Acórdão nº 3999/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO M. R. intentou a presente ação contra “Pichelaria X, Limitada”, pedindo a declaração de inexistência de justa causa para a sua destituição do cargo de gerente e, consequentemente, a condenação da ré no pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

A ré contestou pugnando pela justa causa da destituição e impugnou os danos invocados pelo autor.

A final foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando-se a inexistência de justa causa para a destituição do autor, M. R., com a consequente condenação da ré “Pichelaria X, Ld.” a pagar àquele a quantia de € 76.800,00 (setenta e seis mil e oitocentos euros), acrescida de juros contados desde a prolação da presente sentença até integral pagamento.

*Inconformada com a sentença veio a ré Pichelaria X, Lda. interpor recurso, per saltum, terminando com as seguintes conclusões:

  1. Requer-se, desde já, que o presente recurso suba e seja decidido, pelo Supremo Tribunal de Justiça!..., dado que versará apenas sobre questões de direito; o valor da causa é de 104.892,99 €, logo, superior à alçada da Relação; o valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação (a recorrente, apesar de pedir a sua absolvição, foi condenada a pagar ao autor a quantia de 76.800,00 €); e não está em causa qualquer decisão interlocutória.

  2. Não podemos concordar com o Tribunal “a quo” na conclusão de que os factos dados como provados não integrem o conceito de justa causa – com o devido respeito, que é muito – razão pela qual a sindicamos pelo presente.

  3. Conforme resumiu o Acórdão do Tribunal de Guimarães de 15/11/2012, publicado em www.dgsi.pt, sobre o pensamento de Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, pag. 21 que, “a justa causa corresponderá a qualquer circunstância, facto ou situação em face do qual e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação estabelecida; a todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou dificultar a obtenção desse fim; a qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa”.

  4. Por seu turno, do artigo 64º do CSC, resultam os deveres que impendem sobre os gerentes, onde se pode ler que: 1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

  5. No caso dos autos, importa verificar se os factos dados como provados são ou não suficientes para integrarem o conceito de justa causa, o que entendemos que sim. Vejamos: F) O Tribunal “a quo” julgou provado que as actas 97, 98 e 99 redigidas no período em que o Autor era gerente da Ré, não foram assinadas pelos sócios, bem como algumas actas foram entregues aos sócios mais de 30 dias depois da realização da Assembleia geral (cfr. item 12 e 13 da matéria provada fixada na Sentença de que se recorre).

  6. Ora, todas as deliberações das sociedades devem ficar espelhadas em actas e os sócios dela tomarem conhecimento, por direito.

  7. Um dos direitos dos sócios consiste em serem informados do que se passa nas Assembleias Gerais, de modo a que, caso o entendam, impugnarem as deliberações nestas tomadas, através de acção de anulação prevista nos artigos 59º e seguintes do Código das Sociedades Comercias.

  8. Posto isto, o não envio, por parte do Autor, das actas no período de 30 dias da Assembleia Geral é susceptivel de ferir um dos direitos dos sócios que caduca pelo não uso no decurso de um lapso de tempo muito reduzido.

  9. Desta feita, esta omissão do envio das actas durante o período da gerência do Autor, inibitória dos sócios usarem, tempestivamente, da faculdade de sindicar as deliberações sociais, deverá ser qualificada como justa causa de destituição, pois é susceptível de fazer “desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa”, conforme defende Batista Machado.

  10. Outro fundamento invocado pela Recorrente para suportar a destituição do Autor/recorrido, e desconsiderado pelo Tribunal “a quo” – apesar de o Tribunal “a quo” ter julgado como provados os factos que sustentavam aquele nos itens 20), 21) e 29), fixados na Sentença de que se recorre – foi de que o Autor, no período em que geriu a Ré, engrandeceu as relações comerciais entre a empresa “A. C., Unipessoal, Lda” – da qual é também gerente –, e a Ré/recorrente, aumentando os fornecimentos e prestação de serviços entre estas empresas em mais de 500%.

  11. Ora, entende a Ré/Recorrente que se Autor/recorrido, quisesse dar razão ao voto de confiança que os sócios lhe deram, aquando da sua nomeação como gerente em 2014, no sentido de, acreditar que este iria cumprir os seus deveres de lealdade, transparência e não concorrência com a ré; bem como não usufruir dessa qualidade para aumentar e tirar proveito dos negócios celebrados com a Ré; M) Nunca o Autor/recorrido poderia ter tomado a decisão de celebrar negócios entre a Ré/Recorrente e outra sociedade da qual é único gerente, sem pedir orçamentos a outras empresas sobre o que forneceu à Ré e dos serviços a esta prestados.

  12. Porem, a realidade é que a Ré/recorrente era sempre a cliente – a que tinha obrigação de pagar o preço – e a “A. C., Unipessoal, Lda”, a que recebia a vantagem patrimonial.

  13. Ao ter actuado desta forma, entendemos – e com o devido respeito por opinião contrária –, o Autor/Recorrido violou o Principio da Transparência para com a Ré/Recorrente, pelo que tal comportamento deverá ser considerado como justa causa de destituição, o que se pede seja reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

  14. Por último, entendemos que os factos julgados provados pelo Tribunal “a quo” nos itens 25 e 27 da matéria provada – “25)O autor apelidava alguns trabalhadores da ré de “fracos”, abordando-os com frequência, e demonstrando descontentamento com a sua prestação, dizendo-lhes que “não vendem merda nenhuma”; 27)O referido em 25) causava ansiedade e inquietação aos trabalhadores.” – sejam, talvez, os mais graves praticados pelo Autor enquanto gerente da Ré, apesar de o Tribunal “a quo” não crer “que os factos a propósito apurados bastem à integração do conceito de justa causa para a destituição do gerente”.

  15. Não concordamos com esta conclusão do Tribunal “a quo”, não obstante todo o respeito que nos merece – e que é muito.

  16. Ora, nos termos do artigo 394º, nº 2, do Código do Trabalho, é considerada como justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sendo motivo para fazer cessar imediatamente o contrato, a “ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punida por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.” S) Este comportamento do Autor/recorrido para com os trabalhadores não é mais do que ofensas à moral, honra e dignidade do trabalhador, que constituiu nestes, desde logo, o direito potestativo de resolver os contratos de trabalho; Para além de interferir na sua capacidade, disposição e qualidade no trabalho; Com o consequente prejuízo notório para a Ré.

  17. Aliás, é de conhecimento geral (logo facto notório), que os trabalhadores são o elemento basilar e primordial para o sucesso e crescimento de uma empresa, o que, se estes forem tratados de forma que lhes provoque “ansiedade e inquietação” pelo seu patrão, tais sentimentos irão influenciar, a sua produtividade.

  18. Desta feita, esta atitude do Autor para com os trabalhadores contraria os seus deveres de “lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”, previsto no artigo 64º do CSC.(sublinhado e negrito nosso) V)Atente-se no que o Tribunal “a quo” escreveu na Sentença de que se recorre, a este respeito, sobre o que os trabalhadores da Ré, que prestaram depoimento como testemunhas, disseram: - Testemunha P. R.: “saiu da pichelaria ao fim de 12 anos de serviço, zangado com o autor. Isto porque aquele “estava sempre a ralhar” e, quando nem tudo corria bem, dizia aos funcionários que “não valiam merda nenhuma”. Não obstante nunca lhe terem dito para se ir embora, optou por despedir-se porque não estava agradado com o ambiente. Esta afirmação contribuiu para a prova do referido em 25) e 27).” - Testemunha M. A., funcionário da ré desde 1990/1991, referiu: “que o autor o ofendia com algumas expressões do tipo “vocês todos juntos não valem nada” [artigos 25) e 27)]”; - Testemunha I. B., empregada de balcão, na sala de exposições da Ré, desde 1998, “Apresentava os materiais cerâmicos e de construção aos clientes e o ora autor nunca estava satisfeito: ora a acusava de nada vender, ora de vender da marca errada. Chegou a dizer-lhe, tal como os demais gerentes: “não vendem merda nenhuma”. Cerca de um ano depois da gerência que o autor integrava tomar funções, passou a sentir-se muito pressionada [artigos 25) e 27)].

  19. A actuação do Autor/recorrente, de pressão psicológica que exercia sobre dos trabalhadores, abalou a produtividades dos trabalhadores e o bom ambiente de trabalho destes, com repercussões no bom desempenho da empresa; pelo que os sócios não tinham outro caminho que não sindicar o comportamento do...

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