Acórdão nº 2789/21.4T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução16 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório R. F.

e L. A.

intentaram procedimento cautelar comum contra V. N.

e A. C.

peticionando o decretamento da seguinte providência: «Nestes termos e nos mais de Direito que V.

Exª.

doutamente suprirá, deve o presente procedimento cautelar ser julgado procedente e provado e, em consequência, ser determinada a imediata remoção das chapas metálicas colocadas pelos Requeridos a cobrir toda a face exterior da marquise dos Requerentes, notificando-se aqueles para procederem à remoção de todas essas chapas no prazo de cinco dias, com as demais cominações legais, designadamente, a eventual incorrência na prática do crime de desobediência qualificada, tudo com as demais consequências legais».

Alegam, em suma, que são proprietários de uma fracção autónoma na qual, há mais de 15 anos, se encontra construída uma marquise através da qual beneficiam da entrada de ar e luz em benefício da sua fracção, situação a que obstaram os requeridos através da colocação de umas chapas metálicas encostadas de encontro à mesma.

Os requeridos deduziram oposição à providência, referindo, em síntese, que não estão reunidas as condições para declarar a existência de uma servidão predial de vistas que imponha aos requeridos a obrigação de removerem as chapas que colocaram.

Foi produzida a prova pessoal oferecida pelas partes.

Foi proferida decisão final, que julgou o procedimento cautelar totalmente procedente, e determinou que os requeridos V. N. e A. C., no prazo 5 (cinco) dias, procedam à remoção das chapas metálicas referidas em 16) e que se encontram encostadas à marquise descrita em 10) e erigida no logradouro da fracção dos requerentes R. F. e L. A.

.

A decisão consignou ainda, nos termos e para os efeitos do art. 375º do CPC, que incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva.

Inconformados com esta decisão, os requeridos dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo (art. 647º,1 CPC).

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

Porque o Tribunal a quo, oficiosamente, conheceu questões que não foram invocadas pelas partes, sem contudo, ter dado a possibilidade das mesmas se pronunciarem, violando flagrantemente o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n. º 3, do CPC.

  1. Porque o Tribunal a quo considerou verificado o requisito do “fumus boni iuris” por entender que a conduta dos recorrentes corresponde ao exercício ilícito de acção directa.

  2. Porque, por um lado, o Tribunal a quo entendeu que a transformação do logradouro dos recorridos numa marquise corresponde ao fiel exercício dum direito de tapagem, por outro, que a colocação das chapas metálicas opacas a isolar o logradouro dos recorrentes corresponde ao exercício ilícito de acção directa.

  3. Porque não se extrai da alegação dos recorridos, no requerimento inicial, que a conduta dos recorrentes corresponde ao exercício ilícito de acção directa, não tendo sido tal instituto jurídico invocado.

  4. Porque depreende-se do requerimento inicial, que o pedido dos recorridos, em concreto, a remoção das chapas metálicas opacas, decorre da pretensão dos mesmos em verem reconhecida a constituição de uma servidão de vistas por usucapião, relativamente à marquise.

  5. Porque quando o Tribunal a quo resolveu lançar mão do supra referido instituto legal, por via do conhecimento oficioso, a problemática do litígio encaminhou-se para uma relação fáctico-jurídica que não havia sido contemplada pelas partes.

  6. Porque durante todo o processo os recorrentes cingiram a sua produção de prova com vista a obter a declaração do Tribunal a quo de que a servidão de vistas por usucapião pretendida pelos recorridos, não se verificava.

  7. Porque os recorrentes sufragam o entendimento de que a Decisão recorrida é uma “decisão surpresa” que não se baseou na relação material controvertida estabelecida pelas partes, uma vez que trata-se de uma decisão baseada em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes.

  8. Porque a ausência do contraditório, no tocante ao instituto da acção directa, acarretou num grande prejuízo aos recorrentes, que ficaram impossibilitados de arguir teses e, por conseguinte, da alegação prévia e análise dessa alegação pelo Tribunal a quo.

  9. Porque estas teses seriam formuladas numa série de quesitos que, por força do agir inesperado do Julgador a quo, ao proferir uma “decisão surpresa”, ficaram sem respostas.

  10. Porque os recorridos e recorrentes compartilham do mesmo status quo, em relação ao logradouro em que foram realizadas as intervenções, isto é, tanto um, como outro, eram (e são) proprietários do respectivo imóvel onde está situado o espaço em questão.

  11. Porque as janelas existentes na marquise dos recorridos não respeitam a distância de 1,50 metros imposta pelo artigo 1360.º do CC, em relação ao logradouro dos recorrentes.

  12. Porque a marquise está construída sobre o murete que divide os logradouros, de modo que, ao levar a cabo tal construção, os recorridos extravasaram o seu direito de propriedade em detrimento do direito de propriedade dos recorrentes.

  13. Porque não se verificou a constituição de uma servidão de vistas ou uma servidão predial inominada sobre a marquise dos recorridos.

  14. Porque a colocação das chapas metálicas opacas no logradouro, pelos recorrentes, respeitam a distância de 1,50 metros das janelas existentes na fachada do edifício dos recorridos.

  15. Porque corresponde ao exercício do direito de tapagem, uma vez que a colocação das chapas metálicas opacas para obter privacidade e maior segurança no logradouro, não violou, nem prejudicou um qualquer direito dos recorridos, e não necessitava de uma autorização judicial.

  16. Porque a “impossibilidade dos recorridos de receberem luz natural e de beneficiarem de arejamento, com a inerente deterioração do conforto habitacional e do estar-físico dos requerentes e das crianças que compõe o seu agregado familiar” (sic), não decorre da colocação das chapas metálicas opacas, mas antes da própria marquise que eles construíram a ultrapassar os limites legais.

  17. Porque uma marquise ilegal, sobre a qual não se verificou a constituição de uma qualquer servidão, não é bastante para tolher o direito de propriedade dos recorrentes.

  18. Porque o Tribunal a quo não poderia ter proferido uma decisão sem se debruçar sobre o mérito da presente acção, isto é, não poderia ter proferido a Decisão recorrida sem permitir que os recorrentes pudessem enfrentar tais questões e obter resposta a cada uma delas.

  19. Porque a inobservância do princípio do contraditório configura a nulidade da Decisão recorrida.

  20. Deverá o Tribunal ad quem declarar a nulidade da mesma por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, uma vez que o Tribunal a quo violou flagrantemente o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, ao proferir uma verdadeira “decisão surpresa”.

  21. Sendo que, a interpretação conferida pelo Tribunal a quo, ao disposto no artigo 1356.º do CC, relativamente à colocação das chapas metálicas opacas no logradouro, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o direito de propriedade, consagrados, respectivamente, nos artigo 13.º e 62.º, ambos da CRP, uma vez que atribuiu-se uma qualificação jurídica diferente para a conduta dos recorridos.

    Os recorridos contra-alegaram, findando com as seguintes conclusões: 1.ª Devem com os fundamentos melhor expostos supra improceder todas as conclusões do douto recurso; 2.ª Ao contrário do alegado a douta sentença não padece de qualquer nulidade; 3.ª A adopção pelo julgador da liberdade de decisão subjacente ao latino iura novit curia não importou qualquer violação do contraditório nos autos sub judice; 4.ª Inexiste qualquer violação do princípio da igualdade e inerente inconstitucionalidade porque concorreram diferentes direitos de natureza subjectiva na formação da convicção do julgador, na fundamentação da decisão e na sentença agora sindicada; 5.ª A douta sentença não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei; II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT