Acórdão nº 5310/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório A. C., apresentou-se à insolvência em 1-10-2019, requerendo a exoneração do passivo restante.
Por sentença datada de 3-10-2019, foi declarada a insolvência do requerente e, além do mais, nomeado o administrador da insolvência.
O Administrador de Insolvência (AI) apresentou relatório nos termos do artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), juntando ainda a Lista Provisória de Credores, pronunciando-se, além do mais, em sentido favorável ao deferimento do pedido de exoneração do passivo restante.
Notificados do relatório apresentado pelo AI vieram os credores Credora ... e Caixa ..., SA tomar posição, não se opondo ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante nem ao encerramento do processo por insuficiência da massa, mas pronunciando-se no sentido de ser determinada a cessão ao fiduciário do rendimento mensal que exceda o correspondente a 1 salário mínimo nacional como forma de conciliar os interesses do insolvente e dos credores.
Por requerimento apresentado a 14-01-2020 o requerente da insolvência informou que paga uma prestação de alimentos de €250 a cada uma das suas filhas, num total de €500 mensais, como resulta da certidão da CRC de Guimarães, junta com a petição inicial e que, quanto às restantes despesas, por necessidade, vive em casa de sua mãe, comparticipando com a quantia de cerca de €100, para ajuda no pagamento das despesas correntes.
Por despacho de 20-01-2020 foi proferido despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, nomeando-se fiduciário o AI já designado, determinando que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao Fiduciário, mais decidindo adequado fixar em €660,00 o montante que o insolvente poderá dispor.
Foi declarado o encerramento do processo, nos termos do artigo 230.º, n.º1, al. e), do CIRE, o que transitou em julgado.
Inconformado, veio o insolvente interpor recurso da decisão proferida a 20-01-2020, na parte relativa à exoneração do passivo restante, terminando as respetivas alegações com as seguintes Conclusões (que se transcrevem): «1-O art. 239 nº3 al. b) i) do CIRE deve ser interpretado no sentido de que a exclusão aí prevista tem como limite mínimo o que seja razoavelmente digno do devedor e do seu agregado familiar e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional ( valor máximo este que só pode ser excedido em casos excecionais devidamente fundamentados).
2- Nos termos do disposto no ponto i), da al. b), do nº3. do art. 239º do CIRE, deve ser excluído da cessão ao fiduciário o que razoavelmente seja necessário para “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”.
3 - Ponderando as patenteadas condições socioeconómicas e familiares do Insolvente (fundamentalmente que o seu agregado familiar é composto por ele próprio e que paga de pensão de alimentos às suas duas filhas a quantia de €500 mensais); 4 - Fazendo apelo à velha escala da OCDE, também apelidada de “escala de Oxford”, que foi criada em 1982, para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, 5 - O padrão a adotar deve ser aquele que, sem descurar os direitos dos credores, não afete o devedor, remetendo-o aos limites de uma sobrevivência penosa, socialmente indigna, sob pena de a proclamada intenção de o recuperar economicamente constituir uma miragem.
6 - Considerando que o sustento minimamente digno do requerentes é assegurado com o montante de um salário mínimo mensal, e considerando que é de 0,5 o peso dos filhos no aumento das necessidades do agregado familiar, in casu, traduzido na pensão de alimentos de €250 mensais para cada uma das filhas, deverá o rendimento mínimo disponível encontrado para o Requerente ser aumentado de 1 s.m.n, atingindo-se, deste modo, um montante equivalente a dois salários mínimos, como sustento mensal minimamente digno dos Recorrentes.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a deliberação recorrida, que deve ser substituída por outra que determine que o sustento minimamente digno do devedor não poderá ser fixado em quantia inferior a dois salários mínimos nacionais, nos termos do disposto no artigo 239º, nº3, alínea b, do CIRE, isto é O despacho inicial de exoneração do passivo restante, deve ser substituído por outro que, exclua do rendimento disponível que o Insolvente venha a auferir, o equivalente a dois salários mínimos».
Não foi apresentada resposta.
O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
II.
Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o objeto do presente recurso circunscreve-se apenas à questão de aferir qual o valor que deve ser excluído do rendimento disponível para efeitos de cessão de rendimentos do insolvente em benefício dos credores, concretamente, se é de alterar o despacho recorrido, na parte em que fixou o rendimento indisponível do apelante no montante de €660,00.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação 1.
Os factos 1.1.
Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos que foram considerados provados pelo Tribunal a quo no âmbito do despacho proferido em 21-09-2018 que determinou a cessão ao fiduciário do rendimento disponível que o devedor venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência e fixou o valor do rendimento disponível: 1.1.1.
O insolvente aufere mensalmente a quantia de € 600,00.
1.1.2.
Paga uma prestação de alimentos de €250 a cada uma das suas filhas, num total de €500 mensais.
1.1.3.
Quanto às restantes despesas, por necessidade, vive em casa de sua mãe, comparticipando com a quantia de cerca de €100, para ajuda no pagamento das despesas correntes.
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Apreciação sobre o objeto do recurso Está em causa na presente apelação aferir qual o valor que deve ser excluído do rendimento disponível para efeitos de cessão de rendimentos do insolvente em benefício dos credores, concretamente, se é de alterar o despacho recorrido, na parte em que fixou o rendimento indisponível do apelante no montante de €660,00.
No caso vertente, estamos perante uma insolvência requerida pelo próprio devedor, na qual foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo mesmo e fixado que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível, abrangendo todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, se considera cedido ao Fiduciário. Mais se observa que o despacho recorrido fixou em € 660,00 o montante que o insolvente poderá dispor, entendendo ser tal valor o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade e considerando os factos antes...
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