Acórdão nº 2856/20.1T8VCT-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução30 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

O Banco ... S.A. instaurou, no Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, execução para pagamento de quantia certa contra os executados J. C. e R. M., oferecendo como título executivo uma livrança (ref.ª 36380406).

No requerimento executivo, a exequente alegou, além do mais, que, “…em virtude de operação bancária realizada no exercício da sua actividade, o Banco Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança, no valor de € 44.182,74, vencida em 18-09-2020, subscrita pela sociedade X Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008. - cf. Doc. 1 (…)” e que “apresentada a pagamento na data do vencimento, a mesma não foi paga então, nem posteriormente, apesar de os executados terem sido interpelados para o fazer” e que o crédito “é certo, líquido e exigível e está suficientemente titulado”.

Com o requerimento executivo foi junta a livrança exequenda e da mesma consta, no local destinado ao “local e data de emissão” “Viana do Castelo 2003-09-16”; na importância “44.182,74 €”; no valor destinado a “Caução” e tem como data de vencimento “2020-09-18”.

*Em 9.11.2020, o executado R. M. deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, nos quais alegou, entre outros, que “não é verdade que a exequente seja dona e legitima portadora da livrança dada à execução que alegadamente, nos termos do requerimento executivo, lhe teria sido entregue para caução de um contrato de conta corrente (..) celebrado com os mesmos em 25.02.2008” (art. 4º dos embargos), que “deixou de ser sócio e de ter qualquer interesse ou contacto com a sociedade avalizada (…) em 2005” (art. 5º dos embargos), e, “em Novembro de 2005, foi integralmente liquidado o valor que à data era devido pela X ao à, data, BANCO ..., S.A.

” (art. 6º dos embargos), “que é falso que a livrança dada à execução tenha sido subscrita (…) pelo embargante com caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado com aqueles em 25.02.2008” (artigo 7º dos embargos), “que o embargante não subscreveu, em 25.02.2008, nenhuma livrança, designadamente uma livrança a favor do BANCO ..., S.A.” (art. 8º dos embargos), “em 25.02.2008 o embargante não celebrou com a sociedade X e com o BANCO ... um contrato de abertura de crédito em conta corrente” (art. 9º dos embargos), invocando ainda, que não só a embargada não é possuidora legitima da livrança em virtude de o crédito invocado como subjacente à emissão da livrança não foi celebrado com a intervenção do embargante, com ainda é abusivo o preenchimento da referida livrança, entre outros (arts. 10º e 11º dos embargos).

*Através de requerimento apresentado nos autos de execução, em 2.12.2020 (ref.ª 37424538), a exequente informou que, “por lapso de escrita (...), o exequente refere no requerimento executivo que a livrança exequenda foi subscrita pela sociedade X – Construção Mecânica de Engrenagens, Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008, quando a data correta é 16.09.2003”, termos em que requereu que “seja corrigido o lapso de escrita, no sentido de onde se lê 25.02.2008 se passar a ler 16.09.2003”.

*Notificado daquele requerimento o executado R. M. respondeu, opondo-se à rectificação, nos termos requeridos, do invocado lapso de escrita (ref.ª 37622594).

*Datado de 13 de janeiro de 2021, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (ref.ª 46324264): “Req de 2/12 - Ref: 2976607 Deferido. Corrija-se o lapso de escrita.

Notifique”*Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso, em 13/04/2021, o executado R. M. (ref.ª 38523595) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O douto despacho recorrido viola do disposto no nº 1 do art. 154º do CPC por não ter sido fundamentado.

  1. A falta de fundamentação do despacho recorrido acarreta a sua nulidade por falta de fundamentação, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC).

  2. Nulidade que é manifesta e que se impõe que seja declarada, tanto mais que a omissão de fundamentação é total, uma vez que o douto despacho recorrido limita-se às expressões “deferido” e “corrija-se o lapso de escrita”.

  3. O artigo 249º do Código de Civil (CC) dispõe que “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.” 5. O princípio de retificação constante do art. 249º do CC é aplicável aos atos processuais e assim será aplicável ao requerimento executivo apresentado pela exequente, no entanto aquele preceito impõe que a retificação do simples erro de escrita só possa ocorrer quando esse erro ou lapso se revele pelo próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é efetuada.

  4. Ou seja, o erro é retificável apenas e se em face do contexto ou das circunstâncias da declaração, logo se perceber que o seu autor ou subscritor não só queria dizer outra coisa ou coisa diferente, como ainda se percebe ou se infira que coisa é essa, ou seja, essa retificação só pode ocorrer quando o aludido lapso for ostensivo ou manifesto.

  5. Pelo que, se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro ou lapso de escrita, permitindo a dúvida, então não há direito à retificação prevista no art. 249º do CC.

  6. Do requerimento executivo não se revela a evidência de qualquer erro.

  7. Aliás, a recorrente ficou convencido de que a data indicada (25.02.2008) estava correta.

  8. E a recorrida, no requerimento em que veio requerer a retificação do erro, nem sequer alegou qualquer razão para fundamentar a existência do alegado lapso de escrita que ali invoca.

  9. É assim manifesto que o pretenso erro invocado pela exequente e recorrida não é nem ostensivo nem evidente, não se revelado pelo teor do próprio requerimento executivo em causa e o executado e ora recorrente não o interpretou, nem podia interpretar como um erro, como aliás resulta patente do teor dos embargos de executado que deduziu, pelo que o douto despacho recorrido, ao ordenar a retificação do alegado erro de escrita, violou o disposto no artigo 249º do CC.

    Pelo que, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, pois só assim se fará JUSTIÇA!».

    *Contra-alegou a exequente, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção do despacho recorrido (ref.ª 38686077).

    *Datado de 6.05.2021, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (ref.ª 46808955): «R. M., executado no processo executivo nº 2856/20.1T8VCT instaurado pelo Banco ... S.A., veio recorrer do despacho proferido em 13 de Janeiro de 2021, nos termos do qual se deferiu a rectificação de um lapso de escrita no requerimento executivo.

    Uma vez que no recurso é suscitada a nulidade do despacho recorrido, importa apreciar a questão suscitada – artigo 617º, do Código de Processo Civil.

    O despacho recorrido deferiu a pretensão da exequente e determinou a correcção do lapso de escrita (despacho referência 46324264 de 13 de Janeiro de 2021).

    Reconhece-se que o despacho proferido não especificou os fundamentos de facto e de direito de tal decisão pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 613º, nº 2 e nº 3, do C.P.C., supre-se a nulidade invocada.

    O Banco ... S.A. instaurou a presente execução contra os executados J. C. e R. M. com base em livrança. A livrança (original) encontra-se nos autos principais a fls. 13 dos autos. No local e data de emissão tem os seguintes dizeres “Viana do Castelo 2003-09-16”, na importância “44.182,74 €”, no valor tem o seguinte dizer “Caução” e tem como data de vencimento “2020-09-18”.

    No requerimento executivo, a exequente alega, além do mais, “…em virtude de operação bancária realizada no exercício da sua actividade, o Banco Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança, no valor de e 44.182,74, vencida em 18-09-2020, subscrita pela sociedade X Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008. (…)”.

    Pelo requerimento de fls. 19 e 20 do processo principal, veio a exequente informar que, por lapso de escrita, pelo qual desde já se penitencia, o exequente refere no requerimento executivo que a livrança exequenda foi subscrita pela sociedade X – Construção Mecânica de Engrenagens, Lda. e avalizada por J. C. e R. M., para caução de um contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito celebrado com os mesmos em 25.02.2008 quando a data correcta é 16.09.2003. Mais requereu a correcção do lapso de escrita, no sentido de onde se lê 25.02.2008 se passar a ler 16.09.2003.

    A parte contrária pronunciou-se nos termos constantes de fls. 22 e 23 dos autos principais, pugnando pelo seu indeferimento pelos motivos aí constantes.

    Nos termos do artigo 249º, do Código Civil, “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”.

    Atento o disposto no artigo 295º, do Código Civil, o princípio contido no artigo 249º do Código Civil – rectificação de lapso manifesto – é aplicável a todos os actos processuais das partes.

    Da leitura, análise e confronto do requerimento executivo, concretamente da exposição dos factos, e do título executivo dado à execução ressalta o erro/lapso de escrita na data indicada como sendo a data de celebração do contrato de abertura de crédito. A livrança destinava-se a caucionar o contrato de...

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