Acórdão nº 832/19.6T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães(1): I – RELATÓRIO 1.1. X - Unipessoal, Lda., intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. A., N. L., C. F., F. L., J. L.
e F. G., formulando os seguintes pedidos: «A) Que se reconheça à autora o direito de preferência sobre prédio rústico, designado “Terreno de Pinhal e mato”, sito no Lugar ...
, freguesia de ...
, concelho de Braga, com área de 4709m2 (quatro mil setecentos e nove metros quadrados), inscrito na matriz rústica sob o artigo ...
, com o valor patrimonial tributário de 30,00€ e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...
, substituindo-se à 6.ª ré [F. G.] na escritura de compra e venda; B) Que sejam os réus condenados a entregarem o referido prédio à autora, livre de quaisquer ónus ou encargos e desocupado; C) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 6.ª ré, compradora, haja feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...
e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...
, designadamente o constante da apresentação 1174, de 2017/07/26, e outras que esta venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem».
Para fundamentar a sua pretensão, alegou que é dona do prédio misto, composto de “Casa de r/c e andar e Terreno de cultura, Videiras e pomar”, sito no Lugar ...
, freguesia de ...
, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...
e na matriz rústica sob o artigo ...
, descrito na respectiva 1ª Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...
, que confina com o prédio que foi objecto de venda entre os Réus, mediante escritura pública outorgada a 19.07.2017, pelo preço de € 26.000,00, sem que lhe fosse comunicado o projecto de venda ou as cláusulas do contrato, antes da celebração, designadamente, a pessoa do comprador, o montante do preço ou as condições de pagamento, e que só em Setembro de 2018 tomou conhecimento do negócio celebrado pelos Réus.
Sustenta que é titular de direito de preferência, o qual foi preterido pelos Réus, e que a 6ª Ré não é proprietária de prédio confinante com o alienado, pelo que pretende exercer o dito direito através da presente acção.
*Contestaram os Réus, alegando que a Ré F. G. adquiriu o prédio para fim distinto da cultura, ou seja, para construção de um empreendimento de turismo em espaço rural na modalidade da casa de campo, com 5 quartos e zona de lazer para actividades de animação turística, com a colocação de peças de mini golfe e circuito de manutenção.
Invocam que tal fim é legalmente possível, porquanto parte do solo do prédio adquirido constituiu, nos termos do PDM, espaço destinado a equipamento e outras estruturas ou ocupações compatíveis com o estatuto de solo rural, estando em curso o respectivo processo de licenciamento junto da Câmara Municipal ...
.
Sustentam que se está perante a excepção prevista no artigo 1381º, alínea a), do Código Civil, que obsta ao exercício do direito de preferência pelos proprietários dos prédios confinantes.
Para o caso da acção proceder, a Ré F. G. deduziu pedido reconvencional, peticionando que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 2.542,50, respeitante às despesas por si havidas com a aquisição e limpeza do prédio.
*Em réplica, a Autora pugnou pela improcedência tanto da reconvenção como da excepção deduzida, referindo que à data da venda o prédio apenas estava afecto a cultura, não tendo a Ré F. G. qualquer licenciamento aprovado até ao momento e muito menos à data da aquisição.
*1.2.
Em audiência prévia, foi elaborado despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, proferiu-se sentença que declarou «verificado o circunstancialismo a que alude a) do art. 1381º do CC, uma vez que o terreno alienado destina-se a fim distinto da cultura, mostrando-se o mesmo legalmente possível, como invocado pela R., julgando a acção improcedente por não provada, absolvendo os RR do pedido formulado pela A., ficando consequentemente prejudicada a apreciação da reconvenção deduzida».
*1.3.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I.
O Tribunal a quo não põe em causa a existência do direito de preferência da A. nem o exercício do direito de preferência pela mesma – dando como provado a existência dos pressupostos quer de um quer do outro -.
II.
E a Recorrente dá como assente essa matéria para todos os efeitos legais.
III.
No entanto, o Tribunal a quo alega a verificação de situação impeditiva do direito de preferência, excepcionando nos termos do disposto da alínea a), do artigo 1381.º Código Civil.
IV.
Salvo o devido respeito, não se encontram preenchidos os requisitos essenciais à aplicação da referida excepção da alínea a), do artigo 1381.º, Código Civil.
V.
Sustenta o Tribunal a quo que: “com as diligências em curso” a R. F. G. logrou provar, como lhe competia, que para além de adquirir “o bem para fim diferente da agricultura“ que o fim é legal e permitido.
VI. Não obstante, esta conclusão contraria frontalmente a informação prestada pelo órgão de tutela, Câmara Municipal ...
, junta aos autos, durante a audiência de julgamento, a fls. 134: “O processo de licenciamento 1/2018/5 ainda se encontra em análise, pelo que não existe decisão sobre o mesmo. Esta decisão encontra-se pendente da ponderada análise sobre o impacto da pretensão no interesse público, na medida em que o traçado do arruamento de acesso ao espaço desportivo está previsto no PDM poderá por em causa a pretensão da Sra. F. G..
Existem estudos para alternativas ao traçado, mas os mesmos implicam custos acrescidos em movimentação e estabilização de terras bem como em necessidade de aquisição de solo. Negrito e sublinhado da Recorrente.
VII.
A Recorrente discorda desta presunção sustentada na Sentença em crise (vide supra ponto V) e daqui retira o que é essencial e factual, o licenciamento não foi até ao momento obtido; tal licenciamento está dependente de alterações ao projecto da R. F. G.; tal projecto tem em conta um traçado que ocupa terreno pertencente à Junta de freguesia de ...
(domínio público); não tendo a R. F. G. provado nos autos a efectiva garantia da execução de acesso alternativo ao campo de futebol que a Junta de freguesia pretende concluído.
VIII.
A R. F. G. não logrou provar nos autos, nem o podia ter feito a contrário do que ficou escrito na Sentença, proferida a quo, como era seu ónus, que o fim é legalmente possível.
IX.
Neste sentido, Henrique Mesquita “a aquisição de terreno de cultura para outros fins dependeria sempre da boa vontade dos proprietários confinantes (…) Ora, acrescenta a simples declaração de afectação de um terreno de cultura a fim diferente (V.G a um fim urbanístico) mesmo que conste da escritura de alienação não basta para precludir o direito de preferência (…) é mesmo irrelevante que conste da escritura. Não basta porém que se prove esta intenção.
O adquirente terá de provar ainda que a efectivação dessa intenção é legalmente possível.
Não interessa só a intenção, há que ver em que termos se traduziu na prática esse desígnio. Como manifestações de credibilidade de tal objectivo referem-se no acórdão deste Tribunal de 21/06/94 as diligências efectuadas pelo adquirente, o seu resultado, justificação ou necessidade daquela intenção e mesmo a aptidão natural do terreno para o fim visado. “in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o número 02B4164, datado de 06-02-2003.
Negrito e sublinhado da Recorrente.
X.
De todo o modo convém salientar e acrescentar que na linha de pensamento de Henrique Mesquita, “a aquisição de terreno de cultura para outros fins dependeria sempre da boa vontade dos proprietários confinantes”, o que neste caso não se verificou.
Negrito e sublinhado da Recorrente.
XI.
No caso e não obstante as diligências efectuadas pela R. F. G. o certo é que tal desiderato não foi conseguido conforme informação datada de 2/03/2020 do órgão de tutela, Câmara Municipal, que informou o Tribunal, a fls. 134 dessa impossibilidade (vide supra em VI).
...
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