículo automóvel – funcionário da empresa “X” também pertencente ao Réu J. R. – se encontrava na ocasião a agir no interesse deste Réu que, beneficiário directo de toda a actividade exercida pela “X”, havia autorizado a circulação daquele pesado no giro industrial/comercial desta, tendo sido ele quem, enquanto sócio- gerente determinou o serviço realizado na ocasião pelo condutor.” XVI.

    A sentença recorrida, condenou erradamente o Réu J. R. nos termos do 503º nº 1 CC: enquanto proprietário do veículo e enquanto beneficiário direto da atividade da X.

    XVII.

    A responsabilidade pelo risco, tipificada no artº 503º n º1 do CC, depende de dois pressupostos...

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