Acórdão nº 4354/20.4T8GMR-I.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. I. e M. F..

Recorrido: J. O..

Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz 4 Nos presentes autos de inventário, em que é inventariada J. L., as interessadas, A. I. e M. F.

, foi proferido despacho determinando que o passivo da herança seja pago através da quantia depositada à ordem destes autos, respeitante ao remanescente do produto da venda de determinados bens da herança, e, na parte restante, mediante a sua compensação com o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro).

Inconformada com tal decisão, apelam as interessadas A. I. e M. F., e, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões: 1ª) Vem o presente recurso interposto do despacho de fls...,, notificado a 18/01/2021, que decide “que o aludido passivo da herança seja pago através da quantia depositada à ordem destes autos, respeitante ao remanescente do produto da venda de determinados bens da herança, e, na parte restante, mediante a sua compensação com o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro)”, porquanto a sua prolação constitui violação do caso julgado, por um lado, além de violar o art. 2079º do Código Civil, ao não responsabilizar o cabeça-de-casal pela inexistência de saldo na verba n.º 10, daí extraindo consequências, não podendo manter-se.

  1. ) Havendo a recorrente A. I., por requerimento oferecido a 29/10/2020, suscitado a existência de caso julgado, na sequência do requerimento do interessado J. O. a 15/10/2020, cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a questão levantada.

  2. ) Ao escusar-se a tratar da questão levantada, incorreu o despacho recorrido na violação do artigo 608º, n.º 2 do CPC, aplicável aos despachos, por força do disposto no artigo 613º, n.º 3, omissão essa que o faz enfermar de nulidade, sanção essa prescrita pelo artigo 615º, n.º 1, alínea d), 1ª parte do mesmo código, a qual prescreve que “É nula a sentença quando (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

  3. ) A 13/07/2020, o interessado J. O. se pronunciou sobre o pagamento das tornas, alegando que, não havendo saldo suficiente na verba n.º 10, caberia aos demais interessados suportar, por outra via, o referido pagamento até ao limite do que receberam ou, se assim não se entendesse, haveria lugar à compensação entre as tornas a pagar ao cabeça-de-casal e o crédito da herança por si detido, tendo sido decidido pelo Mmo.

    Julgador decidiu que “(…) o por si alegado no requerimento em apreciação, relativamente a eventuais créditos detidos sobre a herança e/ou o cabeça de casal e ao respectivo pagamento, transcende, por completo, o objecto desta acção (…)”.

  4. ) A 15/10/2020, o interessado J. O. requer que, perante a impossibilidade de satisfazer o seu crédito sobre a herança com recurso ao saldo depositado na verba n.º 10, que a dívida seja paga através da afectação do produto resultante da venda da verba n.º 16 depositado à ordem dos autos e, na parte remanescente, pelas tornas por si devidas e depositadas, decidindo o Tribunal recorrido que a pretensão do interessado J. O. já não “transcende, por completo, o objecto desta acção”, concedendo provimento ao requerido.

  5. ) O despacho em crise constitui uma verdadeira inflexão da posição vertida no despacho de 29/09/2020, sendo ambas as decisões absolutamente contraditórias, sendo certo que versam sobre a mesma questão controvertida.

  6. ) O despacho em crise, ao decidir pela segunda vez sobre questão de Direito anteriormente julgada e transitada em julgado, violou o caso julgado, não podendo, em consequência, manter-se.

    SEM PREJUÍZO: 8.ª) Não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo no entendimento de que, perante a inexistência de saldo na verba n.º 10, deverá concluir-se pela responsabilidade dos demais herdeiros na proporção dos seus quinhões.

  7. ) Nos termos art. 2079º do Código Civil, é ao cabeça-de-casal que cabe a administração da herança até à sua liquidação e partilha, o que deve fazer com diligência e zelo, como lhe imposto pelo art. 2086º n.º 1 al. b) do Código Civil.

  8. ) A verba n.º 10 estava depositada em conta bancária titulada pelo próprio cabeça-de-casal, não havendo qualquer elemento probatório carreado para os autos que aponte para que as recorrentes tenham tido acesso ao saldo da referida conta ou que tenham tido intervenção no desaparecimento da indicada quantia.

  9. ) Como explica Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, Vol. I, pág 305, “colocado numa situação temporária de administrador de bens em que tem mera parte ideal (e até em que não tem parte alguma), o cabeça-de-casal deverá praticar os actos que sejam indispensáveis à conservação do património da partilha, exercer aquele conjunto de direitos que a lei lhe outorga especificamente com vista a essa conservação e cumprir as tarefas que diplomas vários lhe impõem em atenção à qualidade em que foi investido ou a que tem potencial direito”.

  10. ) Como decide o Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão datado de 10/07/2007, “II – Dispondo o cabeça-de-casal de dinheiro da herança, em proveito próprio ou alheio, tal disposição é havida como coisa alheia, nula entre as partes, e ineficaz em relação ao interessado a quem o dinheiro vier a caber em partilha. III – O cabeça-de-casal é o único responsável perante aquele interessado.”.

  11. ) O despacho recorrido, ao impor que o pagamento da dívida saia dos bens já recebidos pelas recorrentes, na proporção dos seus quinhões hereditários, coloca-as numa situação paralela à do cabeça-de-casal que era, na realidade, responsável pela administração e desaparecimento da quantia, criando uma situação de injustiça.

  12. ) A responsabilização do cabeça-de-casal não beliscaria os interesses do interessado J. O., na qualidade de credor da herança, uma vez que ao cabeça-de-casal foi ainda adjudicada verba n.º 15, na proporção de 1/5, que se mantém em compropriedade com os demais herdeiros, a qual é de valor suficiente para responder pela dívida.

  13. ) Por tudo o exposto, mais não resta que concluir que o despacho recorrido violou os art.os 608º n.º 2, ex art. 613º n.º 3, 615º n.º 1 b), 620 n.º 1, 625º n.º 1 e 628º, todos do Código de Processo Civil, violando ainda os art. 2079º e art. 2086º do Código Civil, pelo que não pode manter-se.

    *O Apelado apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência da apelação interposta.

    *Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    *II- Do objecto do recurso.

    Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: - Analisar da existência ou não da excepção dilatória do caso julgado.

    - Analisar da existência ou não da nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C..

    - Analisar se perante a inexistência de saldo na verba n.º 10, deverá ou não concluir-se pela responsabilidade dos demais herdeiros na proporção dos seus quinhões.

    *III- FUNDAMENTAÇÃO.

    Fundamentação de facto.

    A- Além do que consta do relatório da presente decisão e com relevância para a decisão da causa, da decisão recorrida constam, designadamente, os seguintes fundamentos de facto e de direito: (…) Por despacho proferido em 24/04/2014, determinou-se que o passivo da herança fosse pago através da verba n.º 10, a qual se refere a um direito de crédito resultante da venda do imóvel aí melhor descrito, no valor de € 86.000,00.

    Por despacho proferido em 29/09/2020, indeferiu-se a pretensão do interessado J. O. de se proceder “ao apuramento dos saldos existentes nas contas bancárias da herança a fim de saber quais os valores a distribuir pelos interessados, autorizando-se o requerente a depositar as tornas devidas à ordem deste Tribunal, devendo o pagamento das tornas ser feito só depois de apurados os valores existentes nas contas bancárias da herança e se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito.” e de, subsidiariamente, se efectuar “a compensação do crédito do requerente e do cabeça-de-casal, sendo certo que o crédito do requerente é superior ao crédito de tornas do cabeça-de-casal.”.

    Posteriormente, veio o dito interessado requerer “que o seu crédito, no valor de 25.050,00 €, seja pago, parte pelo valor que o Sr. Agente de Execução tem em seu poder, resultante da venda do prédio da verba 6 e o restante pelo valor das tornas agora depositadas, na proporção de 1/5 por cada um dos herdeiros M. F., A. I., M. O. e J. R..”.

    Cumprira, pois, proferir decisão acerca deste último requerimento apresentado pelo dito interessado.

    Como dispõe o artigo 1357º, n.º 1, do CPC de 1961, “As dívidas vencidas e aprovadas por todos os interessados têm de ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento.”.

    O n.º 2 do mesmo preceito legal dispõe que “Não havendo na herança dinheiro suficiente e não acordando os interessados noutra forma de pagamento imediato, procede-se à venda de bens para esse efeito, designando o juiz os que hão-de ser vendidos, quando não haja acordo a tal respeito entre os interessados.”.

    Nos termos do n.º 3 do dito normativo, “Se o credor quiser receber em pagamento os bens indicados para a venda, ser-lhe-ão adjudicados pelo preço que se ajustar.”.

    Por fim, o n.º 4 do referido preceito legal dispõe que “O que fica disposto é igualmente aplicável às dívidas cuja existência seja verificada pelo juiz, nos termos dos artigos 1355.º e 1356.º, se o respectivo despacho transitar em julgado antes da organização do mapa da partilha.”.

    Revertendo ao caso sub judice, temos que, como resulta da documentação junta aos autos, a conta bancária onde deveria estar depositada a quantia relacionada na verba 10 não apresenta qualquer saldo.

    Não é, pois...

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