Acórdão nº 3395/16.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: Relatório A. F., entretanto, falecido, instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra D. R., residente na Praceta …, Braga, pedindo que se declare dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre ambos.

Para tanto alega, em síntese, ter celebrado casamento com a Ré em 31/12/2012, sem convenção antenupcial; Em 18/12/2015, instaurou ação pedindo que o casamento fosse anulado, encontrando-se essa ação a correr termos na 1ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Braga, Juiz 2, sob o n.º 6095/15.5T8BRG; Logo no primeiro dia do casamento, a Ré negou-se a beijar o Autor e, nessa mesma noite, negou-se a dormir com ele; No segundo dia de casamento, a Ré saiu de casa, onde não regressou durante dois dias; Por ação e por omissão, a Ré negou qualquer afeto e intimidade ao Autor, com quem nunca manteve relações sexuais; Sai de casa e raras vezes volta para nela pernoitar e, das raras vezes em que pernoitou em casa, recusa-se a dormir no mesmo quarto em que dorme o Autor; A Ré nunca confecionou refeições ao Autor e não lhe presta qualquer auxílio, apesar deste ser já idoso e estar cada vez mais debilitado; Trata o Autor com indiferença, chamando-o de “velho” e “pés a rasto”, em frente de qualquer pessoa; A Ré conseguiu convencer o Autor para que passasse a figurar como titular nas contas bancárias deste e para que fosse ela a administrar a reforma daquele e apoderou-se de diversas quantias que se encontravam depositadas nessas contas (que concretiza), sem o conhecimento e o consentimento do Autor, e sem que este conheça o uso que aquela deu a esse dinheiro; Acresce que poucos dias após o casamento, a Ré passou a manter relacionamento sexual com outra pessoa, com quem coabita no apartamento daquela e com quem mantinha relacionamento sexual, inclusivamente, quando o Autor se encontrava nesse apartamento, sendo este obrigado, durante a noite, a ouvir os gemidos e ruídos da Ré em atos sexuais com o amante; Conclui que, face a este circunstancialismo, não existe comunhão de vida entre Autor e Ré e que nunca houve qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal.

Notificou-se o Autor para explicitar a aparente contradição decorrente de ter instaurado a presente ação de divórcio, quando alega ter instaurada uma outra, tendente a obter a declaração de invalidade desse casamento, ação essa que alega encontrar-se ainda pendente.

O Autor respondeu sustentando que não existe contradição alguma nesse seu procedimento e que entre a presente ação e aquela outra não existe qualquer nexo de prejudicialidade, dado que intentou a presente ação de divórcio com vista a salvaguardar-se contra a eventualidade daquela outra vir a improceder.

No entanto, sustenta que, na sua perspetiva, é pertinente que a presente ação de divórcio aguarde a prolação de decisão, transitada em julgado, a proferir no âmbito daquela outra ação.

Por despacho de 23/11/2016, oficiou-se ao Processo n.º 6095/15.5T8BRG, no sentido de informar se nele já tinha sido proferida sentença, transitada em julgado.

Por requerimento entrado em juízo em 16/06/2017, J. M., filho do Autor, informou que este faleceu em -/01/2017 e requereu que a presente ação de divórcio prosseguisse os seus termos legais, para efeitos patrimoniais, com os herdeiros do falecido Autor.

Em 11/10/2017, foi junta aos presentes autos certidão do acórdão proferido por esta Relação em 14/06/2017, com nota do respetivo trânsito em julgado, que confirmou a sentença proferida pela 1ª Instância, no âmbito do Proc. n.º 6095/15.5T8BRG, que julgou essa ação totalmente improcedente e absolveu a aí (e aqui) Ré do pedido.

Em 01/02/2018, o identificado J. M. instaurou incidente de habilitação dos sucessores do falecido Autor, requerendo que fossem julgados habilitados os herdeiros deste, a fim de prosseguirem na presente ação, ocupando a posição jurídico-processual que antes era ocupada pelo falecido.

Por sentença proferida em 01/07/2018, entretanto transitada em julgado, foram habilitados como sucessores do falecido Autor, J. M. e M. A., filhos do falecido, a fim de prosseguirem a presente ação, ocupando a posição jurídica-processual que antes era ocupada pelo falecido.

Por despacho de 23/09/2020, ordenou-se a notificação da Ré (já citada no incidente de habilitação de herdeiros), para contestar, querendo, a presente ação.

A Ré não contestou.

Em 04/12/2020, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da presente causa em 30.000,01 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, conheceu-se do requerimento probatório apresentado pelo Autor e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada a audiência final, em 25/06/2021, proferiu-se sentença, julgando a presente ação totalmente improcedente e absolvendo a Ré do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Atento o exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolvo a R. do pedido.

Custas pelos sucessores habilitados do A. (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.

Inconformados com o assim decidido, os herdeiros habilitados do falecido Autor interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões: I. Da fundamentação da decisão do Venerando Tribunal “a quo” consta o seguinte: Segundo a al. d) do artº. 1781º do CC constitui fundamento de divórcio sem consentimento do outro cônjuge “quaisquer outros factos que, independente da culpa dos conjugues, mostrem a rutura definitiva do casamento”.

  1. Segundo Amadeu Colaço, in “Novo Regime do Divórcio”, Almedina, p. 71 – 72 a citada al. d) tem os seguintes elementos: h) Tem que ser revelada por um ou mais factos; i) Estes factos terão que ser outros, que não os constantes das demais alíneas do referido artigo; j) Tais factos terão que ser reveladores da rutura do casamento; k) Esta rutura terá de mostrar-se definitiva (e não mera rutura esporádica ou temporária);l) Esta situação terá de consistir numa situação objetiva, passível de ser constatada, não resultando de um simples e mero ato de vontade de um dos cônjuges; m) Não depende de eventual culpa de qualquer dos cônjuges; n) Não depende da verificação de qualquer prazo.

  2. Da matéria dada como provada, mormente do ponto 1) dos factos provados, estava assente que o finado A. F. havia intentado contra a Recorrida, em 18 de dezembro de 2015, uma ação declarativa de condenação/anulação de casamento cujos autos, correram os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, do Juízo de Família e Menores, Juízo 2, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (art.º 1.º da p.i.), sendo por si só essa iniciativa um claro sinal demonstrativo que não existia vontade do finado em permanecer casado, que não existia qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal.

  3. O finado A. F. tinha manifestado um firme propósito, quer com ação que correu os seus termos sob o processo n.º 6095/15.5T8BRG, deste Juízo de Família e Menores, Juízo 2, quer com a entrada da presente ação de divórcio, que não pretendia restabelecer a convivência conjugal, resultado de uma situação de falência/fracasso definitivo do casamento devido a disparidade da idade, ao tratamento dado ao autor e ao comportamento da recorrida.

  4. Entende o recorrente que só a demonstração de desprezo da recorrida em não ter sequer contestado o pedido de divórcio do finado A. F. era motivo mais do que suficiente, em face da nova lei, para a rutura definitiva do casamento a que alude a al. d) do artigo 1781º do Código Civil, que veio deixar claro que pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos, incluindo os passíveis de preencher as als. a) a c) do mesmo preceito legal, sem o período temporal nelas exigido, desde que sejam graves, reiterados e demonstrativos de que, objetiva e definitivamente, deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.

  5. Na verdade, o simples facto de se saber conforme resulta das duas demandas que a recorrida nem sequer encetou diligencias para voltar para o finado, é prova mais do que evidente e demonstrativa da sua gravidade e falta e propósito claro de que não existia vida em comum entre o casal, que deveria ter sido apreciado pelo Tribunal.

  6. Assim, tendo sido feita prova de um dos quatro fundamentos acima mencionados, estavam reunidos os pressupostos para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

  7. Está em causa a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 artº 615º Código de Processo Civil, que dispõe que "é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão", o que expressamente se invoca.

  8. O Novo Regime da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro de 2008, veio introduzir alterações fundamentais ao regime do divórcio.

  9. O atual regime eliminou da ordem jurídica o divórcio – sanção, deixando cair a culpa conjugal como causa basilar da dissolução do casamento, tendo sido alterados, aditados e revogados diversos artigos do Código Civil, passando então a haver as seguintes formas de divórcio: o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges de acordo com o artigo 1773º do Código Civil.

  10. De acordo com o disposto no artigo 1781º do CC, são fundamentos do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge: a) A separação de facto por um ano consecutivo; b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade comprometa a possibilidade de vida em comum; c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento; XII. No que concerne da complexidade, especificamente, a alínea d) que, recordamos, reza assim: quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a...

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