Acórdão nº 327/20.5T8CBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1- Relatório A autora A. M. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra o réu J. N. pedindo que: “a) Se declare a inexistência do título executivo constante do processo n.º 397/08.4TBCBT e corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Braga, porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo; Caso assim se não entenda, b) Se declare a nulidade do título executivo constante do processo n.º 397/08.4TBCBT e corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Braga, porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo.

  1. Em qualquer dos casos, seja a ré condenada a pagar à A. a quantia de 10.000,00€, a título de indemnização por danos morais, acrescido de juros legais contados desde a citação ate efetivo e integral pagamento”.

Para tanto, alegou a autora, em síntese, ter sido instaurada pelo réu acção executiva tendo por título executivo uma letra de câmbio subscrita e aceite pela autora e pelo seu ex-marido, no valor de €26.691,90 (trinta e seis mil seiscentos e noventa e um euros e noventa cêntimos), emitida em 23.04.2008.

Contudo, alegou que nunca subscreveu a referida letra ou aceitou, desconhecendo quem elaborou a assinatura dela constante, tendo apresentado a respectiva queixa crime.

Alegou, ainda, que foi notificada, pela primeira vez, do processo executivo apenas em Fevereiro de 2009.

Referiu, também, que o réu usou título executivo falso o que lhe provoca danos não patrimoniais no valor de €10.000,00 (dez mil euros), pugnando, assim, pela procedência da acção.

*Regularmente citado, o réu apresentou contestação.

Para tanto, alegou o réu, em suma, que a autora não deduziu o incidente de embargos de executado ou incidente de falsidade no processo executivo, pelo que o exercício do direito que pretende exercer deveria ter sido exercido no processo executivo, encontrando-se o mesmo precludido.

* Notificada para se pronunciar ao abrigo do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), a autora veio alegar que não foi citada para a acção executiva tendo invocada a falta de citação, sendo certo que tal não a pode impedir de exercer no presente processo o seu direito, com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo réu.

*Proferida decisão, o tribunal a quo julgou totalmente improcedente os pedidos formulados pela autora absolvendo, em consequência, o réu.

*II - Objecto do recurso A A. não se conformando com o teor dessa decisão vieram recorrer, concluindo nos seguintes termos: 1. Considerou o Tribunal “a quo” que: “constata-se que a autora pretende exercer um direito que deveria ter exercido em incidente próprio de oposição mediante embargos nos termos do disposto no artigo 729º do Código de Processo Civil, mais concretamente, o n.º 1, o qual refere que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título”. O que não fez. (…) considerando os pedidos formulados em a) e b), e encontrando dependente dos mesmos o pedido formulado em c), o Tribunal considera que aqueles primeiros e a matéria a eles subjacente não podem ser apreciados nos presentes autos por efeito da preclusão (extraprocessual) do direito da autora, verificando-se, pois, uma verdadeira improcedência dos pedidos.”.

  1. Não pode a ora recorrente (A.) conformar-se de maneira alguma com a decisão do Tribunal “a quo”, pois, salvo o devido respeito, entende a Apelante que, com base nos elementos constantes dos autos e nos normativos legais aplicáveis, tal sentença não tem fundamentação.

  2. O facto de não ter a A. apresentado oposição/embargos na ação executiva, anteriormente apresentada pela ré, não impede a mesma de, por ora, recorrer à ação declarativa por forma a ver ser restituído o que foi prestado indevidamente, por via da nulidade ou da inexistência, devidamente peticionada nesta ação.

  3. O resultado dum processo executivo não goza, via de regra, da irrevogabilidade análoga à do caso julgado material; não obstando, em princípio, à propositura, pela executada, duma ação de restituição do indevido, uma vez que, não representando a oposição à execução uma contestação da ação executiva (e não estando por isso sujeita aos ónus de contestação, de impugnação especificada e de preclusão), esta (a ação de restituição do indevido) se deve ter sempre como admissível e acessível ao executado que, mesmo por negligência, não deduziu qualquer oposição.

  4. E ainda que haja total identidade entre o deduzido na oposição e na posterior ação de repetição do indevido, se a oposição tiver terminado sem decisão de mérito, por, tendo o executado pago a quantia exequenda e a execução ter sido julgada extinta por ter ocorrido tal pagamento, tal ação de restituição do indevido terá de ser necessariamente admitida.

  5. A executada, neste caso, ora recorrente, podia, assim, defender-se em ação declarativa, como fez na presente ação, invocando a nulidade ou inexistência do título executivo, por o mesmo ter sido falsificado e do mesmo constar assinatura falsa, visando a restituição do indevido, mediante a invocação do que podia ter sido fundamento de uma eventual oposição.

  6. Só as decisões transitadas que incidam sobre o mérito da causa, ou seja, que apreciem a relação material controvertida que se discute na ação adquirem a força de caso julgado material e têm a virtualidade de poder ter força obrigatória fora do processo em que foram proferidas.

  7. A não dedução de oposição à execução apenas preclude, no âmbito de tal execução, o exercício do direito processual (em que a oposição se traduz), não impedindo a invocação do que podia ter sido fundamento de oposição, noutro processo, visando a restituição do indevido, devendo, assim, ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

  8. Por outro lado, a nulidade e a inexistência podem ser invocadas a todo o tempo, conforme preceitua o artigo 286º CC, decorrendo da lei que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado” (artigo 289º, nº 1, CC).

  9. Consoante consta do art. 619.º do CPC, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580.º e 581.º - quando constitui uma decisão de mérito, a sentença produz, também fora do processo, o efeito de caso julgado material.

  10. Em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado); o da autoridade do caso julgado. Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem, antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.

  11. Está na disponibilidade da A. (recorrente) invocar neste processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo Réu naquela execução) os fundamentos (excepções) que podia ter invocado na oposição, pois a não dedução de oposição à execução não impede o executado de lançar mão de uma acção declarativa autónoma que tenha por base o título dado à execução. E a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações, sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo.

  12. No mais, trata-se de uma situação da mais elementar justiça.

  13. Afirmava Anselmo de Castro (professor da Universidade de Direito de Coimbra) não ser possível estender às execuções concluídas efeitos que são próprios do...

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