Acórdão nº 1514/21.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório L. C.

, divorciado, aposentado, com residência na Rua …, Felgueiras, instaurou providência cautelar de arrolamento contra S. L.

, solteira, emigrante na Suíça e aí residente em parte incerta, mas com última residência em Portugal na Rua …, Felgueiras, requerendo o arrolamento da fração autónoma que identifica no requerimento inicial e a sua entrega ao requerente como fiel depositário.

Alega para o efeito, em síntese, que a requerida, sua filha, sempre teve habitação exclusiva e permanente em casa do requerente. Sucede que, por motivo fútil, a requerida agrediu o requerente, o qual foi expulso de sua casa, tendo cessado então as relações entre ambos. Há uns anos o requerente comprou um imóvel, que foi posto em nome da requerida, sua filha, para obtenção de benefícios fiscais, figurando falsamente a requerida como compradora e ainda que a fração era destinada a habitação própria e permanente da requerida, pois a real intenção era transmitir a fração ao requerente. Uma vez que as relações entre pai e filha cessaram, o requerente tem justo receio de que a requerida venha a vender o imóvel a fim de o subtrair a uma ação de simulação relativa, que sabe ter existido.

O requerente juntou documentos aos autos e arrolou testemunhas.

Foi proferido despacho dispensando o prévio contraditório da requerida e procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente.

Seguidamente foi proferida decisão decretando o arrolamento da fração autónoma sita na Avenida …, Viana do Castelo, inscrita da matriz predial urbana da freguesia de ...

, Viana do Castelo, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 50.212,05€ e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...

/19900515 - Z, da freguesia de ...

, bem como do recheio dessa mesma fração, mais nomeando o requerente como depositário.

Realizado o arrolamento decretado, foi a requerida notificada nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6, 372.º e 375.º do Código de Processo Civil (CPC) vindo interpor recurso da decisão que decretou o arrolamento.

Pede a revogação da decisão proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O Reqte alega a divergência entre a vontade declarada na escritura pública de compra e venda junta com a P.I. e a vontade real, posto que esta era que a venda fosse efectuada ao Reqte e não como declarado à Reqda , 2. Mercê de acordo acordo simulatório entre a declarante vendedora e a declaratária compradora , bem como entre os respetivos procuradores, para que a Ré e o A. fugissem ao pagamento dos impostos que legalmente eram devidos, com intuito de enganar a Fazenda Publica ou o Fisco, 3. Ou seja uma simulação relativa por interposição fictícia de pessoa, em que esta ( testa de ferro ), a Reqda, figurou como titular aparente, sendo o real titular o Reqte , 4. Esta e respectiva nulidade do negócio declarado, o simulado, e validade do negócio oculto, o dissimulado , com que pretende justificar a tutela que pretende obter por intermédio da providência cautelar de arrolamento.

  1. A Reqda beneficia da presunção legal de que o direito de propriedade do imóvel em causa existe e pertence-lhe , uma vez que o mesmo se mostra registado a seu favor pela Ap. 67 de 2002/03/05 da descrição predial correspondente ...-...

    da Conservatória do Registo Predial de ... , presunção ilidível mediante prova em contrário , no caso, a cargo do Reqte , 6. Ónus que este não cumpriu.

  2. Para que se possa falar de simulação absoluta e lei exige a verificação cumulativa de três requisitos: 1. a divergência intencional entre a vontade real e a declaração; 2. o acordo simulatório entre declarante e declaratário; 3. a intenção de enganar terceiros. - art. 240º nº 1 do C.C. – 8. Para que se possa falar de simulação relativa (as partes quiseram celebrar um outro negócio, diferente, que ficou oculto pelo negócio celebrado) a lei exige, também cumulativamente, além dos três requisitos constantes do n.º 1 do art.º 240, do CC um outro que é a existência do negócio dissimulado válido.

  3. Finalmente para falar numa interposição fictícia de pessoas (simulação subjectiva, como modalidade de simulação relativa) é necessário que se verifiquem todos os citados pressupostos e cumulativamente que o conluio exigido abranja todos os intervenientes; a interposição tem de resultar de um acordo que abarque todo o triângulo composto pelo interponente, o interposto e a outra parte.

  4. Daí que , sejam requisitos da interposição fictícia de pessoas, os seguintes elementos: 1. Que haja duas ou mais pessoas a quem interesse a realização de um determinado acto jurídico; 2. Que todos ou alguns dos interessados não queiram ou não possam realizar directamente realizar; 3. Que exista um intermediário por meio de quem o acto se pratique e com quem os directamente interessados estabeleçam relações jurídicas; 4. Que esse esse intermediário não o tenha interesse próprio na realização do acto em que intervém como parte.

  5. Do exposto resulta à sacidedade que a simulação relativa na modalidade de interposição fictícia de pessoa ( simulação subjectiva ) para contornar uma alegada impossibilidade de negociação directa com a outra , seja qual for o motivo , pressupõe o acordo tripartido entre os sujeitos reais e o fictício ou aparente .

  6. Donde , forçoso se mostra concluir que o sujeito real , no caso, o Reqte é um dos supostos três simuladores .

  7. Na previsão dos arts 393º e 394º do C.C. , se a declaração negocial , por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito , não é admissível prova testemunhal, prova que é inadmissível , se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos arts. 373º a 379º , quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele , quer sejam posteriores proibição esta que se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado , quando invocados pelo simulador.

  8. Proibida que é, no caso, a prova testemunhal e que os documentos juntos nada provam quanto à existência de um acordo simulatório , qualquer que fosse, designadamente o pelo Reqte alegado, 15. Os factos 3) , 4) , 6), 7), 8) , 9) , 10) , 10) , 14 ) , 24) e 27) dados como provados na douta sentença recorrida , deviam ter sido dados como não provados por total ausência de prova lícita e válida .

  9. Resta dizer que em simulação subjectiva, por interposição fictícia de pessoas, a forma do negócio simulado só aproveitará ao negócio dissimulado desde que haja uma declaração negocial do verdadeiro adquirente com a forma exigida por lei, 17. O que não sucede no caso.

  10. A escritura pública pela qual o imóvel se transmitiu para a Reqda / recorrente não constitui título de aquisição para mais ninguém, designadamente , se estivemos no caso que não estamos perante a alega simulação relativa por interposição fictícia de pessoa, para o Reqte .

  11. Ao julgar provados os factos supra indicados em 15. Destas a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação dos factos e aplicação do Direito e violou entre outros os arts 7º do C.R.P., 350º, 240º e ss e 393º e 394º do C.C. .

    TERMOS EM QUE, dando V. Exªs provimento ao presente recurso , revogando em consequência a douta sentença recorrida e julgando improcedente a providência cautelar de arrolamento , farão, como sempre inteira e sã justiça JUSTIÇA».

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: apreciar e decidir se os factos vertidos nos pontos 3., 4., 6., 7., 8., 9., 10., 14., 24., e 27., da matéria de facto provada constante da decisão recorrida deviam ter sido dados como não provados por ausência de prova lícita e válida; B) Se estão verificados os pressupostos legais para o deferimento da providência decretada, traduzidos na prova sumária do invocado direito relativo ao bem e dos factos fundamentadores do receio do seu extravio ou dissipação.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    1. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. relevando ainda os seguintes factos considerados indiciariamente provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: 1. A Requerida tirou a licenciatura de psicologia, em Viseu, entre os anos de 1999 - 2005.

  12. O Requerente, que vivia e vive na rua do …, Felgueiras, sempre alimentou a esperança de ter uma casa de praia para férias, na povoação de ...

    , freguesia de ...

    , Viana do Castelo.

  13. Para evitar pagar a contribuição autárquica (agora IMI), acordou com a Requerida que iria aí comprar um andar e colocá-lo em seu nome, pois esta ficaria isenta de IMI durante 10 anos, desde que, falsamente, dissesse que aí passaria a ter a sua residência exclusiva, própria e permanente.

  14. Mas quem pagaria o andar e todas as despesas daí decorrentes seria o Requerente, pois a Requerida não tinha dinheiro, não trabalhava, estava a licenciar-se e só arranjou um emprego precário de 1.6.2009 a 30.3.2012, na Santa Casa da Misericórdia de ....

  15. Depois, ficou desempregada e só voltou a trabalhar quando emigrou, há 5 anos, para a Suíça.

  16. Na compra, a Requerida beneficiaria da isenção da sisa.

  17. A intenção era obter fraudulentamente a isenção, mas o dono real do andar seria o Requerente, que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT