Acórdão nº 384/16.9T8VLN-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | RAMOS LOPES |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães *RELATÓRIO*Apelante: X, Ldª (autora).
Ré: Massa Insolvente da Estilos ..., Ldª (ré).
Juízo de comércio de Viana do Castelo – Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo *Intentou a autora a presente acção pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 27.500,00€ (vinte e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, para tanto alegando, em súmula, que no âmbito de diligência de venda do activo pertencente à insolvente, I. C. apresentou uma proposta de 275.000,00€ para aquisição de verba apreendida, valor inferior ao montante indicado no anúncio de venda como sendo o valor mínimo de venda (de 780.300,00€), sendo-lhe o bem adjudicado (à I. C.) e notificada para proceder ao depósito do valor de 27.500,00€ correspondente ao sinal a prestar, informando esta que apresentara a proposta em representação da autora, pagou a autora o referido montante à massa insolvente ré, não tendo a referida I. C. procedido à cessão da sua posição contratual à autora, no âmbito da adjudicação efectuada, não tendo assim a autora legitimidade para celebrar com a massa insolvente ré o contrato de compra e venda da verba em causa. Mais alega que atenta a diferença entre o valor de venda do bem e o valor base anunciado para a mesma, corre a autora riscos de os credores virem impugnar a validade do negócio (foi apenas realizada uma única tentativa de venda – um único acto de abertura de propostas em carta fechada –, não ficando garantidos os interesses de credores ou potenciais compradores, impondo-se que a administradora tivesse realizado novo acto de abertura de propostas tendo como valor base o apresentado pela referida I. C.), pretendo por tudo o alegado, a devolução do sinal prestado.
Contestou a ré, defendendo a improcedência da acção. Invoca ter a autora apresentado proposta para aquisição do bem através de representante, não sendo por isso necessária a outorga de qualquer contrato de cessão da posição contratual, representação que a autora confirmou perante si (perante a administradora da insolvência), constituindo assim manifesto abuso de direito por parte da autora a invocação da inexistência de tal contrato de cessão da posição contratual para se escusar à celebração do negócio. Alega também não se verificar qualquer irregularidade que pudesse afectar a alienação pois que aquando da apresentação da proposta, considerando ser o valor desta muito inferior ao valor mínimo anunciado para venda, foi o credor hipotecário notificado para se pronunciar, tendo o mesmo dado anuência ao negócio (sendo que face ao disposto no art. 164º, nº 2 e 3 do CIRE apenas a tal credor garantido competia pronúncia sobre o assunto), além de que desde 25/01/2018 constavam nos autos todas as informações necessárias (juntas pela administradora da insolvência) para que os credores se pronunciassem sobre a venda, o que não aconteceu, estando precludido o prazo para arguição de qualquer irregularidade.
Apresentada pela autora resposta à matéria de excepção alegada pela ré, dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e, realizado o julgamento, proferida sentença que julgou improcedente a acção.
Irresignada com a decisão, apela a autora em vista da sua revogação e substituição por outra que condene a ré na devolução do valor que lhe fora pago, terminando as suas alegações pelas conclusões que se transcrevem: A. O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal a quo que julgou a presente ação totalmente improcedente, termos em que decidiu absolver a Recorrida do pedido formulado pela Recorrente.
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A Recorrente intentou contra a Recorrida, uma ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 27.500,00 a título de sinal, por falta de cumprimentos das formalidades legais exigíveis para a venda em processo de insolvência pela modalidade de proposta em carta fechada C. Tendo como objeto do litígio a referida ação o facto de, em sede de liquidação do activo da massa insolvente da sociedade comercial Estilos ..., Lda., I. C. ter apresentado uma proposta de aquisição da verba n.º 1 descrita no auto de apreensão (um prédio rústico) no montante de 275.000,00 €, bem esse que foi adjudicado à proponente pelo referido valor, apesar de no anúncio de venda constar que o valor mínimo das propostas a apresentar teria de ser de 780.300,00 €.
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Acontece que o bem foi adjudicado à proponente tendo sido a ora Recorrente que depositou a favor da massa insolvente da referida sociedade 10% do valor de adjudicação, o que fez porque acordou com a adjudicatária que esta lhe cederia a sua posição contratual no aludido negócio jurídico, sendo que, apesar disso, aquela, até à presente data, se recusa a outorgar tal contrato.
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Entendimento esse que a Recorrente não partilha e, por isso, dele vem, muito respeitosamente, recorrer.
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No que respeita aos factos provados, há erros na decisão, bem como insuficiência de factos na matéria de facto fixada e a omissão de factos instrumentais/acessórios, relevantes para a decisão, apurados em Audiência de Julgamento.
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Em primeiro lugar, cabe referir que existiu uma irregularidade da venda – designadamente atendendo à diferença entre preço mínimo anunciado para a venda do bem (€ 780.300,00) e o preço pelo qual o referido bem foi adjudicado (€ 275.000,00), uma vez que tal valor poderá ser impugnado pelos credores ou por outros potenciais interessados.
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Nos presentes autos, embora a Administradora de Insolvência tivesse notificado o credor hipotecário, Caixa ..., S.A., e os restantes credores através do processo de insolvência, esta proposta poderá ainda ser contestada por um credor ou potencial comprador, pedindo a anulação da referida venda por terceiros, visto não terem tido as mesmas condições que a proponente I. C..
I. Não tendo sido careada para os autos qualquer prova documental que prove que para a diligência de abertura de propostas tivessem sido convocados os credores e outros potenciais interessados para se pronunciar quanto à viabilidade de aceitação da proposta rececionada.
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Pelo que, nos termos do n.º 3 do artigo 821.º do CPC, com a preterição das formalidades necessárias para a realização da venda, corre a Autora um sério risco.
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Isto porque a efetiva venda do bem poderá vir a ser contestada por algum credor ou potencial comprador, pedindo a anulação da referida venda por terceiros, visto não terem tido as mesmas condições de compra que a proponente I. C., L. Atendendo que nos termos do artigo 199.º, n.º 1 do CPC, os interessados têm 10 (dez) dias para se pronunciarem após o conhecimento das referidas irregularidades.
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Ora, o conhecimento do preço de compra apenas seria público, para todos os interessados, na data da escritura de compra e venda, que ainda não foi celebrada, sendo nessa data que os interessados teriam conhecimento da venda e do respetivo preço.
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Pelo que, contrariamente ao estipulado na referida sentença que determina que “Concluímos, assim, nenhuma irregularidade ocorrer quanto à venda promovida nos autos, a qual, aliás, a existir, há muito tinha visto o respectivo prazo de arguição por quem de direito precludir.”, existiu efetivamente uma irregularidade na venda judicial que ainda poderá ser arguida.
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Veio a sentença a quo concluir que ‘…, e ao contrário do alegado pela A., a I. C. actuou sempre em representação da sociedade “X, Ld.ª”, ...’, o que, perante a factualidade provada, não poderá ser aceite.
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Não logrou provar a Recorrida que a proponente I. C. se encontrava em representação da Recorrente, nem resulta da prova documental junta aos autos tal facto uma vez que a proponente sempre alegou que apresentava a proposta por si ou em representação de alguém.
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Contudo, atendendo que: i) a Recorrente é uma sociedade comercial pelo que as regras de representação estipulam que não bastaria uma mera informação de que a Sr.ª I. C. representava a Recorrente e ii) não foi firmada nenhuma procuração ou outro documento que legitimasse a representação da Recorrente pela Sr.ª I. C..
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Não se pode concluir que os requisitos legais, previstos nos artigos 260.º, n.º 4 e 252.º, n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais, para a representação de uma sociedade comercial estavam preenchidos.
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Portanto, para que a venda do imóvel fosse realizada em nome da Recorrente seria sempre necessário um contrato de cessão da posição contratual.
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Contudo, apesar de instada pela ora Recorrente, nunca até ao momento, a Sr.ª I. C. fez prova da cessão da posição contratual, tendo-se recusado a celebrar com a ora Recorrente o contrato de cessão da posição contratual.
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Concluímos, assim que, formalmente, para que a ora Recorrente pudesse ser considerada proponente e celebrar a escritura de compra e venda, deveria ter sido realizado o respetivo contrato de cessão da posição contratual como legalmente é exigível.
V. Para que haja abuso de direito, na concepção objectiva, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, basta que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que objectivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente.
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O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.
X. Impõe, que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado.
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Ora, a ação intentada em nada foi uma surpresa para a Recorrida, uma vez que conforme Docs. 8 e 9 juntos com a P.I. a ora Recorrente já tinha anteriormente expresso as suas preocupações...
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