Acórdão nº 1985/21.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução02 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (em parte conforme o elaborado em 1ª instância).

  1. F., NIF ………, residente na Rua …, Guimarães, veio intentar ação comum contra C. G.

, Advogada, com domicílio profissional sito no Largo ...

, Guimarães, pedindo, a final, a condenação desta no pagamento ao Autor da quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que a Ré foi nomeada no âmbito da Lei do Acesso ao Direito como Patrona, tendo sido notificada em dezembro de 2016 para propor ação – Processo Crime (Inquérito). O Autor procedeu à entrega da respetiva documentação solicitada, nomeadamente escritura pública, despesas relacionadas com impostos, nomeadamente IMT, distrate de hipoteca, tendo sido informado que a ação foi intentada.

Em novembro de 2017 o Autor deslocou-se ao Tribunal e foi informado que não existia nenhuma ação intentada por si, representado pela Ré. A Ré nunca mais contactou o Autor (o que subsistiu até janeiro de 2018), não propôs a ação nem pediu escusa, tendo sido requerida a substituição de patrono, o que até ao presente ainda não foi realizado. Instada a devolver os documentos, necessários para a ação de divórcio do Autor, alega a Ré que nunca os recebeu, o que lhe causa transtornos económicos e emocionais.

Face à conduta da Ré, o Autor viu-se de impedido de aceder aos Tribunais, sofrendo danos morais, dado que viu sua expectativa jurídica gorada.

Foi proferido despacho para o Autor esclarecer “qual a ação que pretendia propor, quais os documentos que entregou com esse fim e em que medida é que tinha expetativa na propositura e procedência, indicando qual o dano causal entre os danos alegados e a ausência de propositura da ação. O dano da perda de chance tem de ser um dano presente, aferido em termos de probabilidade, não de um benefício genérico esperado de ver intentada uma ação sem qualquer fundamento. Todos estes factos são pressupostos necessários para a procedência da ação, e sem os quais a mesma será manifestamente improcedente.” O Autor veio apresentar o seguinte requerimento: Salvo o devido respeito, a ação ora proposta pelo Autor contra a Ré tem como fundamento a violação do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais, que resultou da não atuação da Ré, violando os seus deveres, que causou danos não patrimoniais ao Autor, uma vez que, se viu impedido de aceder à Justiça, em razão da referida violação.

Pelo que, não alegando o Autor qualquer dano de perda de chance mas sim danos não patrimoniais decorrentes da violação do seu direito fundamental, não tem caráter de essencialidade para a presente ação os esclarecimentos requeridos por V.ª Ex.ª.

Uma vez que, e salvo melhor opinião, a violação do referido direito fundamental, decorrente da atuação ilícita e culposa da Ré, é suscetível de causar os danos não patrimoniais alegados pelo Autor, verificando-se todos os necessários pressupostos para a procedência da ação.

*De seguida foi proferido o seguinte despacho: “Uma vez que não foram esclarecidos os fundamentos indicados para a ação, nem os seus factos indicados, a ação terá de improceder por manifesta ausência dos factos tidos por essenciais, nos termos do artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Assim, resultam dos autos os seguintes factos essenciais alegados: - A Ré foi nomeada no âmbito do Apoio ao Direito para propor ação – Processo Crime (Inquérito), em novembro de 2016.

-Entregues documentos à Ré, e tendo sido dito que a ação foi intentada, o Autor deslocou-se ao Tribunal em novembro de 2017 e não havia nenhuma ação intentada em seu nome pela Ré.

- O Autor entregou uma escritura pública, despesas relacionadas com impostos, nomeadamente IMT, distrate de hipoteca, que pediu para devolver, tendo a Ré alegado que não lhe foram entregues.

- O Autor sofreu transtornos económicos e emocionais.

*Esta questão foi delineada como responsabilidade civil de advogado, no exercício do seu patrocínio, alegando o Autor a violação do direito fundamental de acesso ao direito, por não ter sido intentada ação por si pretendida.

O direito de acesso aos Tribunais encontra-se plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra como Direito Fundamental o “Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional efetiva”, assegurando a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

O Autor, através do sistema de apoio jurídico, solicitou a nomeação de Patrono para um inquérito penal, não tendo sido alegado, em concreto, qual o direito que foi ofendido e que visava proteger, nem se o exercício do mesmo dependia de queixa, se o mesmo prescreveu. Desconhece-se qual o direito que o Autor pretendia fazer valer em Tribunal.

A Ré, patrona nomeada, não é obrigada a intentar a ação, devendo, caso não o faça justificar à Ordem dos Advogados, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar (artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).

Neste caso, não foi alegada tal falta de comunicação, mas apenas que um ano depois não havia ação. Poderíamos até configurar o caso de, tendo sido apresentada participação no Ministério Público, a mesma tenha sido liminarmente arquivada.

A Ré, ao cumprir o patrocínio oficioso, tal como no mandato forense, tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (artigo 97.º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados), dando “a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitada, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas”.

O advogado mantém, no entanto, a sua independência e autonomia técnica, assumindo uma obrigação de meios e não de resultado para com o mandante.

Mais uma vez, de acordo com os factos alegados, não se retira que a Ré deveria ter intentado uma ação/inquérito, que ao não fazê-lo não atuou com a diligência devida, que não cumpriu com os seus deveres deontológicos. O simples facto de não existir ação um ano depois, nem mesmo o facto de não ter intentado a ação, não configura uma violação das suas obrigações.

Por outro lado, nada pede em relação aos documentos, sendo certo que se tratam de documentos que podem ser novamente obtidos recorrendo diretamente aos serviços.

A existência de um facto ilícito e culposo é determinante para a responsabilidade do devedor/lesante (artigo 483.º e 798.º do Código Civil).

Outro facto essencial para a procedência da ação é a existência de um dano. Como sintetiza Antunes Varela (Direito das Obrigações em geral, 9.ª ed., II, p. 928), "o autor do facto será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido".

O Autor esclarece que não é a expetativa jurídica nem a perda de chance que pretende ver ressarcida, mas sim os transtornos económicos e emocionais, e o dano que o marcará para a vida.

Não se percebe que dano, não estão concretizados, sendo certo que, os “transtornos” não dão lugar a indemnização por danos não patrimoniais, que apenas merecem a tutela do direito quando sejam graves (496.º, n.º 1 do Código Civil).

Assim, inexistem fundamentos para a condenação da Ré.

* * *Dispositivo Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo manifestamente improcedente, e indefiro a ação proposta contra a Ré C. G.

.

Valor da ação: 25.000 €.- Custas a cargo do Autor (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

Registe, notifique e junte ao suporte físico do processo.”*Inconformado, veio o A. interpor recurso apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) 1. Vem o presente Recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos na qual a Mta. juiz “a quo” julgou manifestamente improcedente a Petição Inicial, indeferindo a acção proposta pelo Recorrente; 2. Salvo o devido respeito, que é muito, é entendimento do Recorrente que o Tribunal “a quo”, ao indeferir liminarmente a Petição Inicial infringiu o Princípio do Contraditório, que exige que uma vez instaurada determinada acção, o Demandado tenha conhecimento de que contra si foi formulado um pedido, com fundamento em determinada causa de pedir, dando-lhe oportunidade de defesa; 3. Ora, entende o Recorrente que o Tribunal “a quo” não pode indeferir liminarmente a Petição Inicial, sem ouvir a demandada sobre a questão em que assentou esse indeferimento liminar, desta forma infringindo o nº 3 do art. 3º do CPC; 4. Sendo esta infração geradora de nulidade nos termos do disposto no nº 1 do art. 195º do CPC, uma vez que tal irregularidade claramente influi no exame e decisão da causa; 5. Nestes termos, deve ser revogada a sentença proferida pela Ex.a Juiz “quo” e ser decidido que a acção deve seguir a sua normal tramitação; 6. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal “a quo”, ao decidir que não existem fundamentos para que a R. seja condenada incorreu num erro de apreciação de mérito, prejudicando dessa forma que o pedido fosse apreciado em sede de julgamento; 7. Ora tendo em conta que a ação proposta pelo Recorrente contra a Ré tem como fundamento a violação do direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais, que resultou da não atuação da Ré, violando os seus deveres, que causou danos não patrimoniais ao Autor, uma vez que, se viu impedido e aceder à Justiça, em razão da referida violação; 8. Pelo que, alega o Recorrente danos não patrimoniais decorrentes da violação do seu direito fundamental; 9. A violação do referido direito fundamental, decorrente da atuação ilícita e culposa da Ré, e é suscetível de causar os danos não patrimoniais alegados pelo Recorrente, verificando-se todos os necessários pressupostos para...

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