Acórdão nº 1587/20.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório O Banco ..., S.A. – Sociedade Aberta, intentou contra A. C.

acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, para ressarcimento dos danos sofridos em virtude da conduta do réu, o qual, ouvido como testemunha em processo no qual o ora autor era demandado por um cliente, prestou falso depoimento, o qual levou à procedência da acção e consequente condenação do ora autor a indemnizar o seu cliente no montante que este peticionava. O autor interpôs recurso dessa sentença mas como a mesma foi confirmada na Relação e no Supremo, tendo transitado em julgado, acabou por pagar ao demandante o montante arbitrado pelo Tribunal.

Apesar de a definição dos factos provados ter assim ficado definitivamente decidida naquele processo (6917/16.3T8GMR), por toda a prova produzida ter sido reapreciada em recurso na Relação, chegando esta à conclusão, definitiva porque transitada em julgado, que a matéria de facto estava bem julgada, e o direito bem aplicado, o ora autor não se conformou, e por isso intentou a presente acção na qual vem alegar o seguinte: a) só foi possível julgar aquela acção procedente com fundamento nos factos constantes dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 e só foi possível estes factos serem dados como provados com base no depoimento falso prestado em audiência como testemunha pelo aqui réu A. C. que, ao tempo da subscrição das obrigações, era funcionário do Banco ... e foi quem, na circunstância, atendeu aquele J. A.; b) não são verdadeiros os factos que o Tribunal deu como provados e que constam dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do elenco constante da sentença da Primeira Instância e do Acórdão da Relação de Guimarães sobre ela proferido.

  1. se é certo que os mesmos foram dados por provados, tal ficou a dever-se ao depoimento produzido em audiência final pelo aqui réu A. C.; d) quando depôs em tribunal na acção intentada por J. A., o aqui réu já não era funcionário do Banco ... pois o respectivo contrato de trabalho tinha sido resolvido por despedimento com invocação de justa causa fundada no facto de, enquanto trabalhador, ter ele praticado a adulteração de valores faciais de cheques, beneficiando, assim, de forma indevida e fraudulenta, de fundos de clientes, sendo que por estes factos ele foi criminalmente condenado.

  2. o que o réu assim declarou naquela audiência de julgamento não é verdade, nem como tal alguma vez se passou.

  3. nunca o Banco deu instruções para que os seus funcionários, ao colocar produtos financeiros ao balcão, informassem falsamente os clientes dando-lhes por seguros e garantidos os investimentos em obrigações ou em acções.

  4. jamais deu instruções para que informassem os clientes que o investimento em obrigações, designadamente as Obrigações que a Telecomunicações ... emitiu em 2012 e que eram as que estavam em causa na acção em que o Réu depôs como testemunha, era tão seguro como uma aplicação em depósito a prazo; h) ao agir como agiu, o réu faltou ao dever de fidelidade em relação à verdade, quebrando o juramento que prestou antes de depor e, deste modo, violando o disposto no art. 459º do Código de Processo Civil; E é por isso que agora vem pedir a condenação do réu no pagamento da quantia de €65.564,43, acrescida de juros, a título de indemnização por danos patrimoniais.

O réu contestou, impugnando os factos alegados na petição inicial.

Concreta e resumidamente, o réu disse que: a) tudo o que ele declarou na qualidade de testemunha na acção de Processo Comum n.º 6917/16.3T8GMR foi a verdade; b) é alheio à forma como o seu depoimento foi valorado nas instâncias, no âmbito do processo judicial supra mencionado; c) nunca em momento algum o Réu garantiu ter vendido ao ali Autor o produto financeiro em causa na referida acção, ou sequer ter-lhe prestado uma informação como a que resultou provada no ponto 5 da douta sentença; d) resulta à saciedade, quer da douta sentença, quer do douto acórdão proferidos na mencionada acção judicial, que não foi devido ao depoimento do Réu que foram julgados provados os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 da referida douta sentença; Foi dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, onde se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal.

Foi então proferida sentença, que julgou a acção improcedente e consequentemente absolveu o réu do pedido.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. arts. 629º,1, 631º,1, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a), e 647º,1, todos do Código de Processo Civil). Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1ª.

O presente recurso tem por objecto obter a modificação do julgamento da matéria de facto para depois, e na sequência da modificação operada, se obter a alteração da decisão de direito mediante a inerente condenação do recorrido a indemnizar o Recorrente pelo prejuízo decorrente do falso testemunho que prestou; 2ª.

A improcedência da acção resultou, na Instância, de o Tribunal da Comarca ter dado como não provados os factos constantes dos números Pontos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 10, todos eles alegados na petição inicial da acção como fundamento da responsabilidade civil pedida ao réu; 3ª.

Estes factos, no provimento do presente recurso, devem todos eles merecer resposta de provados; 4ª.

O Tribunal da Instância errou ao dar aqueles factos como não provados porque, sabendo-se que a natureza jurídica das obrigações da Telecomunicações ..., emitidas em 2012, não autorizava de modo nenhum a informação aos clientes de que envolviam um investimento tão seguro como o de um depósito a prazo, não interligou, em termos de convicção probatória, esta regra de experiência da vida com os depoimentos concordantes que foram prestados em audiência pelas testemunhas A. L. e A. V.; 5ª.

São decisivos para chegar a esta conclusão os excertos dos depoimentos destas duas testemunhas que se escutam nos segmentos gravados a minutos 08:10 a 13:45 e 22:25 a 24:00; 6ª.

Se articularmos os depoimentos prestados por estas testemunhas com a regra da experiência da vida que nos diz, fora de casos extremos, que o que é evidente, evidente é, temos que a sentença recorrida, ao dar como não provados os factos elencados na Conclusão 2ª violou o disposto no nº 5 do artº 607 do Cód. Proc. Civil que, ao conceder ao juiz da causa a liberdade de apreciar as provas segundo a sua prudente convicção, o que lhe concede é uma liberdade para a objectividade e não para a mera subjectividade; 7ª.

Objectivamente apreciada a prova, está bom de concluir e concluir com segurança que o aqui Recorrido, ao depor como depôs no processo em que o Recorrente foi réu, faltou conscientemente à verdade por bem saber que no momento da subscrição das obrigações não podia ter dito e de certeza não disse ao cliente que podia subscrever as obrigações tranquilo por aquele produto financeiro ser tão seguro como um depósito a prazo; Assim, 8ª.

Não tendo o Recorrido dito ao cliente aquando da subscrição das obrigações da Telecomunicações ... em 2012 que estas eram de capital tão garantido como se se tratasse de um depósito a prazo – não o tendo dito, necessariamente que faltou conscientemente à verdade quando, na audiência final da acção intentada por aquele cliente contra o Banco, afirmou o contrário, acusando o Banco de, por seu intermédio, ter violado o dever de informação em que estava constituído; 9ª.

Reapreciado o julgamento da matéria de facto temos que devem ser dados como provados os seguintes factos: a.

Que não são verdadeiros os factos que o Tribunal deu como provados e que constam dos Pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 do elenco constante da sentença da Primeira Instância e do Acórdão da Relação de Guimarães sobre ela proferido.

b.

Que os factos dados por provados na acção intentada contra o Banco o foram em consequência do depoimento falso produzido em audiência pelo aqui réu A. C.

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c.

Quando depôs em tribunal na acção intentada por J. A., o aqui réu já não era funcionário do Banco ... pois o respectivo contrato de trabalho tinha sido resolvido por despedimento com invocação de justa causa fundada no facto de, enquanto trabalhador, ter ele praticado a adulteração de valores faciais de cheques, beneficiando, assim, de forma indevida e fraudulenta, de fundos de clientes.

d.

Nunca o Banco deu instruções para que os seus funcionários, ao colocar produtos financeiros ao balcão, informassem falsamente os clientes dando-lhes por seguros e garantidos os investimentos em obrigações ou em acções.

e.

E jamais deu instruções para que informassem os clientes que o investimento em obrigações, designadamente as Obrigações que a Telecomunicações ... emitiu em 2012 e que eram as que estavam em causa na acção em que o Réu depôs como testemunha, era tão seguro como uma aplicação em depósito a prazo.

f.

Quando o Réu falou com o referido J. A. em 2012, não lhe disse que o investimento em Obrigações da Telecomunicações ... que o mesmo subscreveu era de capital garantido, pois sabia bem que, como obrigações que eram, correspondiam à emissão de dívida que estava sujeita à solvabilidade da emitente Telecomunicações ...

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g.

Quando, na acção 6917/16.3T8GMR, o aqui réu produziu em audiência final as declarações atrás transcritas sabia bem que estava a produzir afirmações que não eram verdadeiras pois as não tinha produzido quando falou com o cliente em 2012.

10ª.

Dados estes factos como provados, deles decorre a inevitável procedência da acção porque transportam consigo, quer a ilicitude, quer a culpa, enquanto pressupostos da responsabilidade civil que está pedida na acção; 11ª Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto no nº 5 do artº 607º do Cód. Proc. Civil e, por ausência de aplicação, o disposto no artº 483º do Código Civil.

O recorrido apresentou contra-alegações...

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