Acórdão nº 318/20.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: O. T. intentou ação declarativa de condenação sob a forma comum, contra “Companhia de Seguros X, S.A. “, pedindo que a Ré seja condenada a: a) regularizar o sinistro de acordo com o seguro de responsabilidade civil celebrado entre as partes, pagando à autora o valor de capital pelo furto do veículo, constante das condições gerais e particulares da apólice (24.500,00€); b) Indemnizar a autora. pela privação do uso (3.840,00€), perfazendo três mil oitocentos e quarenta euros à data da propositura da ação, bem como os valores que se vencerem até à data do ressarcimento da autora.

  1. indemnizar a autora pelo valor dos artigos que se encontravam no interior do veículo na data do furto, que se contabilizam em 3.900,00€ (três mil e novecentos euros).

  2. Pagar juros de mora contados à taxa legal de 4% a ano, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    Em síntese alegou que, é proprietária, e foi possuidora do veículo com a matrícula QS, Marca BMW, Modelo Série 1 LCI Diesel, Versão 116 D Edynamics Advantage, de cor branca, que adquiriu em dezembro de 2016; no dia 19 de julho de 2019, ao final do dia, a autora deslocou-se, utilizando o QS, a Castelo do Neiva, Concelho de Viana do Castelo, a casa de uma amiga, onde estacionou o veículo em questão; quando se preparava para sair de casa da amiga dirigiu-se ao veiculo em questão e este já não se encontrava no local onde o tinha estacionado, tendo sido furtado; por tais factos apresentou a respetiva queixa crime, sendo que o veículo em causa nunca mais foi encontrado; a autora tinha seguro os riscos de Furto ou Roubo do veículo em questão, e participou o sinistro à Ré, tendo-se esta recusado a regularizar o mesmo.

    A Ré contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pela Autora, alegando, em suma, que o sinistro em discussão nos autos não ocorreu e como tal não se encontra obrigada a pagar a quantia peticionada; concluiu pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido prolatada sentença com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, decido condenar a Ré: a) ao pagamento à Autora O. T. da quantia de 24.500,00€ (vinte e quatro mil euros); b) ao pagamento à Autora O. T. do montante de € 1.920,00 (mil novecentos e vinte euros), correspondente a € 10,00 diários, durante os dias peticionados – 192 dias, bem como o valor diário de € 10,00, que se vencer, até à data do ressarcimento da Autora.

  3. ao pagamento de juros de mora contados à taxa legal de 4% a ano, desde a citação até efetivo e integral pagamento, sobre as quantias ora fixadas.

  4. absolver a Ré do demais peticionado.

    *Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento – artigo 527º, nº. 2, do Código de Processo Civil.

    Inconformada com a decisão, a ré apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões: 1. A apelante não se conforma com o julgamento acerca da matéria de facto julgada provada e não provada (também com recurso ao registo digital de depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento), nem com a decisão de direito atinente à subsunção dos factos provados ao contrato de seguro dos autos e à Lei.

    1. Começando pelo julgamento acerca da matéria de facto, a ré não se conforma com a circunstância de não ter resultado provado nos autos qual o teor do contrato de seguro invocado pela ré na contestação.

    2. Vem alegado no item 3. da contestação que no dia 30/11/2016, autora e a ré celebraram um contrato seguro, a pedido daquela, tendo por objeto a garantia da responsabilidade civil obrigatória emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula QS, bem como, entre outras coberturas facultativas, a cobertura de furto ou roubo do indicado do veículo com um capital indicado pela autora de 24.500,00€, tudo conforme os documentos número 1 e 2 que juntou e que ali se deu por reproduzidos para os devidos efeitos legais.

    3. Os indicados documentos, não impugnados pela autora, configuram as condições gerais, especiais e particulares da apólice atinente ao contrato de seguro invocado pela autora no petitório, titulado pela apólice n.º ........55.

    4. Perante os factos alegados na contestação e os documentos a acompanham, bem como, perante a ausência de impugnação destes documentos, entende a apelante ter ficado demonstrado nos autos que o teor contrato de seguro corresponde ao vertido nos sobreditos documentos n.º 1 e 2.

    5. Como tal, a decisão acerca da matéria de facto provada vertida no ponto 2 do elenco dos factos provados deve ser revogada e substituída por outra que julgue provado que: “2 - No dia 30/11/2016, autora e a ré celebraram um contrato seguro tendo por objeto a garantia da responsabilidade civil obrigatória emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula QS, bem como, entre outras coberturas facultativas, a cobertura de furto ou roubo do indicado do veículo, com o capital de 24.500,00€, titulada pela apólice nº ........55, conforme resulta dos documentos de fls… e …, (docs. n.º 1 e 2 juntos com a contestação), os quais aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.” 7. A recorrente também não se conforma com a apreciação do conjunto da prova produzida nos autos levada a cabo pela meritíssima Juiz de primeira instância, no que tange a factualidade vertida nas alíneas g) e i) dos factos não provados, visando a impugnação dessas decisões.

    6. Por tal motivo, crê a apelante que a Meritíssima Juiz falhou no julgamento que fez sobre a matéria de facto constante desses pontos dos factos não provados.

    7. As questões de facto não provadas, cujo julgamento se impugna, respeitam à existência no mercado de viaturas idênticas ao veículo seguro à data do sinistro, pelos indicados valores, e consequentemente, à desproporção do valor do capital seguro na apólice para a cobertura de furto ou roubo do referido veículo, atento o seu valor de substituição ou valor comercial.

    8. O tribunal recorrido respondeu negativamente aos factos constantes da al. i) dos factos não provados, estribando esse seu entendimento na circunstância de a testemunha P. P., perito averiguador que presta serviços para a recorrente ouvido em sede de Audiência de Julgamento, apenas ter tecido considerações acerca do valor do veículo à data dos factos, sem qualquer valor, por ter-se limitado uma mera pesquisa nos sites de venda de automóveis, sem ter alguma vez inspecionado ou visionado o veículo em causa nos autos.

    9. Como resulta da própria decisão recorrida, esta foi a única pessoa que depôs em audiência a que se reportou ao valor comercial do veículo, pelo que, cumpre analisar o seu depoimento para avaliar a correção da decisão que ora se impugna.

    10. A testemunha P. P. relatou no seu depoimento ser perito avaliador supervisor que presta serviços à ré e que as suas funções, neste caso, consistiram no apuramento do valor do capital seguro à data do sinistro, mediante a aplicação da tabela de desvalorização prevista nas condições particulares da apólice, bem como, a de tentar apurar o valor comercial do veículo a essa data. (depoimento prestado pela testemunha no dia 27/01/2021, às 14h04m, do minuto 00:00 ao minuto 0:40).

    11. A indicada testemunha referiu, no minuto 02:00 a 02:20 do seu depoimento, que procurou o aludido valor nas páginas eletrónicas da especialidade, no caso, o “Stand ...”, e na própria marca do veículo.

    12. Um pouco à frente, no mesmo depoimento (depoimento prestado pela testemunha no dia 27/01/2021, às 14h04m, do minuto 03:40 ao minuto 04:30), questionada testemunha a respeito das diligências que efetuou para apuramento do valor da viatura em apreço nos autos, a mesma explicou detalhadamente que consultou vários sites dedicados à compra e venda de viaturas usadas (“Stand ...” e “Y – Automóveis”) para perceber os valores pedidos por veículos idênticos e estabelecer as diferenças de preços praticados pelos vários atores do mercado.

    13. Nesses pontos do seu depoimento também referiu que se deslocou ao stand da marca (BMW) para perceber por quando se vendia uma viatura com as características do veículo seguro, tendo apurado, pelo conjunto das informações recolhidas que o veículo valeria, àquela data, cerca de 19.500,00€ a 20.000,00€, dependendo do número de km percorridos e do estado de conservação do veículo, o que já não logrou concretizar, porque o veículo foi furtado.

    14. A correta avaliação deste depoimento tem clara repercussão na demonstração de que, à data, era possível a sua substituição do QS por outro veículo de idênticas características, por um montante situado entre os 15.900,00€ e os 19.000,00€.

    15. Como se viu, os factos apurados por esta testemunha basearam-se também na consulta de preços praticados pela marca (BMW), para veículos em idênticas circunstâncias.

    16. Este elemento probatório deve ser conjugado com um outro, existente no processo, que milita a favor da demonstração dos factos elencados na alínea i) dos factos não provados constantes da sentença: o documento n. 9 junto com a contestação, o qual configura uma pesquisa de valores de mercado para um veículo com as mesmas características da viatura segura pela apólice dos autos, levada a cabo pela testemunha J. P..

    17. Importa assinalar que que a autora, notificada da contestação da ré e, bem assim, dos documentos que a acompanham, entre os quais figura este documento n.º 9, nada disse nos autos em sede de exercício do direito ao contraditório, não tendo, pois, impugnado o seu teor, reforçando-se o seu valor probatório.

    18. Salvo o devido respeito, mal andou o tribunal recorrido ao decidir como decidiu a propósito do facto aqui em apreço, sem ter tomado em consideração o teor do indicado documento.

    19. Emerge deste documento, que era possível encontrar no mercado veículos idênticos ao veículo seguro por um valor situado entre os 15.900,00 EUR e os 19.000,00 EUR...

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