Acórdão nº 8675/15.0T8VNF-E.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ DIAS
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

* RELATÓRIO Nos presentes autos de insolvência, por sentença proferida em 24/11/2015, entretanto transitada em julgado, foi declarada a insolvência de I. C..

Entretanto a administradora de insolvência apresentou a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, a qual foi alvo de impugnação.

Tendo transitado em julgado o acórdão proferido por esta Relação em 17/12/2019, no apenso de reclamação de créditos, devolvidos os autos à 1ª Instância, estes foram remetidos à conta, sem que o tribunal se tivesse debruçado oficiosamente sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Notificada via Citius em 06/05/2020, da conta elaborada e remetida a guia para liquidação das custas de parte da sua responsabilidade, veio a insolvente I. C. requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente e, subsidiariamente, reclamar da conta, pretendendo ser dispensada, por essa via, da taxa de justiça remanescente.

Observado o contraditório, os restantes interessados não se pronunciaram quanto ao requerido pela insolvente.

Por sua vez, tendo tido vista nos autos, o Ministério Público, após enunciação de múltipla jurisprudência e dando nota das duas correntes jurisprudências que se têm perfilhado quanto ao momento final para requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos casos em que o juiz não se pronuncie sobre essa questão na sentença, promoveu que se indeferisse o pedido principal e o subsidiário deduzidos pela insolvente, o primeiro, por intempestividade, e o último (o subsidiário), por a reclamação da conta não constituir o meio processual para fazer valer a isenção do pagamento da taxa de justiça remanescente, dado tratar-se de meio processual destinado a reagir unicamente quanto a conta elaborado apresente erros materiais, o que não é o caso.

Seguiu-se o despacho recorrido, proferido em 06/07/2020, em que a 1ª Instância indeferiu o pedido principal de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, por intempestividade, bem como o pedido subsidiário de reclamação da conta de custas de parte, por inadmissibilidade legal, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Termos em que, por intempestividade, indefiro o pedido formulado pela insolvente I. C. para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, bem como indefiro, por inadmissibilidade, o pedido subsidiário de reclamação de conta de custas”.

Inconformada com o assim decidido, a insolvente I. C. interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: I.

Encontrando-se assente que antes da elaboração da conta e do requerimento apresentado pela Recorrente não foi proferida qualquer decisão pelo Tribunal a apreciar a dispensa que decorre do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP (v.

g.

quer a título oficioso, quer a pedido das partes) e uma vez que a Recorrente solicitou essa dispensa, quer quanto a si, quer relativamente ao credor/apelado, J. P., através de requerimento autónomo e, subsidiariamente, de reclamação da conta de custas, antes do término do prazo de 10 dias consignado no art. 31.º, n.º 1, do RCP, é manifesta a tempestividade daquele pedido; II.

Ainda que seja entendido que o referido pedido só podia ter lugar até elaboração da conta, a situação em análise nos presentes autos evidencia uma flagrante ou gritante desproporcionalidade entre o montante da taxa de justiça imputada às partes e o serviço de justiça que lhes foi prestado, que justifica a possibilidade de dispensa em momento posterior, de modo a evitar-se “um inaceitável comprometimento do acesso à justiça”, mas essencialmente para garantir o “Estado de direito democrático consagrado no art.

  1. da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos”; III.

Em súmula, os fundamentos que, no entender da Recorrente, justificam a dispensa total, ou pelo menos parcial, do remanescente da taxa de justiça relativamente a si e ao credor/apelado, J. P., e que também evidenciam uma desproporção gritante entre a taxa e o serviço prestado, são os seguintes: a) na situação sub judicie estão apenas em causa os serviços de justiça prestados na instância de recurso do Tribunal da Relação de Guimarães; b) a complexidade da instância recursiva tem de ser qualificada como relativamente normal para um recurso da decisão de primeira instância que julgou procedente a impugnação da lista de créditos reconhecidos, não tendo, em termos de serviço efetivamente prestado, exigido do Estado uma atividade (muito) para além da que é exigida em processos normais da mesma natureza [v.

g.

(i) embora a alegação de recurso contenha 46 páginas, a resposta ao recurso tem somente 15 páginas e não existem quaisquer incidentes a registar; (ii) as matérias a apreciar no âmbito deste recurso foram apenas 4 e nenhuma delas exigiu elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importou a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; (iii) a análise destas matérias também não implicou a audição de quaisquer testemunhas, nem tampouco a análise de meios de prova complexos ou, sequer, a realização de várias diligências de produção de prova morosas; e, (iv) o douto acórdão proferido também não revestiu particular dificuldade]; c) os serviços de justiça foram mobilizados a favor das partes apenas durante cerca de 6 meses, pois o recurso deu entrada em 12/06/2019 e o acórdão foi proferido em 17/12/2019, tendo este último transitado em julgado no prazo legal, sem que as partes tenham desenvolvido qualquer atividade judiciária após a sua prolação; d) a conduta das partes na instância recursiva sempre foi clara, objetiva e colaborante, não tendo introduzido qualquer complexidade ao pleito; e) considerando os critérios de razoabilidade, proporcionalidade e adequação que devem necessariamente condicionar o juízo aplicativo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, a cobrança do remanescente da taxa de justiça, no valor de 3.798,00€ para cada parte, viola tais princípios e mostra-se manifestamente desproporcionado e intolerável para os serviços de justiça prestados; e, f) atento o atual contexto de crise e encontrando-se ainda a Recorrente insolvente, o montante de custas no valor total de 9.588,00€ é uma quantia que não está ao alcance generalidade dos cidadãos e ultrapassa largamente aquilo que é razoável e aceitável em recursos similares, mas cujo valor é substancialmente inferior, tanto mais que este concreto recurso não importou para o Tribunal um labor mais intenso e prolongado, do que normalmente tem nos recursos idênticos de valor substancialmente inferior.

IV.

Por força do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4.º do CPCiv., a dispensa, ou redução, do remanescente da taxa de justiça deve ser concedida à Recorrente e ao credor/apelado J. P., pois, além da Recorrente ter efetuado pedido nesse sentido, os pressupostos legais estatuídos no n.º 7 do art. 6.º do RCP verificam-se para ambas as partes e, como tal, o Tribunal sempre poderia/deveria determinar oficiosamente essa dispensa relativamente ao referido credor, nos mesmos termos em que seja concedida à Recorrente, por forma a dar cumprimento àquele principio legal; V.

Ao indeferir, por intempestividade, o pedido formulado pela Recorrente para dispensa do remanescente da taxa de justiça e, por inadmissibilidade, o seu pedido subsidiário de reclamação da conta de custas, o Tribunal à quo fez uma incorreta aplicação e/ou interpretação do n.º 7 do art. 6.º do RCP; VI.

A correta interpretação e aplicação do preceituado no n.º 7 do art. 6.º do RCP impunha julgar tempestivo o requerimento apresentado pela Recorrente e deferir o mesmo por se verificarem preenchidos os requisitos estabelecidos no mesmo preceito legal; VII.

Subsidiariamente, ainda que se entenda que o referido pedido é extemporâneo, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dispensado, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente à Recorrente e ao credor/apelado J. P., por se verificar uma desproporção gritante entre a taxa imputada às partes e o serviço de justiça que efetivamente lhe foi prestado, que impõe o afastamento do regime legal estatuído no n.º 7 do art. 6.º do RCP, para salvaguardar os princípios e direitos constitucionais consagrados nos arts. 18.º n.º 2 e 20.º da CPR; VIII.

Mercê dos evidenciados erros deve revogar-se o despacho recorrido, a qual deverá ser substituída por decisão que defira, total ou parcialmente, o pedido de dispensa, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça relativamente à Recorrente e ao credor/apelado J. P..

Nestes termos, e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso, pelos fundamentos e nos termos explanados nas conclusões acabadas de alinhar.

Apenas o Ministério Público contra-alegou, pugnando no sentido da improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos: 1. O momento em que o juiz deverá apreciar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o da decisão em que julga a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos, conforme o disposto no artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil; 2. O artº 607º, nº 6, refere expressamente que a condenação dos responsáveis pelas custas processuais é um dos segmentos decisórios que deve constar da sentença, sendo, porém, a omissão passível de correção, mesmo por iniciativa do juiz, nos termos do artº 614º, nº 1, ambas as disposições do Código de Processo Civil; 3. Apesar de o juiz poder/dever fazê-lo oficiosamente, essa omissão poderá ser corrigida pelas partes interessadas que irão provocar a apreciação da questão da dispensa do pagamento pedindo a reforma da sentença, por simples requerimento, ou, se for admissível o recurso, incluindo-a nas alegações, como se alcança do artº 616º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Civil; 4. O...

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