Acórdão nº 104778/19.3YIPRT de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO X, S.A., intentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09 contra M. J. – COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS, REP. MARCAS, UNIPESSOAL, LDA. e M. J., pedindo a condenação das Requeridas no pagamento da quantia total de € 9.222,00, distribuído por capital - € 9.120,00 e taxa de justiça - € 102,00.

Alega, em síntese, que por contrato escrito de 14/07/2014, foi dado de arrendamento à sociedade Requerida, para armazém e atividade industrial, o pavilhão do rés-do-chão, sito no Lugar …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz sob o art.º ...º, pelo prazo de 5 anos, com início em 01/08/2014, pela renda mensal de € 400,00 e a pagar até ao dia 8 do mês anterior aquele a que disser respeito. Por seu turno, a Requerida M. J., constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações contratuais da arrendatária.

Nem a Requerida arrendatária, nem a Requerida fiadora, pagaram, ou depositaram em tempo, as rendas relativas aos meses de Novembro de 2017 a Maio de 2019, cujos vencimentos ocorreram no primeiro dia útil de cada um dos meses anteriores aos referidos, num total de € 7.600,00. Ao referido valor, acresce a indemnização de 20%, nos termos do disposto no artigo 1041º, nº 1 do Código Civil.

*Notificadas as Requeridas, deduziram oposição, alegando, em suma, que denunciaram o contrato de arrendamento em causa em 14/11/2018, tendo na mesma data sido entregues as respetivas chaves, com fundamento na falta de condições do arrendado para a finalidade para a qual foi celebrado o contrato, pois desde o início do contrato que o imóvel apresentava problemas no telhado, permitindo a entrada de águas pluviais para o seu interior, situação que foi denunciada à Requerente, a qual aceitou realizar as obras respetivas, o que nunca chegou a acontecer. Mais alegam que as infiltrações de águas pluviais pelo telhado do arrendado provocaram danos num lote de mercadoria das Requeridas, no valor de € 90.000,00, que foi vendido pelo montante de € 43.442,00, acarretando um prejuízo de € 46.557,60.

Por exceção as Requeridas invocaram ainda a compensação entre o crédito da Requerente e o seu contra crédito.

*Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que reconheceu que a Requerente possui um crédito sobre as Requeridas no montante total de € 7.600,00 (sete mil e seiscentos euros) e julgou procedente a exceção de compensação, operando a compensação do crédito da sociedade Requerida até ao limite do crédito da Requerente, no montante de € 7.600,00, declarando o mesmo extinto.

*Inconformada com a sentença veio a Requerente interpor recurso terminando com as seguintes conclusões (que se transcrevem): A - Foram diferentemente relevados, sem motivo - antes pelo contrário -, os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora, relativamente aos das arroladas pelas rés.

B - O descrito nas alíneas k), j) e l) não são factos, sim meras conclusões.

C - A decisão foi sustentada, entre mais, em correspondência levada ao processo pelo mandatário das rés, contendo factos protegidos pelo sigilo profissional de advogado, que não podem fazer prova em juízo.

D – Ainda que, sem prescindir, a referida correspondência pudesse ser atendida - e não pode -, sempre ela se limita a traduzir um acordo consubstanciado em, primeiro, ser efectuado o pagamento da totalidade das rendas em débito e, depois, só depois, serem levadas a cabo obras, sendo que aquele pagamento nunca foi concretizado.

E – Fundou-se a sentença, também, em obras que não caracterizou, concretizou ou identificou e que, assim, não eram susceptíveis de ser consideradas obrigação da autora, tanto mais que não vêm imputados a esta, nem mesmo pelas rés, quaisquer actos, factos ou comportamentos posteriores ao início do contrato, altura em que o locado se apresentava em boas condições, mesmo que só presumivelmente.

F - A autora não admitiu, muito menos expressamente, a obrigação de realização de obras, mas nada impedia que a ré sociedade, ela própria, as levasse a cabo para evitar os alarmantes prejuízos que alegou ter sofrido.

G – O facto p) - eventual prejuízo sofrido pela ré sociedade - não pode ser dado por assente com base em simples prova testemunhal, ainda que ajudada por documentos avulsos, visto só o poder ser por formalidade especial, o balanço societário.

H – A não realização de obras pela autora, ainda que a isso estivesse obrigada, e não estava, não podia justificar o não pagamento das rendas, omissão assumida pela ré para pressionar, sendo esta, assim, responsável pela indemnização devida pela mora, tanto mais que, tendo alegado a entrada de água no locado desde o início do contrato, não se coibiu de lá colocar, mais de três anos passados, a mercadoria que, alegadamente, veio a deteriorar-se.

I – Pesando diferentemente os depoimentos das testemunhas identificadas, levando em conta prova traduzida em actos praticados por advogado em violação do segredo profissional - e que, ainda assim, não permitia as conclusões a que chegou -, não identificando quaisquer obras que devessem ter sido levadas a cabo pela autora, considerando provada a existência de um prejuízo da ré sociedade com base em meros depoimentos e documentos avulsos, sem a verificação das necessárias formalidades, e não considerando a mora no pagamento das rendas do locado, por ter entendido haver incumprimento contratual da autora, violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts. 92º.-1, corpo, e alíneas a), e) e f), 3 e 5 EOA, 570º.-1, 1036º.-1 e 2, 1040º.-1, 1041º.-1, 1043º.-2, 1044º., 1050º.-a) e 1083º.-1 e 5 CC, 8º.-1, 17º.-1, 52º.-1 e 123º.-1 CIRC e 607º.-4 e 5 CPC, pelo que é ilegal, como tal devendo ser declarada, e substituída por outra que decrete improcedente a excepção de compensação de créditos invocada pelas rés e condene estas na indemnização pela mora, obrigando-as no pagamento à autora, para além das rendas em débito, no montante de 7.600,00 €, em 20% sobre aquele valor - 1.520,00 €.

*As Recorridas apresentaram contra-alegações onde pugnam pela improcedência do recurso e a manutenção do decidido.

*Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

*II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil) No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes: - Modificação da decisão da matéria de facto; - Reapreciação de mérito.

*III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Os factos 3.2.1. Factos Provados Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

  1. Por escrito particular intitulado “contrato de arrendamento comercial”, datado de 14 de Julho de 2014, I. P., na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A. P., declarou dar de arrendamento à sociedade Requerida, o pavilhão de rés-do-chão, composto de uma divisão ampla, 1 instalação sanitária e 1 escritório, logradouro, destinado a armazéns e actividade industrial, sito em …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º.

  2. Mediante a renda mensal de € 400,00, a ser paga até ao dia 8 do mês anterior a que disser respeito.

  3. O contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início no dia 01 de Agosto de 2014, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de um ano.

  4. A Requerida M. J., vinculou-se ao referido contrato, obrigando-se, como fiadora e principal pagadora, por todas as obrigações assumidas pela sociedade arrendatária, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas respectivas e em todas as actualizações, quer no período inicial de duração do contrato, quer nas suas renovações, independentemente do seu montante, com renúncia expressa ao benefício de excussão prévia (cfr. cláusula décima sétima).

  5. No referido contrato ficou estipulado que a arrendatária poderá denunciar o contrato mediante comunicação escrita, com aviso de recepção, a enviar à senhoria, com a antecedência mínima de 90 dias sobre o fim do prazo ou da sua renovação, sem que a denúncia confira qualquer indemnização (cfr. cláusula 15ª do contrato).

  6. A Requerente adquiriu o imóvel à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A. P..

  7. Por carta datada de 01 de Fevereiro de 2019, registada com AR, a Requerente comunicou à Requerida a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, solicitando-lhe a entrega do arrendado, livre de pessoas e coisas, até ao dia 31/07/2019.

  8. As Requeridas não pagaram nem depositaram as rendas relativas aos meses de Novembro de 2017 a Maio de 2019.

  9. Por carta datada de 14 de Novembro de 2018, entregue em mão nas instalações da imobiliária Y, a sociedade Requerida comunicou à Requerente denunciar o contrato de arrendamento celebrado, invocando como...

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