Acórdão nº 621/19.8T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GONÇALVES
Data da Resolução15 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No identificado processo, o arguido F. A.

foi submetido a julgamento e condenado por sentença proferida em 5/12/2019 e depositada em 6/12/2019, como autor de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, al. a), 2 e 4, do C. Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, com a respectiva execução suspensa por igual período, mediante regime de prova e o cumprimento de diversos deveres de conduta e obrigações, bem como nas penas acessórias de: a) proibição de contactar com a ofendida, pelo período de 2 anos e 8 meses, o que inclui, b) a obrigação de se afastar, não frequentar e não se aproximar da residência em que a ofendida reside e c) a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica durante o aludido período de 2 anos e 8 meses. E foi, ainda, condenado a pagar à demandante civil, F. M., a quantia de € 3.000, para indemnização dos danos morais causados a esta.

Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões (sic): «i) O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152 do CP.

ii) O Tribunal a quo condena com base em alguns depoimentos prestados que se revelaram confusos, imprecisos, tendenciosos, falsos, sem qualquer razão de ciência, instruídos e nunca mereciam qualquer credibilidade por parte deste tribunal; iii) A sentença é completamente desprovida de fundamento, porquanto, não existe prova nos autos que demonstre, de forma clara e fidedigna, que o arguido praticou o crime.

iv) Não restam, assim, dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado.

v) O tribunal não interpretou, nem aplicou, corretamente disposto nos artigos 127º do C. P. P., e o art. 152°, ambos do CP assim como não teve em atenção o princípio basilar do in dubio pro reo.» Admitido o recurso, o Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta em que salientou o incumprimento do art. 412º do CPP (falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados e das concretas provas que imporiam decisão diversa da recorrida, para além de na motivação não se indicarem as passagens da prova gravada em que se funda a impugnação) defendendo, a formulação do convite no sentido de corrigir as mencionadas conclusões nos termos do n.º 3 do art. 417º do CPP.

Também asseverou que a decisão recorrida fez uma correcta apreciação da prova produzida em audiência, integrando os factos provados o crime pelo qual o recorrente foi justamente condenado.

Essa argumentação foi também sustentada neste Tribunal pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, que apenas se apartou da mesma na parte respeitante à formulação do convite para aperfeiçoamento das conclusões, dizendo: «o perfil do documento recursório, não possibilita, como a jurisprudência tem considerado, de modo uniforme, o endereçamento do convite a que alude o art.º 417.º, n.º 3, uma vez que a amplitude que teria de ter esse gesto representaria, materialmente, um aconselhamento do mesmo quanto aos termos em que deveria formular a impugnação ampla do julgamento da matéria de facto; o que a norma não permite, até porque o recurso deve ser, obrigatoriamente, subscrito por técnico de direito ─ art.º 64.º, n.º 1, al. e)─, naturalmente conhecedor das determinantes vigentes quanto ao modo como a almejada impugnação deve ser produzida.

».

Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência.

*II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, neste recurso suscita-se a questão da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo.

*Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e a motivação da respectiva decisão (sic): «1. O arguido e a ofendida F. M. casaram um com o outro em - de julho de 1995, vindo a divorciar-se em - de outubro de 2014.

2. Não obstante, mesmo após o divórcio, embora fazendo vidas separadas, mantiveram-se a viver na mesma moradia - sita n.º … da Rua de …, em Vila Nova de Famalicão -, a qual, por se dividir por dois pisos, delimitava a área que respeitava de cada um.

3. No decurso do casamento tiveram dois filhos: D. S., nascido em - de janeiro de 2004, menor de 15 anos, e B. A., nascido - de janeiro de 1998, ora maior de 21 anos.

4. Cerca de três anos antes do mencionado divórcio a relação entre arguido e ofendida começou a deteriorar-se porquanto a ofendida sofreu um aborto espontâneo e culpabilizou o arguido desse mesmo facto; 5. E nessa ocasião a ofendida peticionou ao arguido o divórcio, divórcio, este, que o arguido recusou; referindo-lhe que não lhe dava o divórcio, situação esta que agravou a depressão de que já sofria a ofendida, tendo a mesma tentado por duas vezes o suicídio; 6. Durante os referidos três anos antes do divórcio, e em datas não concretamente apuradas assim como em número não apurado em concreto, o arguido puxou os cabelos da ofendida, desferiu-lhe bofetadas na cara e deu-lhe empurrões; 7. E nesse período – durante os três anos antes do divórcio – em datas não concretamente apuradas e em número de vezes não concretamente apurados, o arguido apelidou a ofendida de “puta” e de “vaca” e nessas ocasiões a ofendida reagia dirigindo ao arguido insultos não concretamente apurados; 8. A partir de dezembro de 2017, depois de saber que a ofendida havia pedido a partilha dos bens do extinto casal, o arguido passou a ameaçá-la, dizendo-lhe, de viva voz e em tom sério, de modo a ser acreditado, entre o mais: - “vai haver sangue e guerra nesta casa, eu vou-te matar”.

9. Em dia impreciso de agosto de 2018, tendo o arguido conhecimento de que a ofendida tinha um novo relacionamento insultou-a, dizendo-lhe, entre outros coisas, que era uma “vadia”, que “andava com outros” e que “era uma puta”, e uma vez cuspiu-lhe na cara.

10. Em 15 de dezembro de 2018, pelas 12 horas e 30 minutos, quando se encontrava a almoçar na cozinha na companhia do seu filho mais novo, D. S., a ofendida foi aí abordada pelo arguido que pretendia assinasse uma declaração de venda de um automóvel então registado em nome da ofendida; 11. Nessa altura a ofendida referiu ao arguido que só assinava aquela declaração de venda caso ele assinasse “as partilhas” e nessa ocasião o arguido desferiu murros sobre a mesa da cozinha, insultou a ofendida dizendo-lhe: - "és uma vadia", “puta”, “andas com todos; és uma ladra, queres-me roubar o carro”.

12. A ofendida manteve, todavia, a posição de que não assinaria nada.

13. Face a este posicionamento o arguido tornou-se mais agressivo e disse à ofendida: "vai haver muito sangue e muita guerra nesta casa!” 14. Entretanto ali acedeu o filho mais velho do arguido e da ofendida, o B. A..

15. Quando este chegou, vendo o pai exaltado, tentou acalmá-lo - no que não foi bem-sucedido - sendo que acabou mesmo por se negar a abandonar o local e continuou exaltado.

16. A partir dessa data o B. A. não mais trabalhou com o arguido.

17. Os comportamentos do arguido e o receio de que pudessem agudizar-se levou a ofendida a temer pela própria vida.

18. O arguido, em dia impreciso de dezembro de 2018, havia já retirado de casa as botijas do gás para que a ofendida não pudesse tomar banho.

19. Por tudo isso, e também por não conseguir mais suportar a dor e humilhação que as condutas do arguido lhe causavam, a ofendida deixou a habitação que partilhava com ele nesse mesmo dia 15 de dezembro de 2018.

20. A ofendida, que já vivia amedrontada com as condutas do arguido, passou a sentir ainda mais medo, receando seriamente que este atentasse contra a sua integridade física ou mesmo contra a sua vida.

21. As condutas agressivas do arguido para com a ofendida foram, por várias vezes, levadas a cabo perante os filhos de ambos.

22. Tais condutas do arguido revelam desrespeito pelos valores familiares, pela dignidade da vítima enquanto pessoa e pela sua integridade moral.

23. E, evidenciam, por outro lado, uma personalidade alheia e adversa ao direito.

24. Por causa dessas condutas a ofendida sentiu-se ainda atingida na honra e consideração pessoal que lhe eram devidas, como na sua dignidade enquanto pessoa e mulher, bem sabendo o arguido que, ao invés, e enquanto sua ex-mulher e mãe dos seus filhos, mais se lhe impunha tratá-la com...

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