Acórdão nº 2283/17.8T8BCL-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório A. C.

deduziu, em 15-03-2019, providência tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra A. E., alegando, em síntese: - por sentença datada de 21 de fevereiro de 2013, o requerido ficou obrigado a contribuir a título de alimentos às filhas menores de ambos, A. M., nascida a ..

-03-2007, e D. M., nascida a ..

-09-2011, com a quantia mensal de €100,00 a cada uma, quantia essa a atualizar anualmente no início de cada ano civil, de acordo com a atualização verificada no vencimento do requerido; - apesar de se encontrar estipulada tal quantia, por iniciativa própria, o requerido pagava inicialmente a quantia de €150,00 a título de pensão de alimentos, o que fez até dezembro de 2016, razão por que a requerente não solicitou a respetiva atualização; - a partir de janeiro de 2017, o requerido passou a pagar a quantia estipulada (€100 para cada menor) não tendo procedido à atualização anual da pensão de alimentos fixada inicialmente; - em setembro de 2017, a requerente deu entrada a uma ação de alteração das responsabilidades parentais, a que os presentes se encontram apensos, ação na qual foi alterado por acordo judicialmente homologado, em 06-02-2019, o artigo 10.º do regime fixado, tendo ficado estipulado o montante de €110,00 a título de pensão de alimentos para cada uma das menores; - sucede que em 2017, 2018 e 2019 o requerido não procedeu à atualização da pensão fixada, tendo sido este valor aumentado no âmbito do processo supra referido, em fevereiro de 2019, não tendo igualmente o requerido procedido à atualização devida no início de 2020; - o requerido trabalha na área da restauração, auferindo o salário mínimo nacional; - em 2017, o salário mínimo era de €557,00, traduzindo-se numa atualização de 5,09% em relação a 2016; - em 2018, o salário mínimo era de €580,00, traduzindo-se numa atualização de 4,13%, em relação a 2017; - em 2019, o salário mínimo era de €600,00, traduzindo-se numa atualização de 3,45% em relação a 2018; - em 2020, o salário mínimo é de €635,00, traduzindo-se numa atualização de 5,83% em relação a 2019; - com as referidas atualizações, o requerido devia pagar mensalmente, a cada uma das menores a título de pensão de alimentos: - em 2017, a quantia mensal de €105,09; - em 2018, a quantia mensal de €109,42; - em 2019, a quantia mensal de €113,20; - em 2020, a quantia mensal de €119,80. Conclui estarem em dívida os seguintes valores: €122,16 em 2017; €226,08 em 2018, €52,80 em 2019, e €316,80 em 2020, tudo no total de €707,84.

O requerido foi notificado para alegar, o que fez, sustentando inicialmente que ao longo dos anos até pagava a mais do que aquele que estava estipulado, sendo que tais valores cobrem perfeitamente a dita “atualização” das pensões de alimentos a ambas as menores.

Foi realizada a conferência a que alude o artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro (RGPTC), na qual não foi possível a obtenção de acordo.

As partes foram notificadas para alegar, mantendo a requerente a posição manifestada no requerimento inicial, enquanto o requerido veio alegar que “ao contrário do que alega a requerente a atualização não está indexada à valorização do salário mínimo nacional (smn)” mas à média da remuneração efetivamente recebida pelo requerido em cada ano. Em conformidade com a posição assumida, sustenta que: «[d]e acordo com o extrato de remunerações junto pela Segurança Social, deram-se as seguintes atualizações na remuneração do Requerido: a. no ano 2017 a média de remunerações foi de € 477,01, numa desvalorização de 10%; b. no ano 2018 a média de remunerações foi de € 580,00, numa valorização de 17,76%;c. no ano 2019 a média de remunerações foi de € 600,00, numa valorização de 3,45%. d. no ano 2020 (que ainda não terminou pelo que a atualização será aferida no próximo ano) a média de remunerações até o mês de agosto inclusive é de € 497,49, numa desvalorização de 17,085%.15. Ou seja, o Requerido em 2018 deveria ter pago mensalmente o valor de € 90,00, em 2019 o valor de € 105,98, em 2020 o valor de € 109,64, e, verificando-se a atual desvalorização, em 2021 pagará o valor de € 90,91.16. Ou seja, em 2018 terá pago em excesso € 120, em 2019 menos € 71,76 e em 2020, até fim de agosto, pagou menos € 77,12.17. Resultando assim que, segundo os factos e cálculos de que a Requerida se arroga, encontrar-se-á somente em dívida a quantia de € 28,28.18. Acresce ainda que o Requerido, ao contrário do que lhe é exigível, entrega a pensão de alimentos mesmo no mês em que tira férias com as suas filhas.19. Ou seja, feitas as contas sempre se dirá que quem teria de receber alguma coisa seria o Requerido e não a Requerente».

Efetuadas diligências instrutórias tidas por necessárias foi proferida sentença datada de 10-12-2020, na qual se decidiu o seguinte: « (…)Pelo exposto, decido: - julgar parcialmente procedente o presente incidente e, em consequência, - verificar o incumprimento do requerido quanto ao valor de 476,68€.

Custas por requerente e requerido, na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique, sendo-o o requerido para, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, demonstrar o pagamento da quantia acima indicada (e, eventualmente, outras que entretanto se tenham vencido, em ordem a evitar a dedução de novo incidente), sob pena de serem desencadeados os mecanismos de cumprimento coercivo previstos no art.º 48º do RGPTC».

O requerente veio então interpor recurso, o qual, após reclamação, foi admitido como apelação, para subir de imediato e com efeito meramente devolutivo.

Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O presente recurso é interposto com o objetivo de se julgar totalmente improcedente o incidente apresentado pela Requerente, alterando-se assim a sentença recorrida.

  1. Com efeito, vem o Recorrente condenado a pagar o valor de 476,68, valor com o qual o Recorrente não concorda, crendo que nada é devido a este título.

  2. O presente recurso centra-se (a) na interpretação da cláusula 11.ª do regime que regula as responsabilidades parentais – veja-se o facto provado c) –, que determina que a “a pensão de alimentos será atualizada no início de cada ano civil de acordo com a atualização verificada no vencimento do requerido”; (b) em saber se a pensão de alimentos é devida durante o período em que o progenitor fica com as suas filhas menores; e, (c) em saber se os valores entregues em excesso pelo progenitor podem ou não ser considerados para compensação dos valores alegadamente entregues abaixo do alegadamente devido.

  3. Com a primeira das alíneas impugna-se o facto provado i) da sentença.

  4. Com efeito, por acordo homologado em 21-02-2013, acordaram as partes em que o Apelante ficaria obrigado a entregar a título de alimentos às suas filhas menores a quantia mensal de € 100,00 a cada uma, quantia essa a atualizar “(…) no início de cada ano civil de acordo com a atualização verificada no vencimento do requerido”.

  5. Ou seja, encontra-se a atualização da pensão de alimentos indexada ao efetivo vencimento do progenitor e não, como dita a sentença, ao salário mínimo nacional.

  6. Cremos que a cláusula é clara e à luz do disposto no artigo 236.º do Código Civil, entendimento contrário ao que aqui defendemos não será admissível.

  7. Nestes termos, urge assim entender à média anual do vencimento do Apelante, pois só assim poderemos ter noção da atualização a aplicar ao caso.

  8. Concluímos assim, feitos os cálculos nos termos supra expostos e atenta as desvalorizações que se deram no vencimento do Apelante em 2017, por exemplo, que não se encontra nenhum valor em dívida.

  9. Quanto à alínea b), urge versar sobre se o valor a ser pago a título de pensão de alimentos deve ser entregue mesmo no período de férias ou nos períodos que as menores ficam mais tempo com o progenitor. Ou seja, o correspondente a um mês por ano.

  10. Salvo melhor opinião, julgámos que nos períodos de férias correspondentes a um mês por ano o Recorrente não se encontra obrigado a pagar a pensão, porquanto, encontra-se com as menores.

  11. Entendimento contrário poderia levar ao caso em que o pai, por alguma razão, passa mais tempo com as menores e, ainda assim, se vê na obrigatoriedade de entregar tal valor à progenitora, que, por sua vez, não está sequer com as menores.

  12. Cremos assim que andou mal o Tribunal a quo em não conceder provimento ao alegado pelo Recorrente. Verificando-se esta corrente, outro entendimento será exigido, porquanto, nada é devido a título de pensão de alimentos.

  13. Ao invés, seria sempre o Recorrente que poderia requerer a devolução do valor pagado em excesso, o que, como é lógico, não pretende, em benefício das suas filhas.

  14. Quanto à última das alíneas, determina o Tribunal que os valores entregues a mais pelo progenitor consubstanciam meras liberalidades que não eximem o Recorrente do cumprimento integral das obrigações que em momento posterior se foram vencendo.

  15. Não concordámos com tal teor, pois, se é verdade que nos anos em que o Recorrente não aufira qualquer valor tem de entregar a pensão determinada, não deixa de ser verdade que os valores que foi pagando ao longo dos anos em excesso deverão ser tidos em conta para o presente.

  16. Pelo que, também por isso deverá o incidente ser julgado improcedente».

    A requerente apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido Também o Ministério Público apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.

    O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil...

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