Acórdão nº 98/16.0T8TMC-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA EUGÉNIA PEDRO |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I.
Relatório - Nos presentes autos, por sentença proferida em 24.6.2016, transitada em julgado, foi declarado em estado de insolvência E. A.
, casado com M. J.
, da qual se encontra separado de pessoas e bens, por sentença transitada em 21 de março de 2014.
- Na sequência da declaração foi apreendido para a massa insolvente ( apenso B) uma verba única, constituída por ¾ do prédio urbano sito no Bairro da ..., freguesia de ...
, descrito na Conservatória do Registo Predial de ...
sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo …º( antigo ...
º), constituído por casa de rés-do–chão e 1º e 2º andares.
- Metade indivisa de tal imóvel foi inscrita a favor do ora insolvente E. A., pela apresentação AP nº ...
/20040505, por partilha judicial.
- A outra metade indivisa do imóvel foi inscrita pela Ap.1 de 6.02.2007 também a favor do ora insolvente, então casado com M. J. no regime de comunhão de adquiridos, por compra.
- Integrando metade indivisa do imóvel o património comum do casal, em 15.11.2016, M. J., requereu Processo de Inventário para separação de meações, nos termos do artigo 81º da Lei 23/2013 de 5 de Março, no Cartório Notarial de Privativo de M. B., sito em Bragança, ao qual foi atribuído o nº .../16.
- No âmbito desse processo de inventário, foi ordenada, após avaliação,na conferência preparatória realizada em 25.9.2018, a venda por negociação particular de metade indivisa do dito imóvel, pelo preço mínimo de €44.322,32, a qual veio a realizar-se por escritura pública, datada de 10.3.2021, pelo referido preço mínimo, sendo o adquirente T. R., o qual registou a aquisição seu favor em 26.3.2021.
- Por requerimento de 13.5.2021, o administrador da insolvência, A. R., que foi interveniente no referido processo de inventário, veio aos presentes autos de insolvência, por requerimento de 13.5.2021, requerer que : “ a venda realizada seja dada sem efeito, quer por significar manifesto prejuízo para a massa insolvente, quer por manifesta falta de forma, por falta do seu acordo”.
- Em 22.6.2021, o Exmo Juiz proferiu o seguinte DESPACHO: O Sr. Administrador da Insolvência, por requerimento de 13.05.2021 [ref.ª 1781631], veio requerer que seja considerada sem efeito a venda celebrada pelo Sr. Notário de ½ do prédio apreendido à ordem destes autos de insolvência, porquanto foi realizada sem a sua concordância e, além do mais, representa um manifesto prejuízo para a massa insolvente.
Foi ordenada a notificação do devedor e dos credores para se pronunciarem acerca da posição do Sr. Administrador da Insolvência.
O credor Banco ..., S.A. [ref.ª 1786778 de 21.05.2021] veio subscrever a posição assumida pelo Sr. Administrador da Insolvência, devendo considerar-se a venda realizada pelo Sr. Notário sem efeito.
A credora Caixa …, Crl, [ref.ª 1791960 de 28.05.2021] refere que não existe qualquer ilegalidade na venda efetuada no processo de inventário, no entanto, e porque o que pretende é ver o pagamento do seu crédito efetuado, deixa ao prudente arbítrio do Tribunal a decisão que melhor acautela os interesses dos credores.
O devedor insolvente [ref.ª 1794600 de 01.06.2021], por sua vez, ressalta que foi acordado entre todos em sede de conferência preparatória, incluindo o Sr. Administrador da Insolvência, que iria proceder-se à venda de ½ do dito prédio, pelo que a existir algum erro foi com a anuência de todos, além de que não se vislumbra qualquer prejuízo para a massa insolvente resultante daquela venda, pois metade do seu valor reverteu para a massa insolvente.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme resulta do compulso destes autos de insolvência, encontram-se apreendidos à ordem da mesma ¾ do prédio urbano sito no Bairro da ..., freguesia de ...
, descrito na Conservatória do Registo Predial de ...
sob o n.º ...
e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....
º [cf. auto de apreensão junto no apenso B].
Nos autos de inventário n.º ...
/16, que correram termos no Cartório Notarial de M. B., em Bragança, onde era interessado o aqui insolvente, E. A. [e requerente M. J.], na conferência preparatória que teve lugar em 25.09.2018 e onde estavam presentes a requerente, o insolvente, o seu Il. mandatário, os credores e o Sr. Administrador da Insolvência, ficou determinado que se procederia à venda de ½ do imóvel apreendido nestes autos, sendo o valor mínimo da venda metade do valor da avaliação do imóvel efectuada por perito e aceite por todos os interessados, ou seja, no valor de €44.322,32, tendo sido ordenada a notificação da Sr.ª Encarregada de Venda para, no prazo de 30 dias, efectuar a venda.
Conforme salienta o Sr. Administrador da Insolvência no seu requerimento apresentado em 13.05.2021 a estes autos, o prazo concedido à Sr.ª Encarregada de Venda, com a sua autorização, era de 30 dias, pelo que para além deste prazo não havia a sua autorização tácita para a venda.
Em 6.11.2019, o Sr. Administrador da Insolvência é confrontado com uma proposta, da qual teve conhecimento através do Sr. Notário, tendo respondido que desconhece qual metade é que o comprador estaria a tentar adquirir, sublinhando que se fossem dois quartos do terço que representa diria que não, assim como se fosse um quarto da outra parte e um quarto da parte que representa, mais acrescentando que o prédio deveria ser vendido pela totalidade.
Não obstante esta tomada de posição por parte do Sr. Administrador da Insolvência, o Sr. Notário, por despacho de 20.12.2020, justificando-se com o facto de aquela proposta ser a única existente nos autos, determinou que se procedesse à venda de ½ (um meio – metade indivisa) do referido imóvel.
Em 27.04.2021, em sede de conferência preparatória dos autos de inventário, é dito na respectiva acta que foi realizada a venda de ½ do prédio pelo valor de €44,322,32, encontrando-se depositado à ordem destes autos a quantia de €43.414,05, depois de deduzida a quantia devida à Sr.ª Encarregada de Venda a título de honorários.
Ora, aqui chegados podemos constatar que o Sr. Administrador da Insolvência, efectivamente, não teve participação neste acto translativo da propriedade.
Encontrando-se o prédio objecto da venda no processo de inventário apreendido à ordem destes autos de insolvência necessária se tornava, indubitavelmente, a concordância do Sr. Administrador da Insolvência para aquela venda.
Se é certo que o Sr. Administrador da Insolvência, num primeiro momento, concordou com a venda do prédio nos moldes definidos na conferência preparatória, tal autorização tinha o prazo concedido para a Sr.ª Encarregada de Venda realizar o acto, ou seja, 30 dias, pelo que depois desse prazo sempre seria necessária nova autorização do Sr. Administrador da Insolvência.
Aliás, essa circunstância é notória quando, em 6.11.2019, o Sr. Administrador da Insolvência foi confrontado com uma proposta, à qual respondeu negativamente caso a proposta fosse respeitante a dois quartos do terço que representa, assim como se fosse um quarto da outra parte e um quarto da parte que representa, mais acrescentando que o prédio deveria ser vendido pela totalidade.
Destarte, quando na conferência preparatória de 27.04.2021 é dito que foi realizada a venda de ½ do dito prédio pelo valor de €44,322,32, sem que nesse processo de venda tenha intervindo o Sr. Administrador da Insolvência a mesma padece de uma nulidade, por omissão de uma formalidade que a lei prescreve, in casu, a chancela do Sr. Administrador da Insolvência.
Estando em causa a venda de um bem apreendido nos autos de insolvência a mesma só seria lícita, à luz das normas ínsitas no CIRE, caso o Sr. Administrador da Insolvência autorizasse a mesma.
Não o tendo feito, conforme prescreve o artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “(…), a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” Uma vez que a liquidação da insolvência é uma actividade que compete ao Sr. Administrador da Insolvência, devendo aquele promover a alienação dos bens que integrem a massa insolvente conforme previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, a venda de ½ do prédio sem a sua autorização traduz-se numa nulidade cujos efeitos se repercutem no exame da causa, maxime no eventual prejuízo para a massa insolvente.
Face a todo o exposto...
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