Acórdão nº 5363/19.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. G.

e M. F.

instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum contra D. A.

, pedindo seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 01 de setembro de 2005, para fins habitacionais, tendo por objeto a fração D do prédio urbano sito na Rua ...

, Lote n.º …, da União de Freguesias de ...

, concelho de Guimarães e distrito de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º ...

e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...

(anteriores ...

), por oposição à renovação comunicada pelos autores à ré, em 29 de abril de 2019, e com efeitos em 01 de setembro de 2019; condenada a ré, por via de tal cessação, a desocupar e a entregar aos autores o dito prédio, livre e desocupado de pessoas e bens; bem como a pagar aos autores as rendas vencidas desde 01 de setembro de 2019 e, bem assim, as que se vencerem na pendência da presente ação e até à data efetiva da entrega do locado.

Para o efeito alegam, no essencial, que o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, com o seu início em 1 de setembro de 2005 e término a 31 de agosto de 2006, renovável por iguais períodos; sustentam que autores e ré quiseram celebrar e celebraram um contrato de arrendamento para fins habitacionais, com prazo certo (de duração limitada), o qual foi sendo sucessivamente renovado, em virtude da não oposição das partes; os autores/senhorios entenderam não renovar agora o contrato, após sucessivas renovações, intenção que comunicaram à aqui ré/arrendatária em 29 de abril de 2019, por carta registada com aviso de receção, informando a ré que o contrato cessaria, para todos os devidos e legais efeitos, em 01 de setembro de 2019, cumprindo o prazo legalmente estipulado; apesar de ter recebido tal missiva, assinando o competente aviso de receção, a ré não desocupou nem entregou o locado, livre de pessoas e bens, aos aqui autores, continuando a ocupá-lo ilegitimamente, sem qualquer título.

A ré contestou, alegando, em síntese, que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes não tem duração limitada, pelo que lhe é aplicável o regime dos contratos de duração indeterminada, não assistindo aos autores o direito de fazerem cessar tal contrato mediante oposição à sua renovação. Conclui no sentido da improcedência da ação.

Exercido o contraditório, os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, no âmbito da qual se proferiu despacho a conceder às partes a oportunidade de virem aos autos pronunciar-se quanto à possibilidade de ser proferida sentença, por se entender que os factos essenciais à boa decisão da causa se encontravam assentes, não havendo necessidade de produção de mais elementos probatórios para além dos que já se encontram nos autos, sendo que nenhuma das partes se pronunciou.

Foi proferido saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa e julgando a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição da ré dos pedidos formulados.

Inconformados, os autores apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1) Alicerça-se a decisão a quo na premissa maior de que o Contrato de Arrendamento que vincula os Recorrentes à Recorrida não se encontra sujeito a duração limitada, impondo-se a sua renovação aos senhorios, constituindo, pois, um arrendamento vinculístico.

2) Porém, não podem os Recorrentes concordar com tal decisão.

3) Antes de mais, é inquestionável que o Contrato de Arrendamento em análise foi celebrado no dia 01 de setembro de 2005 e, como tal, na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (doravante designado por RAU), aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro.

4) No entanto, tal Contrato não configura um regime de duração ilimitada, como entende o Tribunal a quo, sendo um efetivo Contrato de Arrendamento de duração limitada.

5) O RAU, no seu artigo 98.º n.º 1, dispunha que as partes podiam estipular um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para habitação.

6) Todavia, tal cláusula deveria estar inserida no texto escrito do contrato e assinado pelas partes.

7) O n.º 2 do mesmo artigo estipulava imperativamente que o prazo de duração do contrato não poderia ser inferior a cinco anos.

8) Ora, in casu, é inequívoco que as partes estipularam um prazo certo e efetivo para a duração do seu contrato de arrendamento, inserindo tal clausula no texto do contrato que foi assinado por aquelas.

9) Portanto, Recorrentes e Recorrida acordaram expressamente no sentido da sujeição do Contrato ao regime do arrendamento de duração limitada.

10) É facto que desrespeitaram o prazo mínimo legal que, à data, era de cinco anos, estabelecendo o prazo de um ano para a duração do seu contrato de arrendamento.

11) Pelo que, de acordo com o estipulado no artigo 294.º do Código Civil, a cláusula n.º 1 do Contrato de Arrendamento outorgado entre os Recorrentes e a Recorrida, que fixa como duração do arrendamento o prazo de um ano, é nula porque desrespeita uma norma imperativa.

12) Sendo certo que, tal nulidade não pode, nem deve, invalidar a totalidade do Contrato, de acordo com o artigo 292.º do Código Civil. 13) Tal não foi sequer peticionado pelos Recorrentes, ou pela Recorrida, que admitiram a celebração do Contrato.

14) E não invocaram que não teriam celebrado tal Contrato sem essa mesma cláusula viciada.

15) Assim sendo, salvo melhor entendimento, o Contrato de Arrendamento outorgado pelas partes subsiste, com exceção da sua cláusula n.º 1.

16) De facto, em face do prazo mínimo previsto à data, será, apenas, de converter a referida Cláusula n.º 1 para o prazo mínimo legal de cinco anos, ao abrigo do disposto no artigo 293.º do Código Civil.

17) Isto porque tal conversão harmonizar-se-á com a vontade hipotética / conjetural das partes.

18) Diferentemente do acatado pelo Tribunal a quo, deverá fazer-se funcionar o prazo mínimo definido para os Contratos de duração limitada, ponderando, pois, o regime da integração dos negócios jurídicos, de acordo com o disposto no artigo 239.º, e o regime da conversão, de acordo com o disposto no artigo 293.º igualmente do Código Civil.

19) Tal raciocínio é, pois, assegurado pela legislação posterior.

20) Veja-se o artigo 59.º n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, de acordo com o qual O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias – sublinhado e negrito nosso.

21) A este propósito, veja-se o artigo 1095.º n.º 1 e 2 do Código Civil, na redação da Lei 6/2006, de 27/02: 1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato. 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a 5 nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respectivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo, redação que ainda atualmente vigora.

22) Ou seja, o próprio legislador determinou uma conversão legal quando o prazo de duração dos contratos fosse inferior ao mínimo legal, pelo que automaticamente considerar-se-ia o presente Contrato ampliado ao referido limite de cinco anos.

23) Deste modo, defendem os Recorrentes ser certo e seguro que o contrato outorgado entre as partes, no qual consta que foi outorgado pelo prazo de um ano, deverá agora ler-se que foi celebrado pelo prazo de cinco anos, e, como tal, é um contrato de duração limitada.

24) Aplica-se, assim, in casu, o disposto no artigo 26.º n.º 3 do NRAU, segundo o qual Os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tiver sido previsto, sendo a primeira renovação pelo período de cinco anos no caso de arrendamento para fim não habitacional.

25) O artigo 1097.º do Código Civil na redação à data da Lei n.º 6/2006, de 27/02, preceituava que o senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato.

26) No mais, todo o supra raciocínio é corroborado pela legislação subsequente e naturalmente aplicável in casu, mormente a Lei n.º 31/12, de 14.08, no seu artigo 26.º n.º 1 e 3, artigo 1097.º nº 1 do Código Civil na redação da Lei 31/12, de 14.08, Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, no seu artigo 26.º n.º 1 e 3 e pela redação conferida pela Lei n.º 79/2014, o artigo 1097.º do Código Civil, bem como o artigo 26.º n.º 1 e 3 com a redação atribuída pela Lei n.º 13/19, de 12.02 e o atual artigo 1097.º do Código Civil.

27) Assim, Recorrentes e Recorrida outorgaram um Contrato atribuindo ao mesmo um prazo e estipulando a sua renovação, pelo que foram as próprias partes a convencionar, por sua livre vontade, um dado regime contratual que permite que os senhorios impeçam a renovação do contrato.

28) Certo é que estipularam um prazo inferior ao limite mínimo previsto à data para a sua celebração, mas tal prazo, de acordo com os fundamentos expostos supra, deverá considerar-se de cinco anos, regime imperativo à data previsto.

29) Assim, será de considerar o Contrato de Arrendamento outorgado sujeito ao regime da duração limitada, pelo prazo de cinco anos, renovando-se nos termos e de acordo com as alterações legislativas citadas.

30) Pelo que, a interpretação do Tribunal a quo defrauda os objetivos do legislador e a letra da lei.

31) Desta forma, os senhorios / Recorrentes poderiam opor-se à renovação do Contrato de Arrendamento, como fizeram, ao abrigo do disposto no artigo 1097.º do Código Civil, em 29.04.2019, por carta registada com aviso de receção, tendo o Contrato outorgado cessado por caducidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1079.º e 1051.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT