Acórdão nº 21582/18.5T8LSB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelHEITOR GONÇALVES
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

acordam os juízes da 1ª secção cível da relação de guimarães I.

J. P., M. C. e M. J. demandaram nesta acção declarativa A. M., pedindo que seja condenada a pagar 12.368.10€ ao 1º autor, 8.709,43€ à 2ª autora, e 3.977,22 ao 3º autor, quantias acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, reclamadas a título de indemnização dos danos patrimoniais sofridos na sua condição de credores no processo de insolvência da sociedade comercial “X-Indústria de Solas, Lda”, em virtude da violação ilícita e culposa pela ré dos seus deveres funcionais inerentes ao cargo de administradora judicial no âmbito daquele processo de insolvência.

  1. A Ré invocou na contestação a excepção de prescrição do peticionado direito à indemnização, com o fundamento de ter decorrido o prazo de 2 anos previsto no artigo 59.º, n.º 5 do Cire (Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas), desde a publicitação de lista de credores reconhecidos, em fevereiro de 2007, e com a notificação pessoal dessa lista a 27.04.2010.

    Apresentando a sua versão dos factos, diz que reconheceu os créditos dos autores nos termos reclamados porque a insolvente não tinha contabilidade organizada, tomando igual posição em relação aos trabalhadores sindicalizados depois de ser informada que eles intentaram acções no Tribunal de Trabalho de impugnação da ilicitude do despedimento e reclamando o direito a todas as prestações desde a data do despedimento até à declaração de insolvência da empregadora.

    III.

    No despacho exarado no final dos articulados foi anunciado às partes que o estado dos autos possibilitava o conhecimento de imediato do mérito da causa, e foi-lhes dada a oportunidade de dizerem o que se lhes oferecessem sobre aquele propósito, designadamente requerendo o agendamento da audiência prévia com o fim previsto no artigo 591º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil.

    Responderam os AA., dizendo que a prova de parte considerável dos factos se bastava com a apresentação de documentos, e nessa conformidade requereram que a secretaria do tribunal diligenciasse junto do Juízo de Comércio de Lisboa pela aceleração da emissão da certidão por eles aí solicitada.

    O Sr. Juiz dispensou a referida certidão, face à consulta electrónica do processo de insolvência e à junção de meras cópias dos documentos, e decidiu o mérito da causa sem necessidade de mais provas, tendo absolvido a ré de todos os pedidos formulados na acção.

  2. Os AA. recorrem dessa decisão, terminando com as seguintes conclusões.

    1. É nula, por falta de fundamentação e nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto que é, como a dos autos, absolutamente omissa quanto à motivação, não fazendo qualquer análise critica das provas ou apontado qualquer ilação ou fundamento decisivo para sua convicção, ou sequer dizendo em que documentos se baseou, por violação do disposto no n.º 4, do artigo 607.º, do mesmo Código.

    2. Não podem considerar-se provados por acordo os factos para os quais se exige prova documental autêntica, como é o nosso caso, em que estão em causa um conjunto de actos praticados num processo judicial, que só podem provar-se por certidão das peças desse processo, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 363.º, artigos 369.º e seguintes, todos do Código Civil e artigo 131.º, do Código de Processo Civil, ou com a consulta electrónica do mesmo processo feita pelo tribunal, caso em que o tribunal deve referir que concretas peças do processo consultou, as quais sempre teriam de ser juntas a estes autos, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 412.º, do C. Proc. Civil, o que tudo vem a respeito dos factos considerados provados nos 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20 e 21.

    3. Num processo em que se alega o incumprimento dos deveres da parte contrária, no caso os deveres funcionais do administrador de uma insolvência, de análise, diligência e apuramento dos créditos e de tratamento com igualdade dos credores iguais, importa selecionar os factos relativos à violação desses deveres, por serem factos essenciais à apreciação do pedido.

    4. Assim e estando aqueles factos alegados pelos autores, não pode tal questão decidir-se sem se selecionar os factos, relativos à violação, pelo administrador da insolvência daqueles seus deveres, 5.ª Ao decidir a questão do pedido de indemnização por danos causados pelo administrador da insolvência, pela violação culposa dos seus deveres funcionais, sem selecionar aqueles factos, o tribunal violou o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 595.º, para além do que parece mesmo ter cometido a nulidade da omissão de pronúncia sobre factos essenciais alegados pelas partes, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, em conjugação com o n.º 4, do artigo 607.º, e o n.º 1, do artigo 5.º, todos do Código de Processo Civil, a qual, no entanto e no caso, uma vez que se trata de um saneador-sentença, sempre deverá resultar na sua revogação e consequente prosseguimento do processo para os apurar (….) 6.ª Vem isto a respeito do alegado: no artigo 15.º da petição inicial (de que o membro da comissão de credores e representante dos trabalhadores é, afinal, um funcionário do sindicato); nos artigos 21.º e 22.º, da petição inicial, que respeita aos factos alegados na reclamação de créditos e aos documentos ali apresentados pelos autores, da mesma forma que, de resto, se selecionou o alegado nos artigos 23.º a 25.º, da petição, ou seja, o montante reclamado, os factos alegados e os documentos apresentados pelos trabalhadores sindicalizados; do alegado nos artigos 39.º, 40.º e 42.º, da petição inicial, relativamente ao momento em que os autores se aperceberam da disparidade nos montantes dos créditos reconhecidos; do alegado nos artigos 57.º a 74.º, da petição inicial, onde se descreveu a violação, pela ré, dos seus deveres funcionais, dizendo o que é que a ré devia ter feito e não fez, como a consulta de documentos, que estavam disponíveis, ou uma confrontação com as pessoas, e muitas havia para isso, e onde se alegou a forma como a ré actuou, não se inteirando de nada, não querendo inteirar-se de nada; do alegado nos artigos 75.º a 79.º, da petição inicial, onde se marcou o nexo de causalidade entre o comportamento da ré e o dano sofrido pelos autores; 7.ª Não podem considerar-se provados factos que foram impugnados pela parte contrária e que não estão demonstrador por prova autêntica, o que vem a propósito: do facto 24, que a X estava inactiva desde 2005, não possuía instalações, nem qualquer estabelecimento em actividade, não tinha a contabilidade organizada desde Dezembro de 2004, não tendo o gerente procedido à regularização, tendo sido a insolvência qualificada como culposa, imputável àquele; e do facto 25, que a ré tomou conhecimento, aquando da reclamação de créditos, que os referidos trabalhadores sindicalizados tinham impugnado, no Tribunal de Trabalho, o alegado despedimento, acções que viriam a ser arquivadas por inutilidade superveniente da lide, na sequência da declaração de insolvência, sobretudo porque nada disso consta das reclamações de créditos, nem comprovado, nem sequer alegado.

      Quanto à ilicitude 8.ª “O modelo de responsabilidade [do administrador da insolvência] corresponde, com grande proximidade, ao travejamento geral da figura da responsabilidade aquiliana baseada na culpa, tal como resulta do Código Civil”, havendo ali “de específico o facto de estarmos em presença de uma modalidade funcional de responsabilidade, que se fundamenta na violação de deveres postos a cargo do administrador da insolvência na satisfação da missão geral de que está encarregado.” Conclusão adaptada das anotações do Professor Luís Carvalho Fernandes e do Mestre João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2015, página 343, por sua vez inspiradas no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Novembro de 2011, ali citado 9.ª Mostra-se suficientemente alegada a ilicitude do comportamento do administrador da insolvência, por violação dos seus deveres de averiguação, de análise, de diligencia e desempenho criterioso, num caso como o nosso, em que está alegado, em resumo, que: - que a administradora nomeada em processo de insolvência por sugestão do sindicato a que pertencem os trabalhadores requerentes, sabendo ou podendo saber que todos os trabalhadores da insolvente, por acordo com a insolvente, cessaram os contratos de trabalho por acordo escrito em que fizeram constar os montantes das compensações devidas por esta àqueles, tratou de reconhecer os créditos dos trabalhadores sindicalizados, desacompanhados de qualquer documento e em que reclamavam o valor do acordo acrescido das remunerações entre a data da cessação do contrato de trabalho e a declaração da insolvência, e, em injustificada desigualdade de tratamento, não reconheceu os créditos dos trabalhadores que não se sindicalizaram, quando as reclamações de créditos destes se mostravam instruídas com os acordos celebrados e, para além disso, só reclamavam os créditos constantes do acordo celebrado com a empregadora, sem o acréscimo daquelas remunerações; - que aquele reconhecimento ligeiro só pode ter-se ficado a dever à gratidão pela sugestão da sua nomeação e este não reconhecimento só pode ter-se ficado a dever a vingança por não sindicalização, sobretudo tendo em conta o motivo do não reconhecimento dos créditos, documentados e inferiores, dos trabalhadores não sindicalizados, que foi “não consta da contabilidade; reclamação extemporânea; documentos de suporte insuficientes” ou “não consta da contabilidade; documentos de suporte insuficientes”, quando, como é evidente, ou nenhum constava da contabilidade ou todos constavam da contabilidade (cf artigos...

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